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30 de Abril de 2024
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    Código Florestal

    Publicado por Planeta Verde
    há 14 anos

    Em 1934, por meio do Decreto nº 23.793, Getúlio Vargas editou nosso primeiro . Esse texto não veio com a finalidade exclusiva de preservação dos ecossistemas florestais, pois também se destinava à proteção de recursos estratégicos para a industrialização, que se iniciava naquela época, consubstanciados em água e madeira (a matriz energética se constituía por lenha e carvão vegetal). Gerou, contudo, efeitos de conservação do ambiente natural, porque já previa a criação de alguns importantes espaços ambientais, como as florestas protetoras , que acabaram por transformar-se, no de 1965, em áreas de preservação permanente, e a quarta parte (1/4 da propriedade rural não podia sofrer corte raso), anos depois remodelada como reserva legal. Naquela década, editou-se ainda o Código de Águas e foram criados os primeiros parques nacionais, o que demonstra certa preocupação do Governo Vargas com a preservação do meio ambiente, influenciado pelo pensamento de uma geração de ambientalistas que conseguiu demonstrar a importância de nossas belezas naturais para a construção da identidade nacional.

    Após o golpe militar de 1964, e apesar de estar o país vivendo um período altamente desenvolvimentista, é editado, em 15 de setembro de 1965, nosso atual (Lei nº 4.771), alterado por meio da Medida Provisória nº 2166/01. Essa Lei confere alto grau de proteção não apenas aos ecossistemas florestais, mas também a outras formas de vegetação encontradas nos espaços ambientais indicados, consubstanciados nas áreas de preservação permanente (APPs) e nas áreas de reserva legal (RL).

    C onstituídas pelas florestas e demais formas de vegetação situadas ao longo dos rios e demais cursos d água, ao redor de nascentes, lagos, lagoas e reservatórios, em encostas com declividade acima de 45º, no topo de morros, montes, montanhas, serras e tabuleiros, em altitude acima de 1.800 metros e nas restingas, como fixadoras de dunas e estabilizadoras de mangues, as APPs foram inicialmente idealizadas para a proteção do solo contra erosões e deslizamentos e a para a proteção da água. Sabe-se, hoje, que elas prestam inúmeros e relevantes serviços ambientais, como a preservação da biodiversidade, a manutenção do microclima, o aporte à fertilidade do solo, dentre muitos outros.

    A Medida Provisória nº 2166-67/01, que alterou o , introduziu, então, a definição de áreas de preservação permanente, como: “área protegida nos termos dos arts. 2º e 3º desta Lei, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e de flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas” (inciso II do § 2º do art. 1º da Lei nº 4.771/65). O grau de proteção das APPs, tendo em vista as funções por elas desempenhadas, é bastante severo, não havendo a possibilidade de uso direto dos recursos naturais. Nas áreas rurais, as APPs garantem a proteção das nascentes e evitam o assoreamento dos rios; em suma, preservam a água, recurso fundamental para o desenvolvimento das atividades agropecuárias. Sua importância não se resume, o que já não seria pouco, às áreas rurais: nas áreas urbanas, nas cidades, têm como objetivos, dentre outros, evitar os desabamentos de morros e as inundações, assegurando o bem estar do ser humano.

    A área de reserva legal constitui outra espécie de espaço territorial especialmente protegido, prevista pelo , e se refere a um percentual da propriedade rural que não pode sofrer corte raso, variando entre 50% e 80% na floresta amazônica (conforme haja ou não zoneamento ecológico econômico), 35% no cerrado amazônico e 20% nas demais regiões do país. Após a alteração do pela MP nº 2166/01, as áreas de reserva legal devem ser observadas tanto nas propriedades públicas quanto nas privadas. Isso porque a ressalva contida no caput do art. 16, em sua redação original, foi revogada, não havendo mais a exceção legal para o caso das propriedades públicas.

    O objetivo principal das áreas de reserva legal é manter percentuais de ecossistemas representativos em todo o território nacional, na medida em que nas propriedades rurais não poderá ser desmatada certa parcela da vegetação nativa, embora haja a possibilidade de uso econômico, sob a forma de manejo sustentável.

    Hoje, os problemas ambientais ganham proporções gigantescas, podendo-se citar o aquecimento global, a perda em massa de biodiversidade (extinção de espécies) e a escassez de recursos hídricos. No entanto, a bancada ruralista no Congresso Nacional conduz movimento para alteração do , que culminará com a flexibilização da proteção conferida por esse diploma legal e permitirá, assim, o desmatamento de milhares de quilômetros de florestas e de outras formas de vegetação, essenciais à manutenção do equilíbrio dos ecossistemas. Estimativas indicam que a aprovação do projeto, tal como relatado pelo Deputado Aldo Rebelo, permitirá a anistia de 40 milhões de hectares de desmatamentos ilegais, verificados desde 1966; isso importa em emissão ilegal de 14,6 bilhões de toneladas de carbono (CO2). Além disso, por conta da isenção da reserva legal em propriedades de até 4 módulos fiscais, implicará a liberação de até 70 milhões de hectares - cerca de 12,8 bilhões de toneladas de CO2, estocados atualmente nas florestas da Amazônia (Carta-consulta aberta aos candidatos à Presidência da República sobre o Brasileiro).

    Resumidamente, as principais alterações, previstas no projeto relatado pelo Deputado Aldo Rebelo, são: diminuição das áreas de preservação permanente de 30 para 15 metros ao longo dos cursos d água com menos de 5 metros de largura; extinção de algumas espécies de APPs, como as de altitude; extinção da reserva legal para propriedades com menos de 4 módulos fiscais (o que, na Amazônia, significa propriedades com até 400 hectares); anistia para quem desmatou ilegalmente até 22 de julho de 2008; falta de qualquer critério para compensação extra-propriedade da reserva legal (o que significa, na prática, ser possível compensar Mata Atlântica com Caatinga, com a conseqüente perda de significativas porções de ecossistemas representativos).

