Considerações sobre a tradição jurídica do common law (parte 2)
Dr. Bonham era um médico, graduado pela Universidade de Cambridge, que, em 30 de abril de 1606, foi notificado pelo Royal College of Physicians, em Londres, para lá comparecer e responder à acusação de praticar a medicina sem que tivesse a devida licença ou autorização para tanto, ocasião em que foi multado em razão da prática irregular. Não obstante a multa, ele continuou a exercer a medicina na cidade de Londres. Em resposta ao descumprimento de sua ordem proibitiva, o Royal College of Physicians determinou a sua prisão.
Em ambos as penas aplicadas, a de multa e a de prisão, o Royal College of Physicians agiu com poderes que lhe foram delegados pelo Rei, e que foram expressamente confirmados pelo Parlamento. Essa delegação Real era expressa, também, no sentido de restringir a prática da medicina em Londres aos profissionais que possuíssem a devida autorização do College.
O Dr. Bonham não obtivera a sua licença e recusava-se a obtê-la. Alegava que um médico graduado por uma das mais antigas universidades do país prescindia da autorização de um conselho privado para exercer sua profissão. Dessa forma, sustentou a invalidade das ações adotadas pelo Royal College of Physicians e alegou ser vítima de uma prisão abusiva. Seu caso chegou, então, à Court of Common Pleas, cujo Presidente era o Sir Edward Coke. A Corte julgou de forma favorável ao pedido de Dr. Bonham, com base em uma série de argumentos, mas um deles tornou-se célebre e objeto de intensa disputa acadêmica e política.
O decreto real, confirmado por um statute (lei) do Parlamento, era claro ao prescrever que ninguém deveria ser autorizado a praticar a medicina em Londres sem prévia aprovação do Royal College of Physicians e que a pena a ser aplicada seria o pagamento de uma multa no valor de 100 (cem) shillings por cada mês de prática irregular da profissão (essa era a primeira cláusula da lei); a segunda dispunha que o College teria poderes disciplinares e de supervisão sobre todos os profissionais médicos que atuassem na cidade de Londres.
Na longa decisão, Coke apresenta cinco argumentos principais, não sem antes deixar claro que toda lei deve ser interpretada conforme a intenção do legislador. O primeiro argumento explicita que a primeira e a segunda cláusulas da lei são distintas (por óbvio) e paralelas, no sentido de que a pena prevista na primeira não é imprescindível e que o encarceramento não é a pena própria a ser imposta à conduta de um médico não licenciado; o segundo argumento decorria do primeiro e expunha que se alguém causasse dano físico a outrem deveria ser apenado fisicamente, mas se não o fizesse, não lhe deveria ser aplicada pena que incidisse sobre seu corpo (como a restrição à liberdade), isto é, se o médico não licenciado praticasse a medicina em Londres sem causar dano a nenhum paciente, não deveria ser punido com a prisão.
O terceiro argumento afirmava a distinção entre as duas primeiras cláusulas da lei examinada, pois a primeira especificava um intervalo de tempo (um mês) de exercício irregular da medicina para que a multa pudesse vir a ser aplicada, ao passo que a segunda cláusula não fixava qualquer intervalo fixo de tempo; o quarto argumento fazia referência ao que muitos afirmavam ser um princípio do common law. Nele, Coke dispunha que, uma vez que o Royal College of Physicians recebia as verbas referentes à metade do valor das multas que aplicava, ao College não pod...
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