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16 de Junho de 2024
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    Como (não) se ensinava processo penal antes da "lava jato". Eis o busílis!

    Publicado por Consultor Jurídico
    há 9 anos

    Alexandre Morais da Rosa (ler aqui) pergunta como é possível ensinar Direito Processual penal depois da operação "lava jato". A resposta é difícil. Ela exigiria a escrita de um livro e não de uma coluna. O segredo da resposta está na crise da dogmática jurídica, da qual falarei mais adiante.

    Dos anos 80 para ca ocorreu uma transição não muito bem feita. A falta de democracia originou uma espécie de aposta no protagonismo do Judiciário em face da estrutura autoritária da legislação e do Estado. Por isso floresceu, em determinado período, um espaço que foi ocupado por teses acionalistas, como o realismo jurídico, o direito alternativo, o direito achado na rua, a velha investigação cientifica, etc. No regime autoritário, era necessária aposta em posturas acionalistas. Entretanto, quando foi implantada a democracia e promulgada, logo depois, a Constituição, a dogmática jurídica não se reciclou. Ali começa o problema.

    A crise de paradigma de dupla face: minha antropofagia
    Para mim, o busílis da questão que está na raiz da pergunta de Alexandre Morais da Rosa reside lá longe. E sobre ela escrevi muito. Já antes de 1988 fazíamos congressos e, junto com José Eduardo Faria, denunciávamos aquilo que hoje bate forte na dogmática. Faria dizia que se avizinhava uma crise de paradigma com a nova Constituição. Segundo ele, o direito estava preparado para lidar com conflitos interindividuais e não “aguentaria o tranco” quando se defrontasse com os conflitos transindividuais.

    Bingo. Ousadamente, peguei a tese de Faria e fiz uma antropofagia, que já está em textos bem antigos. Chamei a essa crise de uma crise paradigmática com dupla face. A face um (lado A) era a da estrutura do direito, que, preparada para pegar ladrões de galinha (e criticava a cultura manualesca cujos exemplos eram sobre Caio, Ticio e Mévio), não estava preparada para enfrentar os casos que tratavam de bens jurídicos transindividuais (vejam: as garantias são para todos; na época denunciava que estas só eram aplicadas em favor de determinados segmentos — eu queria isonomia para a patuleia, por assim dizer).

    Mas havia um problema a mais. A crise só se sustentava porque havia um lado B, que chamei de crise do paradigma aristotélico-tomista e da filosofia da consciência (e teses voluntaristas em geral) porque, de um lado ainda a dogmática estava sustentada em posturas objetivistas (verdade real, por exemplo e o mito do dado das posturas exegetistas) e, de outro, paradoxalmente, quando interessa (va) — ideológica e politicamente — lança (va) mão do extremo subjetivismo, dando o sentido que quer (ia) às leis e aos fenômenos envolucrados nos tipos penais e nas garantias processuais.

    A crise de dupla face escondeu, por exemplo, o solipsismo judicial, que, por sua vez, esconde o paradoxo representado pela dupla face (o mix entre objetivismo e subjetivismo). E continua escondendo a relevante circunstância de que a dogmática jurídico-processual penal produziu doutrina durante todos esses anos apostando no protagonismo dos juízes. Continuou a apostar na livre apreciação da prova. Mais: colocou um verniz — que agora desbotou — com a ficção do “livre convencimento motivado” (ou livre apreciação motivada). É de uma ingenuidade de dar dó a crença generalizada da comunidade jurídica na bondade das analises judiciais. O juiz é bom? Para quem? Depende do lado que você está. Ou eu tenho um direito, ou eu não tenho — se eu tenho, o Poder Público tem o dever de reconhecê-lo. Não importa minha posição social. É assim que funciona em arranjos democráticos. E isso não pode depender da opinião que eu e você temos a respeito disso.

