Constituição e Poder: Herbert Hart, a precisão do Direito e a linguagem
Na sequência do julgamento da primeira parte do assim chamado mensalão, que tem mobilizado a opinião pública e, especialmente, a imprensa nacional, presenciamos a ressurreição de uma antiga crítica habitualmente dirigida à forma com que os juristas conhecem e aplicam o Direito, que, para resumir, acaba consistindo na reivindicação de maior simplicidade na linguagem empregada por juristas e ministros do Supremo, considerada excessivamente hermética e pretensiosa e mesmo empolada pelos não iniciados.
Na crítica, como sabem todos aqueles que acompanham a avalanche de especialistas (não-juristas) que têm dedicado a sua inteligência a nos esclarecer sobre o que acontece no famoso julgamento, afirma-se com insistência que o Supremo e os advogados que participam do caso deveriam falar (e isso durante o próprio julgamento) uma linguagem mais acessível ao público, ou seja, segundo esses qualificados interlocutores, os ministros do STF e os juristas ali envolvidos deveriam expressar-se com a linguagem do povo, a linguagem do cidadão comum, ou, numa versão mais política, a língua das ruas.
Como toda proposta populista, também essa (de conversão e de aproximação da linguagem técnica do jurista à linguagem do homem comum) é sem dúvida sedutora, tanto que tem conquistado até mesmo alguns juristas, e, por isso mesmo, é preciso muito cuidado com uma resposta. Além disso, como por trás da crítica há mais do que a intenção de ajudar os juristas na sua capacidade de comunicação, o cuidado há de ser redobrado. Vejamos.
Em primeiro lugar, visando evitar qualquer mal entendido, aceito como correta a crítica no que ela possa se dirigir a uma espécie de comunicação já fora de moda, às vezes corroída por latinismos e afetações desnecessárias, em que todos nós, juristas, vez por outra, escorregamos. Abro, então, um parêntesis para acentuar minha mais absoluta concordância com a sempre lúcida lição de meu amigo e professor Luís Roberto Barroso, em seu elegante e profundo texto (como tudo o que faz Barroso) intitulado Direito e Paixão, quando nos adverte de que devemos ter o desprezo essencial pela erudição exibicionista, pelo hermetismo vazio. A codificação desnecessária ou indevida da linguagem é um instrumento de poder. É uma forma de excluir a maioria, de negar-lhe acesso ao conhecimento e à informação. Mas, antes que alguém indevidamente se entusiasme em demasia, o mesmo excepcional jurista logo adiante acrescenta: É bem verdade que, a despeito da simplicidade que deve ser buscada, o Direito é uma ciência. Uma ciência é feita de princípios, conceitos e terminologia próprios. Jamais minimizem a importância de empregar as palavras adequadas para identificar as ideias que se quer expressar. Chamar coisas distintas pelo mesmo nome, ou coisas iguais por nomes diversos, inviabiliza a produção e transmissão do conhecimento. Não se esqueçam que é a palavra, a linguagem, a capacidade de comunicação verbal e escrita que distinguem o homem dos outros animais e o fazem instrumento da civilização[1].
Muito bem, acentuada mais uma vez a advertência de Barroso, permito-me agora o meu próprio itinerário.
Os limites da minha linguagem significam os limites do meu mundo, assim Ludwig Wittgenstein encerrava na sua mais conhecida e reverenciada obra, o Tractatus Lógico-Philosophicus, o famoso aforismo 5.6[2]. No Direito, seguramente essa é uma verdade incontornável: a linguagem é tudo. No seu belo livro, intitulado precisamente Teoria Jurídica, Bernd Rüthers é categórico: Não existe Direito fora da linguagem.Todas as normas jurídicas são formuladas em locuções como locuções jurídicas.O Direito só pode ser criado e produzido na linguagem e apenas através da linguagem é compartilhado, explicado e desenvolvi...
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