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17 de Junho de 2024
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    Como assim "prisão é só para quem precisa"?

    Publicado por Consultor Jurídico
    há 12 anos

    Contextualizando...
    Aqui, ab initio, vai uma explicação, antes que eu seja acusado de reacionário, adepto da lei e ordem e outros epítetos. Ou que eu esteja sendo a favor ou contra os réus do mensalão (a metade acha que sou a favor, a metade acha que sou contra...!) etc. Há muitos anos tenho deixado clara minha posição contra o solipsismo na aplicação das leis. Tenho mostrado, ad nauseam, que sentença não vem de sentire, que juiz não tem livre convencimento e que provas têm de ser judicializadas etc. Juiz (e ministro do STF) deve decidir sempre por princípios e não por políticas (ou demandas sociais).

    Quem quiser examinar as Colunas aqui da ConJur, verá que alertei para o problema que iria ocorrer quanto à questão das provas (O Supremo, o contramajoritarismo e o “Pomo de ouro”); fiz críticas ao uso indiscriminado da Teoria do Domínio do Fato (O mensalão e o "domínio do fato — tipo ponderação"); critiquei a questão da presunção contra os réus (Aqui se faz, aqui se paga ou “o que atesta Malatesta”); defendi o ministro Lewandowski das injustas críticas que Merval Pereira lhe fez; em entrevistas (brevemente, escreverei sobre isso aqui), venho chamando a atenção para a necessidade do respeito à tradição construída pelo direito processual no que toca às fórmulas de aplicação das penas (o STF não pode “inventar” novas fórmulas, agora); critiquei o STF por ter errado na absolvição de Duda Mendonça, ao mesmo tempo em que demonstrei incongruências relacionadas à aferição do que seja quadrilha ou bando.

    Dormindo com o inimigo...
    Aliás, por falar em presunções, condenação com ou sem provas, depois do artigo que o governador Tarso Genro (PT) escreveu sobre a AP 470 (clique aqui para ler), os réus do mensalão nem precisam de inimigo para discutir o aludido julgamento...! Vejam o que disse o prócer petista: Entendo que todo o Estado de Direito tem espaços normativos amplos para permitir-se, com legitimidade, tanto condenar sem provas como absolver com provas, nos seus Tribunais Superiores. Isso é parte de sua engenharia institucional e do processo político que caracteriza as suas funções. Nas decisões das suas Cortes, às vezes predomina o Direito, às vezes predomina a Política”. Como assim, governador? Pode condenar sem provas? E “às vezes predomina o direito”? Só às vezes? Não é sempre? Uma boa mistura de Marx com Kelsen ou Kelsen com Marx?

    Pelo texto de Tarso, de um lado, tudo se resolve na política; já, de outro, o que for decidido, decidido está. Bem na linha do que diz o velho Kelsen! Interessante notar como Kelsen é lido como “um crítico” (erro cometido também por marxistas como Oscar Correas). Essa leitura enviesada faz com que muitos marxistas (e outros) leiam o decisionismo como algo “bom”, além de, em termos de Teoria do Direito, ser conveniente dizer que “qualquer resposta é uma resposta”. Afinal, a decisão judicial, para Kelsen, é um ato de vontade (de poder, acrescentaria eu). Como diz Kelsen, juiz faz política jurídica...! Bueno, se isso é bom, aguentem-se as consequências.

    Mas, o que o governador petista esqueceu?[1] Ora, sob o pano de fundo de mais de 200 anos de constitucionalismo — que podem ser hermeneuticamente reconstruídos como um processo de aprendizagem social e político de longo prazo — Tarso esqueceu o que é o Estado (Democrático) de Direito. A crise do Estado Social e o esgotamento de uma concepção positivista do direito nos ensinaram, à custa de muito sofrimento, que, se o Estado de Direito tiver “espaços normativos amplos para permitir-se, com legitimidade, tanto condenar sem provas como absolver com provas, nos seus Tribunais Superiores”, ele já não é mais Estado de Direito, é puro autoritarismo. Isso é elementar (a menos que, quem diga isso, não acredite na democracia). Isso porque o direito do Estado Democrático de Direito não é indiferente às razões para se absolver ou se condenar, pela singela razão de que devemos levar os direitos fundamentais a sério.

    Uma ordem jurídica que exige a fundamentação das decisões judiciais determina que essas sejam decisões coerentes normativamente com a história institucional e ao mesmo tempo adequadas aos elementos do caso concreto, sob pena de nulidade, assim atualizando, da perspectiva própria do exercício da jurisdição, os princípios de legitimidade democrática subjacentes à Constituição do Estado Democrático de Direito.

    Dizer que aos Tribunais Superiores seria permitido “espaços normativos amplos, tanto para condenar sem provas, quanto para absolver com provas”, é não levar, portanto, a sério o papel dos Tribunais num Estado Democrático de Direito, que é o de garantir direitos em face de ameaça ou de lesão. Imagine-se essa frase dita durante a ditadura militar... Como Tarso reagiria a uma frase dessas? Mais não precisa ser dito! De minha parte e de parcela considerável da comunidade jurídica, o Estado Democrático de Direito não é indiferente às razões para se absolver e para se condenar. Mas não é indiferente mesmo!

    A lei e a “magnífica” igualdade...
    Digo isso tudo para poder escrever sobre esse intrincado e delicado tema: “Pena privativa de liberdade é só para crimes violentos ou réus de crimes do colarinho branco também devem ser presos?” Só isso. E quero discutir isso “por princípio”, sem precisar levar em conta o “caso concreto”.

    Lido isso, continuo.

    O que Anatole France, poeta e escritor que viveu no século XIX, tem a ver com o mensalão e um recente editorial do jornal Folha de S.Paulo? Tudo... e nada. Anatole France, com sua ácida crítica, cunhou um “aforisma” genial: “A Lei, em sua magnifica “igualdade”, proíbe ao rico e ao pobre dormir debaixo de pontes, assim como mendigar pelas ruas e furtar pão”. A diferença é que, desde logo, sabemos quem não será jamais “pego pelas malhas dessa lei”. Por mais igualdade que exista na lei, alguns não serão apanhados... pela simples razão que a eles não se destina. Há outro dito castellano que ajuda a entender o problema: “Las leyes son como las telarañas: los insectos pequeños quedan atrapados en ellas, los grandes las rompen.

    Pois a Folha de S.Paulo acaba de dar uma prova de que não só Anatole France tinha razão como também Raymundo Faoro, quando dizia que, no Brasil, acima da luta de classes, existem os estamentos. Estes se autoprotegem. Pois o editorial da Folha “Prisão só para quem precisa” (ler aqui) é mais uma das clássicas “antecipações das elites” (curiosamente, uma questão bem weberiana, matriz teórica de Faoro). Com um olho no peixe e outro no gato, a Folha — pretensamente representando o “sentimento liberal terrae brasiliensis” — já vislumbra o futuro de alguns setores metidos na corrupção.

    Trata-se do “fator vai que”,...

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    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/como-assim-prisao-e-so-para-quem-precisa/124065610

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