    Segundo pesquisa realizada pela Universidade de São Paulo sob a coordenação do Prof. Dr. Gerd Sparovek - Projeto Agricultural Land Use and Expansion Model (AgLUE) - durante um ano e meio, o território continental do Brasil possui 850 milhões de ha (Mha), dos quais 537 Mha correspondem a área com predomínio de vegetação natural - o que não “quer dizer que estas áreas não tiveram ou não têm utilização produtiva”. De acordo com esse estudo, aponta-se para um déficit de vegetação natural estimado em 44 Mha, em APPs, e em 43 Mha para alocação do déficit de reserva legal. Jean Paul Metzger, também da Universidade de São Paulo, em estudo intitulado “O tem base científica?” ( in “Conservação e Natureza”, 2010, no prelo), após minudente análise científica da extensão mínima das áreas de preservação permanente ao longo de cursos d água, reservatórios e nascentes, conclui que “o conhecimento científico obtido nestes últimos anos permite não apenas sustentar os valores indicados no de 1965 em relação à extensão das Áreas de Preservação Permanente, mas na realidade indicam a necessidade de expansão desses valores para limiares mínimos de pelo menos 100 m (50m de cada lado do rio), independentemente do bioma, do grupo taxonômico, do solo ou do tipo de topografia”.

    Não é possível ignorar os equívocos, em que incidem as justificativas apresentadas pela bancada ruralista para esse retrocesso ambiental.

    Em primeiro lugar, fala-se de segurança alimentar, quando todos sabem que os grandes latifúndios plantam essencialmente soja, para alimentar rebanhos na Ásia e na Europa, cana-de-açúcar para a fabricação de etanol e algodão. Ao contrário, portanto, do que passaram a sustentar nos últimos meses os defensores da bancada ruralista liderada por Aldo Rebelo, a ideologia que permeia este projeto de desconstrução dos mecanismos legais de defesa dos ecossistemas no Brasil é uma estratégia evidente de entrega das riquezas naturais representadas pela biodiversidade de nosso país ao capitalismo internacional. Extinguir dezenas de milhares de espécies vegetais que poderiam gerar receita para o país, sobretudo nas áreas da farmacologia, dos cosméticos e da bioquímica a partir de investimentos em pesquisa científica por nossas Universidades Públicas, substituindo-as por três únicas espécies vegetais: este é o projeto antipatriótico e entreguista de Aldo Rebelo.

    Outro argumento é o da inefetividade do atual Código, pois não estaria sendo devidamente cumprido. Ora, diariamente nossos jornais divulgam casos de trabalho escravo, violência policial, prostituição infantil e corrupção, não só em recônditos rincões do país mas também nos centros de grandes metrópoles. Estas denúncias, assim como as de desrespeito ao , repugnam a todos. A ser considerado pertinente o argumento de que inefetividade se combate com flexibilização, os resultados serão evidentes: aviltamento dos direitos humanos e desestabilização democrática. De se rechaçar, portanto, a argumentação de que o desrespeito ao se resolve com a sua revogação!

    Por fim, há o discurso da falta de terras para agricultura, quando o estudo realizado pela Universidade de São Paulo aponta que, “mesmo com a aplicação integral do , ainda restariam 104 Mha de áreas com vegetação natural sem proteção, ou seja, áreas que podem ser legalmente desmatadas ou abertas para uso agropecuário”. Isso não significa dizer que as atividades agropecuárias necessitem desses territórios para sua expansão, mas sim que há de se fomentar a modernização do setor. Como conclui esse estudo, o modelo a ser adotado pelo país para desenvolver-se requer agricultura cuja expansão territorial ocupe as terras consideradas de elevada aptidão agrícola, hoje empregadas com pecuária extensiva; desde que a pecuária se intensifique, haveria aumento de produtividade, com menor demanda de terras.

    Hoje 3% das propriedades rurais ocupam aproximadamente 56,7% das terras agricultáveis no país. Por que, então, modificar o ? Seriam os interesses da agricultura familiar e dos pequenos proprietários que estariam em jogo? Não sejamos inocentes. A questão é exclusivamente econômica e o que se pretende é beneficiar o agrobusiness, em detrimento de toda a população brasileira, sequer consultada sobre a matéria. Importante, assim, que a sociedade se mobilize, a fim de frear os anseios da bancada ruralista e resguardar o , Lei essencial para a manutenção do ambiente natural brasileiro e para o desenvolvimento do país com boa qualidade de vida para sua população.


    Márcia Dieguez Leuzinger , p rocuradora do Estado do Paraná, doutora em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília - UnB, professora do mestrado em direito do Centro Universitário de Brasília - UniCEUB.


    Solange Teles da Silva , d outora em Direito pela Universidade Paris I - Pantheon Sorbonne. Professora dos Programas de Pós-graduação em Direito Político e Econômico da Universidade Presbiteriana Mackenzie e em Direito Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas.


    José Nuzzi Neto, p rocurador autárquico em São Paulo, professor da Universidade Metodista de São Paulo.


    Guilherme José Purvin de Figueiredo , p rocurador do Estado de São Paulo. Doutor em Direito pela Universidade de São Paulo. Professor do Curso de Graduação em Direito da Universidade São Francisco e dos Cursos de Pós-Graduação em Direito Ambiental da PUC-Rio, da PUC-SP e da Unianchieta.




    Fonte: Observatório Eco
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    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/codigo-florestal/2265951

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