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17 de Junho de 2024
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    Congresso Nacional analisará duas propostas distintas

    O Senado Federal aprovou nesta terça-feira, 14 de julho, o projeto de lei 333/2015, prevendo alterações no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Dentre as mudanças, destaca-se o aumento, para até 10 anos, do período de internação de jovens, nas hipóteses de crimes hediondos, cometidos mediante violência ou grave ameaça, para cumprimento em regime especial de atendimento socioeducativo.

    A proposta de alteração do ECA, aprovada pelo Senado, ocorre em meio à polêmica da votação na Câmara dos Deputados da proposta de emenda constitucional que pretende reduzir de 18 para 16 anos a maioridade penal em relação a determinados crimes, para a inclusão de jovens no sistema prisional.

    O Ministério Público do Paraná, cumprindo seu dever constitucional de defesa da ordem jurídica, já se manifestou absolutamente contrário à proposta de redução da idade penal em trâmite na Câmara dos Deputados (acesse a íntegra da matéria), manifestando, inclusive, grande preocupação com a manobra regimental levada a efeito na Câmara Federal para a aprovação, em primeiro turno, da referida proposta de emenda constitucional (confira a íntegra da publicação).

    Em relação ao projeto de lei aprovado no Senado, o Ministério Público do Paraná ressalta que, embora a proposta tenha o mérito de trazer a discussão para o âmbito que lhe é próprio, ou seja, o Estatuto da Criança e do Adolescente, faz-se necessário, porém, o indispensável aprofundamento das discussões em torno de tal proposta legislativa, de modo a evitar que, na prática, adolescentes acabem recebendo tratamento mais severo do que o destinado a adultos, o que é constitucionalmente vedado.

    Feita tal ponderação, e encontrando-se ainda em trâmite na Câmara Federal a proposta de “redução seletiva” da idade penal, para votação em segundo turno, o MP-PR destaca que o momento é oportuno para rechaçá-la definitivamente, em face de sua manifesta incoerência e inconstitucionalidade, prosseguindo-se as discussões no âmbito da proposta apresentada pelo Senado e na esfera do próprio ECA.

    Conheça, logo abaixo, os motivos pelos quais estudiosos traduzem a “maioridade seletiva”, em trâmite na Câmara Federal, como verdadeira aberração jurídica – sem precedente em qualquer país do mundo – ferindo a ordem constitucional.

    Incoerência da “maioridade seletiva” – A proposta de emenda constitucional aprovada em primeiro turno pela Câmara dos Deputados e que pretende reduzir em determinados crimes a idade penal para 16 anos é totalmente incoerente. Com efeito, o adolescente não pode ser considerado maduro para alguns crimes e imaturo para outros. O critério para a definição da capacidade deve ser claro, definido e objetivo. Neste sentido, a Constituição Federal entende que o desenvolvimento da personalidade perfaz-se a partir dos 18 anos de idade. Ou seja, até essa faixa etária, a Constituição considera que o indivíduo está em formação. Trata-se, portanto, de cláusula pétrea, imodificável, inserindo-se no rol dos direitos e garantias individuais previstas na Carta Magna.

    “Não é possível segmentar a imputabilidade penal, no aspecto da maturidade, pelo tipo penal ou por grupos de crimes”, ressalta nota técnica expedida pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), que acrescenta: “Ou a mente é madura e hígida para compreensão e autodeterminação por valores, ou não é”.

    Segundo a mesma nota, cuja elaboração teve a participação do procurador de Justiça Olympio de Sá Sotto Maior Neto, coordenador do Caop de Direitos Humanos do MP-PR, e do promotor de Justiça Fabio André Guaragni, também do MP-PR, quando se afirma que um sujeito tem maturidade e sanidade para compreender normas e segui-las (imputabilidade), isso não passa pela análise da norma em particular. Seja uma, seja outra, a mente está estruturada para internalizá-la. No entendimento da Conamp, se o Direito considera alguém maduro para compreender o valor de que os patrimônios devem ser respeitados e preservados e que este alguém é capaz de se autodeterminar por esse valor, é porque reconhece naquela mesma mente amadurecimento para compreender todos os demais valores, como a preservação da honra, da vida ou da administração pública.

    Maduro-imaturo –
    O texto da Associação Nacional do Ministério Público cita ainda exemplos que demonstram o quanto a proposta (que sugere a redução seletiva da idade penal em casos de crimes hediondos, homicídio doloso e lesão corporal seguida de morte) é desconectada com a realidade, quando cria um adolescente de maturidades múltiplas. Segundo a nota, a emenda afirma que toda pessoa com mais de 16 anos pode compreender que é errado alterar produto destinado a fim terapêutico (crime hediondo previsto no art. 10, VII-B, Lei 8072/90), sendo, portanto, madura para internalizar a violência à saúde pública aí embutida. Porém, quando dá um soco no rosto de alguém, esse mesmo adolescente não é maduro para internalizar o valor da saúde alheia.

    Deste modo, conforme a proposta em discussão na Câmara, se o adolescente der um soco em uma senhora no ponto de ônibus, levando sua bolsa (roubo simples), é mentalmente imaturo para compreender a norma que cristaliza a preservação do patrimônio alheio. Porém, se estiver acompanhado de outra pessoa, sua personalidade torna-se, “num toque de mágica”, madura para entender o mesmo valor de proteção penal. “Estamos prestes a conhecer uma nova concepção de ser humano: o maduro-imaturo. O homem que é simultaneamente o que não é”, ironiza o texto da Conamp.

