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7 de Maio de 2024
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    Concurso público: seleção de conhecimento ou seleção social?

    Publicado por Enviadas Por Leitores
    há 13 anos
    Por Antonio Ricardo Moreira*

    Há alguns dias, sentado numa mesa com amigos, tomando um café e conversando sobre concursos públicos, um deles vez a seguinte pergunta: será que a forma com que estão sendo realizados os concursos hoje em dia realmente seleciona os melhores?

    Várias foram as respostas, e eu só ouvindo, quando um deles pede minha opinião sobre a inquietante pergunta. Sem pestanejar respondi: NÃO. A explicação que dei naquele dia, tentarei reproduzir nas próximas linhas.

    Inicialmente é importante destacar que o objetivo maior a ser alcançado com o uso do concurso público é propiciar a implementação do principio da isonomia, dando igualdade de condições para todos os candidatos.Há alguns dias, sentado numa mesa com amigos, tomando um café e conversando sobre concursos públicos, um deles vez a seguinte pergunta: será que a forma com que estão sendo realizados os concursos hoje em dia realmente seleciona os melhores?

    Várias foram as respostas, e eu só ouvindo, quando um deles pede minha opinião sobre a inquietante pergunta. Sem pestanejar respondi: NÃO. A explicação que dei naquele dia, tentarei reproduzir nas próximas linhas.

    Inicialmente é importante destacar que o objetivo maior a ser alcançado com o uso do concurso público é propiciar a implementação do principio da isonomia, dando igualdade de condições para todos os candidatos.

    Esta tão almejada igualdade, proclamada na Constituição Federal e reverberada nos vários ramos do direito, deve ser encarada e compreendida, basicamente sob dois pontos de vista distintos, quais sejam: o da igualdade formal e o da igualdade material[1].

    Antes de adentrarmos aos aspecto formal e material do princípio da igualdade, importante esclarecer que este princípio sempre esteve presente em todas as Constituições brasileiras, o que não significa, entretanto, que sempre tenha havido respeito e acatamento a ele, mesmo em se tratando, simplesmente, de seu sentido formal. Isto pode ser notado na primeira fase do constitucionalismo brasileiro, onde, na Constituição do império tal princípio coexistiu, por exemplo, com a escravidão.

    Na atual Carta Política, o princípio da igualdade, tem sua primeira aparição em seu Preâmbulo[2] como princípio determinante da elaboração que a seguir é posta como sistema normativo fundamental. Logo em seguida aparece no artigo da Constituição Federal [3].

    Diante dessas breves considerações, sacamos que a igualdade formal é aquela positivada na Constituição Federal, e que, portanto, possuí força normativa. Por meio dela, fica estabelecido, no art. da Constituição, por exemplo, que todos os cidadãos brasileiros, homens e mulheres, negros e brancos, são iguais perante à lei. Contudo, esta igualdade formal não garante que todos os brasileiros tenham as mesmas oportunidades, as mesmas condições de vida, de participação social, e, especificamente, não garante que todos os candidatos tenham as mesmas condições em um concurso público.

    O que de fato percebe-se é a repetição do velho e perverso sistema usado nos vestibulares, agora com requintes de crueldade, sendo usado nos concurso públicos. Para exemplificar, imaginemos dois candidatos.

    O primeiro candidato estudou em escolas públicas, e por não ter condições de ingressar numa universidade pública, teve que se matricular numa universidade particular; não tendo ninguém para pagar seus estudos, teve que trabalhar e estudar ao mesmo tempo, portanto, seu rendimento universitário não foi dos melhores; após longos anos se formou a duras penas; decide se inscrever num concurso público; só que ele continua precisando trabalhar para se auto sustentar e sustentar sua família, e por isso trabalha 8 horas diárias e gasta mais 2 horas com transporte público, pois ele não tem carro; não tendo condições de se matricular num cursinho especializado, decide estudar em casa, no pouco tempo vago que lhe resta, após o extenuante dia de trabalho; também não tem condições de comprar todos os livros indicados no edital, por isso compra apenas aquela apostila vendida em bancas de revistas.

