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16 de Junho de 2024
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    Corte Constitucional Argentina descriminaliza a posse de droga para uso pessoal (PARTE III)

    há 15 anos

    LUIZ FLÁVIO GOMES (www.blogdolfg.com.br) Doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri, Mestre em Direito Penal pela USP e Diretor-Presidente da Rede de Ensino LFG. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001).

    Como citar este artigo: GOMES, Luiz Flávio. Corte Constitucional Argentina descriminaliza a posse de droga para uso pessoal (PARTE III). Disponível em http://www.lfg.com.br - 07 de setembro de 2009.

    Como sublinhávamos anteriormente (Parte II), foi no direito internacional (sobretudo) que a Corte Suprema argentina, no dia 25.08.09, no Caso Arriola e outros, foi buscar inspiração para chegar à conclusão de que devia declarar a invalidade (inconstitucionalidade) do art. 14, 2º, da Lei 23.737/1989, que punia a posse de droga para uso pessoal.

    Quando se compara o conjunto normativo interno com o internacional, nota-se que os tratados internacionais de direitos humanos podem: (a) só ratificar a proteção dos direitos e garantias já previstos na Constituição e leis internas; (b) ampliar os direitos e garantias já previstos na ordem interna ou descrevê-los com maior precisão e, em alguns casos, (c) até contemplar novas proclamações (não previstas na ordem interna). Quando o direito internacional (apenas) ratifica o direito interno, cabe ao juiz aplicar o direito interno com o reforço da previsão internacional. Quando o direito internacional amplia ou inova o ordenamento jurídico interno, cabe ao juiz aplicar esse direito internacional, em toda sua extensão possível. Quando o direito internacional, por fim, restringe ou diminui o exercício de um direito ou de uma garantia, prepondera (claro) o direito interno (tudo isso por força do princípio pro homine, ou seja, aplica-se sempre a norma mais favorável ao exercício do direito ou da garantia). No que diz respeito ao conflito entre a tutela dos bens jurídicos individuais (liberdade, patrimônio etc.) e a imperiosa necessidade de proteção dos bens jurídicos coletivos impõe-se encontrar a justa equação. Os bens jurídicos coletivos não justificam toda espécie de intervenção na liberdade humana. Eles também existem para a tutela do ser humano. As convenções e a jurisprudência internacionais vêm procurando demarcar os valores que permitem estabelecer limitações ao exercício dos direitos individuais para preservar outros bens, chamados de coletivos (tais como: bem comum, ordem pública, utilidade pública, saúde pública etc.) (cf. art. 22 inc. 31, do Pacto de San José de Costa Rica; artigos 12 inc. 3º, 14, 19 inc. 31 b, 21 y 22 inc. 2 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos; artigo 29 inc. 21 da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

    Não se pode esquecer, de outro lado, com bem sublinhou a Corte Suprema argentina, que os tratados internacionais de direitos humanos também estabelecem uma proteção mínima por debaixo da qual se gera uma responsabilidade internacional do país.

    O Estado, de outra parte, não pode invocar os direitos e interesses coletivos de forma arbitrária para restringir ou eliminar direitos individuais. A Corte Interamericana de Direitos Humanos vem proclamando algumas claras pautas interpretativas para evitar o abuso (por parte do Estado). Em sua Opinião Consultiva 5/1986 (não se pode esquecer que a Corte tem funções jurisdicionais e também consultivas) ficou proclamado que es posible entender el bien común, dentro del contexto de la Convención, como un concepto referente a las condiciones de la vida social que permiten a los integrantes de la sociedad alcanzar el mayor grado de desarrollo personal y la mayor vigencia de los valores democráticos. En tal sentido, puede considerarse como un imperativo del bien común la organización de la vida social en forma que se fortalezca el funcionamiento de las instituciones democráticas y se preserve y promueva la plena realización de los derechos de la persona humana. Ponderou ainda: "No escapa a la Corte, sin embargo, la dificultad de precisar de modo unívoco los conceptos de 'orden público' y 'bien común', ni que ambos conceptos pueden ser usados tanto para afirmar los derechos de la persona frente al poder público, como para justificar limitaciones a esos derechos em nombre de los intereses colectivos. A este respecto debe subrayarse que de ninguna manera podrían invocarse el 'orden público' o el 'bien común' como medios para suprimir um derecho garantizado por la Convención o para desnaturalizarlo o privarlo de contenido real (ver el art. 29.a) de la Convención). Esos conceptos, en cuanto se invoquen como fundamento de limitaciones a los derechos humanos, deben ser objeto de una interpretación estrictamente ceñida a las 'justas exigencias' de 'una sociedad democrática' que tenga em cuenta el equilibrio entre los distintos intereses en juego y la necesidad de preservar el objeto y fin de la Convención" (parágrafos 66 y 67).

    Como bem destacou a Sentença da Corte argentina, parece evidente que as considerações que acabam de ser recordadas se ajustam muito mais ao caso "Bazterrica" (que constitui o precedente da descriminalização) que ao caso "Montalvo" (onde a Corte julgou válida a regra da incriminação da posse de droga para uso pessoal).

    Um outro fundamental argumento invocado na mesma Sentença diz respeito ao princípio pro homine, fundado no art. 5º do PIDCP assim como no art. 29 da CADH. Seu mais amplo significado é duplo: (a) diante de um conflito de normas, sempre deve preponderar a que mais amplia o exercício de um direito humano; (b) na tarefa hermenêutica (interpretativa) sempre deve preponderar o sentido (da norma) que mais favorece o exercício do direito humano (ou seja: o que resulta em menos restrição a tais direitos).

    Em outras palavras: Así cuando unas normas ofrezcan mayor protección, estas habrán de primar, de la misma manera que siempre habrá de preferirse en la interpretación la hermenêutica que resulte menos restrictiva para la aplicación del derecho fundamental comprometido (CIDH OC 5-85).

    Não há dúvida, concluiu a Sentença, que por força do princípio pro homine resulta mais compatível (com a ordem internacional) a interpretação dada no caso "Bazterrica" que no caso "Montalvo": o primeiro (em favor da descriminalização da posse de droga para uso pessoal) amplia a zona da liberdade, este último restringe esse direito de forma não razoável.

    CLIQUE AQUI PARA LER A PARTE II.

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