    Constrangimento internacional – O procurador de Justiça Rodrigo Regnier Chemim, por sua vez, critica o fato de a emenda levar em consideração o rol de crimes hediondos, que segundo ele não segue qualquer coerência na seleção dos delitos. Para ele, o rol dos crimes catalogados como hediondos no Brasil é bastante duvidoso quanto à técnica legislativa – não há um critério lógico que explique por que determinado crime é hediondo e outro não é.

    “Além disso, o que faz com que o adolescente de 16 anos entenda melhor os crimes hediondos do que outros que não estão nesse rol? Para outros comportamentos tão graves quanto esses ele não teria essa capacidade de compreensão?”, questiona o procurador. Ele ressalta que não há diferença entre entender o valor negativo de um roubo armado sem que a vítima morra e de um latrocínio (roubo seguido de morte) e que a Lei dos Crimes Hediondos não lhe parece ser um critério para afirmar que alguém é imputável ou inimputável. “Essa proposta em tramitação no Congresso pode se tornar motivo de chacota internacional”, enfatiza.

    Desclassificação de delitos – Chemim aponta ainda a impunidade como uma das consequências da redução seletiva da idade penal, que não considera o que acontece no cotidiano dos processos. Ele explica que a denúncia (o início do processo) apresenta um cenário que ainda não é definitivo e o crime cometido pode, de repente, deixar de ser hediondo.

    “Não raras vezes, denuncia-se o sujeito por tentativa de homicídio doloso e posteriormente as provas demonstram que se trata de um crime de lesão corporal consumado. Nesse caso, o delito deixa de ser um crime hediondo, que permitia a punição para o adolescente entre 16 e 18 anos, e o jovem deixa de ser adulto”, exemplifica.

    Quando se chegar a essa conclusão, aquele jovem que tinha 16 anos de idade na época da denúncia poderá ter mais de 21 anos, devido à morosidade da Justiça no Brasil, e vai se tornar um sujeito impune: “Ele não poderá mais responder pela legislação de adulto, já que o crime não é catalogado como capaz de levá-lo à responsabilização como adulto, e não vai poder mais responder pela Infância e Juventude, já que tem mais de 21 anos”, explica.

    Impunidade –
    Com relação ao sistema penitenciário, Chemin questiona: “Se a Justiça Criminal já não dá conta da demanda atual, como vai dar conta dos adolescentes de 16 a 18 anos com a mesma estrutura precária?” Ele afirma que é ilusão supor que o Estado vai melhorar a estrutura da polícia, do Ministério Público, do Judiciário e do Sistema de Execução da Pena e destaca que a impunidade só irá aumentar.

    Isso porque, se aprovada a proposta, estará definida na Constituição Federal a obrigatoriedade de haver lugar específico para os adolescentes de 16 a 18 anos. Porém, esses espaços não serão criados porque o histórico do Estado brasileiro nessas questões programáticas é deixar de cumpri-las ou postergar o cumprimento para além do razoável, criando lacunas estruturais perenes. Basta ver que a Lei de Execucoes Penais é de 1984 e a Lei dos Crimes Hediondos é de 1990. Ambas determinavam que a União construísse estabelecimentos penais diversos (casas de albergado, penitenciárias de segurança máxima para presos de alta periculosidade). As casas de albergado até hoje não existem em vários locais (há apenas 64 em todo o país). Quanto aos estabelecimentos de segurança máxima, só existem quatro, sendo que o primeiro foi construído em 2006, em Catanduvas. “Ou seja: o Estado levou 22 anos para dar cumprimento parcial à lei. E atualmente ainda não existe estabelecimento para cumprir pena em regime semiaberto em número suficiente, o que faz com que o preso adulto condenado a mais de oito anos em vários Estados, inclusive no Paraná, inicie o cumprimento da pena em regime fechado e, passado 1/6 (ou 2/5, se hediondo) da pena, não vá para o regime semiaberto, porque não existe estrutura. Então, ele vai direto para o regime aberto, ou seja, vá para casa.”

    O mesmo vai acontecer com os adolescentes, já que não serão construídos espaços específicos para abrigá-los. “A Justiça não poderá manter esses adolescentes presos, pois caracterizaria constrangimento ilegal por deficiência do Estado”, comenta. Ainda de acordo com Chemim, cada vez que o legislador altera uma legislação processual penal recrudescendo a resposta do Estado, ele deveria, obrigatoriamente, proporcionar o orçamento correspondente. “Isso é típico do legislador brasileiro: altera a lei, mas não altera o orçamento.”

    Sistema caótico – Segundo levantamento realizado pelo procurador de Justiça, a partir de dados da Secretaria de Estado da Segurança Pública e Administração Penitenciária, nos últimos cinco anos, registrou-se, no Paraná, uma média de 80 mil notícias de fato por ano relacionadas a crimes de estupro, roubo, roubo de veículo, tráfico de drogas e homicídio doloso. Mantida a mesma proporção, em oito anos a soma chegaria a 640 mil casos, o que representa quase a totalidade da população carcerária brasileira.

    Ao apresentar esses números, o procurador de Justiça mostra que, se todos esses casos fossem encaminhados para a Justiça e responsabilizados – a maioria não é investigada por falta de estrutura –, a situação dos presídios estaria muito mais caótica. “Imagine agora se somássemos a esses números os atos infracionais praticados por adolescentes. Como essa estrutura vai atender uma demanda ampliada por uma massa de pessoas que até então não eram atendidas?”, questiona. “A solução do problema passa muito mais pela educação, porque é ilusão achar que o Direito Penal vai dar conta disso”, conclui.

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    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/congresso-nacional-analisara-duas-propostas-distintas/209923326

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