    Observemos um sintoma: quando a procuradora Ela de Castilhos escreveu sua tese de doutorado nos anos 90, mostrou que menos de 10% dos casos de crimes de colarinho branco era objeto de condenação em Pindorama. Por que hoje isso mudou? Por uma razão simples: naquele momento os órgãos repressivos-investigativos eram competentes para lidar com os crimes ligados à interindividualidade (o lado A da crise). Sempre foi mais fácil provar coisas quando o réu era pobre e os crimes daqueles-cometidos-por-pobres. No momento em que, dos anos 2000 para ca, houve um aprimoramento da Policia Federal e do Ministério Público, começou a mudar o cenário. No andar de baixo a coisa continuou como estava; o que começou a mudar foi a relação com o andar de cima.

    Só a dogmática não se reciclou
    Mas, o que não mudou? Só não mudou o imaginário dos juristas. No processo penal, continuou-se a escrever, grosso modo, as mesmas coisas. Poucas foram as analises criticas, no sentido paradigmático da palavra (não me refiro aos discursos panfletários). E tem sido quase zero a preocupação com a filosofia no processo, isto é, a discussão das condições de possibilidade de o judiciário apreender o fenômeno e... decidir. Não nos preocupamos com a decisão. Por incrível que pareça — e isso parece risível — somos tão atrasados que até mesmo o projeto do novo Código de Processo Penal (que tramita a passos de cágado no Parlamento) insiste na tese da livre apreciação da prova.

    Ora, deveríamos ter iniciado no dia 5 de outubro de 1988 uma filtragem nos Códigos. Mais, fundamentalmente, deveríamos ter feito uma filtragem nas posturas dos juristas. A CF/88 mudou o alvo. Lamentavelmente, pouquíssimo se alterou na dogmática processual-penal. Até hoje tem gente que escreve sobre processo penal ainda defendendo o sistema inquisitivo. Foi muito lenta a apropriação do novo. Lembro a batalha que travei, em conjunto com a 5ª Câmara do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, para implementar a tese do interrogatório como meio de defesa. Fiz inúmeros pareceres sustentando a nulidade de interrogatórios que não traziam a presença do advogado. De forma pioneira, a 5ª Câmara anulou centenas de processos. O Ministério Públicorecorria contra meus próprios pareceres. E o Superior Tribunal de Justiça anulava as anulações, sob o argumento de que o CPP não exigia a presença de advogado. Lembro que, em 2004, quando veio a Lei 10.792/2003, escrevi: os juristas não acreditaram até agora na CF que prevê a ampla defesa; mas agora acreditam na nova Lei. Aleluia. Não era dramático?

    Há marcos rupturais?
    Alexandre Morais da Rosa diz que a "lava jato" é um marco. Eu diria que a “coisa” começou um pouco antes, na Ação Penal 470. Escrevi várias colunas na ConJur mostrando que a maior derrotada na AP 470 foi, exatamente, a dogmática jurídica. Seus elementos centrais foram destroçados do mesmo modo que o escrete canarinho o foi pela seleção alemã na Copa passada. Quando viram, estava 5x0. E assim foi com a AP 470. Aquilo que a dogmática pregava e ensinava a vida toda foi liquidada paradoxalmente pelo mesmo esquema tático que a sustentou: a livre apreciação da prova e a busca da verdade real (que tem em seu ponto de estofo o velho inquisitivismo e, portanto, as respostas teleológicas). Sim. Há décadas que os livros de processo penal ensina (ra) m aquilo que foi utilizado como arma contra os próprios ensinadores e utentes em geral. É duro, mas foi o que ocorreu.

    De fato, é nesses hard cases da vida (real) que os juízes revelam suas convicções pessoais sobre o direito, não esquecendo que também houve uma profunda renovação nos quadros da magistratura e do Ministério Público. A questão é saber se o direito coincide com as convicções pessoais dos juízes (e dos promotores). Entendem o que quero dizer? O que apareceu, tanto na AP 470 como na "lava jato" (e isso se estende ao restante do direito)? Simples. Apareceu aquilo que venho denunciando há muito tempo: A visão pessoal do judiciário acerca do problema e seus efeitos colaterais em uma sociedade fragmentada. Ou seja, indagou-se ao judiciário o que o direito tem a dizer sobre esses fenômenos e ele respondeu o-que-cada-membro-do-judiciário-pensa-sobre-tudo-isso. Claro que ele já fazia isso desde sempre. Só que, agora, pegou ...

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