    O segundo candidato estudou em escolas particulares a vida toda, e por isso ingressou numa universidade pública; não tendo que trabalhar, pois os pais lhe sustentam, se dedicou integralmente em seus estudos, tendo um rendimento universitário notável; após longos anos se formou com louvor; decide se inscrever num concurso público; como ele continua não precisando trabalhar para se auto sustentar, tem o tempo todo a disposição para os estudos; se matricula num cursinho especializado, em dois ou três períodos, e estuda 10, 12 até 14 horas por dia, pois não tem nenhuma outra obrigação na vida a não ser estudar; compra todos os livros indicados no edital, por isso já vai para a prova com o pensamento dos examinadores que elaboraram a prova.

    Diante dessas duas descrições “hipotéticas”, surge a seguinte pergunta: Qual dos dois candidatos terá melhores condições de passar na prova? Creio não ser necessário tanto esforço mental para concluir que será o segundo candidato.

    A resposta dada acima encontra justificativa na atual forma de elaboração das provas. É que a forma usada para elaborar as provas de concurso hoje em dia, privilegia quem tem mais tempo para decorar as inúmeras leis, obras doutrinárias, jurisprudências, etc. Bom é quem decora tudo. E é claro, para se decorar tudo é necessário muito mais tempo dedicado à memorização.

    Os concursos tem demonstrado ao longo dos anos que são, em sua maioria, péssimas formas de avaliar o conhecimento teórico e prático de uma pessoa. Em última análise, servem apenas para saber quem tem uma boa memória ou não. Alguém que saiba de cor a Constituição Federal e as principais Leis é uma pessoa inteligente? Para muitos educadores modernos, o máximo que se pode dizer desse indivíduo é que ele possui uma boa memória. Mas não significa, necessariamente, que ele tenha conhecimento. O decorar é uma atitude passiva, não exige que o indivíduo pense sobre o que lê, apenas exige que o conteúdo seja reproduzido. Não há construção de conhecimento no velho “decoreba”, há apenas reprodução de conhecimento memorizado.

    É preciso ir além, e preciso mudar as regras na formulação das provas de concursos, afim de alcançarmos o mínimo necessário de igualdade entre os candidatos, não apenas a igualdade formal, mas a igualdade material. Não se pode tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade.

    RUI BARBOSA, em sua Oração aos moços , discurso proferido na Faculdade de Direito de São Paulo, como paraninfo dos bacharelandos de 1920, lido pelo Dr. Reinaldo Porchat, na solenidade de 29 de março de 1921, deixou esta célebre lição:


    A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. O mais são desvarios da inveja, do orgulho, ou da loucura. Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real. Os apetites humanos conceberam inverter a norma universal da criação, pretendendo, não dar a cada um, na razão do que vale, mas atribuir o mesmo a todos, como se todos se equivalessem. Esta blasfêmia contra a razão e a fé, contra a civilização e a humanidade, é a filosofia da miséria proclamada em nome dos direitos do trabalho; e, executada, não faria senão inaugurar, em vez da supremacia do trabalho, a organização da miséria. Mas, se a sociedade não pode igualar os que a natureza criou desiguais, cada um, nos limites da sua energia moral, pode reagir sobre as desigualdades nativas, pela educação, atividade e perseverança. (apud HELVESLEY, José. Revista Esmafe: Escola de Magistratura Federal da 5ª Região, n. 7, ago. 2004)


    Enquanto a igualdade material não é alcançada no momento da elaboração das provas de concursos, tentando igualar os desiguais, pelo menos, é preciso que os educadores e todos os envolvidos nestes processos seletivos, iniciem um debate para identificar quais as melhores técnicas e métodos de se aferir o verdadeiro conhecimento dos candidatos e não simplesmente a quantidade de conteúdo memorizado.

    Por fim, diante dessas considerações, forçoso concluir que a dessimetria de classes está sendo perpetuada, de forma quase imperceptível, através de ações sorrateiras, dissimuladas, sem alarde. Os cargos que oferecem os melhores salários são sempre ocupados pelas classes A e B, alargando ainda mais o abismo social existente entre pobres e ricos neste país de miseráveis.



    Notas:

    [1]Não é pretensão deste texto aprofundar no tema da igualdade formal e material, portanto, faremos apenas breves indicações do significado de cada terminologia.

    [2]Preâmbulo da Constituição Federal de 1988: “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL”

    [3]Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes.
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