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19 de Maio de 2024
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    "Constituição de Weimar gerou direitos sociais, mas também ditaduras"

    Publicado por Consultor Jurídico
    há 5 anos

    No entanto, Ingo Sarlet e Arnaldo Godoy, professores e colunistas da ConJur, recomendam cautela na análise histórica do texto. Por um lado, dizem, se a Constituição de Weimar "previu direitos sociais, não os garantiu, pelo menos não ao nível de uma efetividade decorrente da afirmação da supremacia da constituição".

    A despeito de seus méritos, ela também continha a previsão de dissolução do Legislativo pelo chefe do Executivo, dispositivo que, embora tenha sido usado inicialmente para garantir a manutenção da democracia, possibilitou, mais tarde, a consolidação de Adolf Hitler no poder e viabilizou a ditadura nazista.

    Leia a entrevista:

    ConJur — Por que a Constituição de Weimar foi pioneira na consolidação dos direitos fundamentais?
    Sarlet e Godoy — Essa questão também exige alguma reflexão, alguma ponderação e algumas objeções. Em matéria de direitos fundamentais, por exemplo, o catálogo de direitos da Constituição Alemã de 1849, a assim chamada Constituição da Igreja de São Paulo (a Paulskirchen Verfassung), que não teve vigência efetiva, contava com um vigoroso e mesmo em parte inovador elenco de direitos, que inclusive já na época seriam designados de fundamentais. Note-se, contudo, que enquanto o texto da Constituição de 1849 (projetada para uma Alemanha unificada), tenha sido aprovado e promulgado em março daquele ano, o seu Catálogo de Direitos Fundamentais já havia sido aprovado pela Assembleia Nacional em 27/12/1948 e foi incorporado integralmente mais adiante ao texto constitucional. Além disso, o Catálogo de 1848/49 – como documento autônomo – seguiu em vigor até 1850, tendo tido alguma aplicação.

    Importa sublinhar que diferentemente do que veio a ocorrer com a Constituição de Weimar, os direitos fundamentais da Constituição de São Paulo, de acordo com o texto constitucional, eficácia vinculativa e, ademais disso, previu-se uma espécie de reclamação constitucional para assegurar a sua efetividade pela via jurisdicional.

    Todavia, tratava-se de um documento de época, carregado de disposições avançadas e ousadas, inexequíveis no momento em que foram concebidas, resultado das agitações da assim chamada primavera dos povos, em especial influenciada pelo processo revolucionário na França que derrubou – por algum tempo – a Monarquia e onde uma nova constituição de matriz liberal foi promulgada em 1848. Ainda que vazio de soluções para os grandes problemas da classe trabalhadora, o Parlamento de Frankfurt avançou no que pode: com algum atrevimento, pretendeu fazer da realidade uma utopia possível. Se há algum pioneirismo, alguma justiça histórica deve ser prestada à Constituição de 1849.

    A Constituição de Weimar é pioneira, desse modo, por conta do fato de que efetivamente contou com – embora sempre sob influxo de intensas agitações e instabilidade - vigência e eficácia, a par de ser recorrentemente lembrada e seu texto ter efetivamente influenciado, em maior ou medida, uma série de outras constituições de seu tempo e mesmo mais adiante. Há um pioneirismo fático, resultado direto da situação alemã vivida ao fim da primeira guerra mundial. Representava um compromisso possível, aceito por uma corrente liberal que rejeitava um imediato enfrentamento com as forças de esquerda, que ainda protagonizam o espectro que rondava a Europa, exatamente como Marx havia descrito já em meados do século XIX.

    Veja-se que a República de Weimar foi proclamada no dia da abdicação do Imperador Guilherme II, em meio ao processo de radicalização que marcou a assim chamada Revolução Alemã de 1918-19, mas que se prolongou no tempo pelo menos até 1923. Quanto aos direitos fundamentais, o texto da Carta Imperial de Weimar praticamente contemplou o catálogo da Constituição da Igreja de São Paulo, aduzindo, contudo, um conjunto de deveres fundamentais e de direitos sociais, no que propriamente, nessa matéria, lhe é de atribuir sim um elevado nível de pioneirismo e inovação.

    ConJur — Qual foi a influência da Constituição de Weimar na consolidação dos direitos sociais?
    Sarlet e Godoy — Muito embora sua inegável influência também na seara da positivação de direitos sociais, não se deve hipertrofiar a relevância da Constituição de Weimar, visto não ser a única carta constitucional da época a contemplar tais direitos, mesmo que a maioria dos documentos constitucionais do período entre as duas Grandes Guerras que vieram a prever normas de justiça social e direitos sociais tenham sido posteriores.

    A título de contraponto, a Constituição Russa – a Constituição Soviética – de 10/07/1918, Bolchevista, que continha uma seção chamada de Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado, não enunciava propriamente um catálogo de direitos fundamentais, mas previa um conjunto de princípios e metas, como a erradicação da exploração do homem pelo homem, coletivização da propriedade, instalação de uma República Socialista Soviética, entre outros.

    A Constituição de Weimar não se revela como um fato normativo isolado. É mais um documento político entre tantos outros que se construíram no contexto político europeu do fim da primeira guerra mundial. Há um autor russo, Mirkine-Guetzévitch, muito conhecido pelos publicistas brasileiros do início da década de 1930, que estudou e analisou as constituições que foram construídas ao fim do primeiro grande conflito, e que nos acena com o fato de que Weimar não se revelava como uma circunstância isolada. Além do que, Mirkine-Guetzévitch insistia que o núcleo de Weimar, e das demais constituições do pós-primeira guerra, consistia menos no tema dos direitos fundamentais e sociais, e muito mais na concepção de uma racionalização do poder, o que, contudo, apenas em parte pode ser considerado como proeminente para o caso da Constituição de Weimar.

    Isso pelo fato de que, embora Hugo Preuss, o Secretário de Estado a quem o primeiro Presidente da República, Friedrich Ebert, socialdemocrata, havia incumbido de elaborar um anteprojeto de constituição, tinha excluído um catálogo de direitos do texto na sua primeira versão, voltado essencialmente ao problema da estruturação e organização do estado e do poder, o que acabou, todavia, sendo alterado nas etapas seguintes.

    Várias das então novas constituições (entre elas as da Grécia, da Áustria, da Letônia, da Lituânia, da Tchecoslováquia), anunciavam uma nova agenda política: federalismo, controle de constitucionalidade, proteção de minorias nacionais, processo constitucional de declaração de guerra, entre tantos outros assuntos, que não compunham, ainda, a narrativa constitucional do século XIX.

    A República e a Constituição de Weimar traduziu o prestígio da doutrina alemã e dos autores que discutiram os arranjos políticos e institucionais que construiriam um amálgama entre o rancor que decorria das imposições do Tratado de Versalhes e as expectativas de um mundo em paz. A Constituição de 11.08.19, representou também uma fórmula política e cultural de enfrentamento da “Alleinschuld”, a teoria da culpa exclusiva, segunda a qual os alemães teriam sido os grandes responsáveis pelo conflito de 1914-1918.

    Tendo a República sido quase que simultaneamente proclamada pelo Secretário de Estado socialdemocrata Scheidemann, e Karl Liebknecht (este apenas duas horas depois), líder do braço radical da extrema esquerda, que se havia separado da maioria socialdemocrata, o que se percebe é que a formação de uma maioria pelos socialdemocratas e liberai...



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