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16 de Junho de 2024
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    Defensor público realiza estágio voluntário na Suprema Corte do Alabama e na Defensoria Pública Federal Norte-Americana

    há 8 anos

    Durante três meses (de agosto a novembro de 2015) o defensor público Cirilo Augusto Vargas, assessor da Corregedoria-Geral da DPMG, acompanhou de perto o trabalho desenvolvido pela Suprema Corte e pela Defensoria Pública Federal do Estado do Alabama, nos Estados Unidos, em estágio voluntário realizado naquele país

    A ideia de realizar o estágio surgiu após contato com o ministro da Suprema Corte do Alabama, Tom Parker, intermediado pela Chefe de Gabinete da DPMG, Luciana Leão Lara, a quem o defensor público dedica agradecimentos pelo apoio. O próprio ministro da Suprema Corte apresentou o defensor mineiro à chefe da Defensoria Pública Federal do Alabama, Christine Freeman e, a partir destes dois contatos, Cirilo Vargas estagiou seis semanas em cada um dos respectivos órgãos.

    Durante este período, pôde conhecer a realidade destas instituições e o funcionamento do sistema jurídico americano. Cirilo Vargas já havia atuado em missão internacional no Timor-Leste, quando integrou a equipe brasileira, juntamente com o defensor público Marcelo Tônus de Melo Furtado de Mendonça, no Programa das Nações Unidas de Desenvolvimento do Sistema de Justiça daquele país do sudeste asiático.

    Sobre as realidades vivenciadas, Cirilo Vargas destacou que o importante é não rotular os institutos jurídicos estrangeiros como certos ou errados, eis que tal julgamento reflete sempre uma herança cultural do observador. “No direito comparado é preciso um olhar crítico, porém cauteloso, para apurar, nos mais diversos sistemas, o que é, ou não, aplicável à nossa realidade”.

    Abaixo, as observações do defensor público Cirilo Vargas, sobre a realidade do sistema criminal nos EUA e a atuação da Defensoria Pública naquele país.

    Quais foram as atividades realizadas durante os três meses em que você atuou na Suprema Corte do Alabama e na Defensoria Pública Federal?

    Cirilo Vargas: Na Suprema Corte exerci a função de “clerk”, um assessor para pesquisas jurídicas e redação de documentos internos do tribunal. Na Defensoria Federal, realizei pesquisas de jurisprudências para a redação de peças forenses e pesquisas externas, acompanhando investigadores da Defensoria, na busca de elementos de prova favoráveis aos assistidos.

    Quais foram os principais desafios desta empreitada?

    Cirilo Vargas: Em primeiro lugar, a distância e a falta da minha família, que não pôde me acompanhar. E ainda, a adaptação aos termos técnicos forenses na língua inglesa. Porém, vale ressaltar que a receptividade e a cortesia dos cidadãos americanos me surpreenderam de forma bastante positiva.

    Quais foram as suas observações em relação ao sistema criminal norte-americano?

    Cirilo Vargas: Em primeiro lugar, me pareceu que o sistema penal norte-americano tem um viés exclusivamente retributivo direcionado àquele que pratica a conduta desviante. Não há maior preocupação na ressocialização do preso e nem na aplicação de penas alternativas. Prova disso é que, dos 50 Estados norte-americanos, 31 ainda adotam a pena de morte e a prisão perpétua. E mais: no âmbito federal não há progressão de regime, retirando do condenado qualquer perspectiva de abreviar sua pena privativa de liberdade. Prevalece, a meu ver, verdadeira “cultura da prisão”, sendo os EUA o país com a maior população carcerária do mundo. São mais de 2, 2 milhões de pessoas presas, distribuídas em 4,5 mil estabelecimentos prisionais, que em grande parte são privatizados. Nos Estados Unidos o encarceramento se tornou uma atividade lucrativa.

    Como está prevista a assistência jurídica nos EUA?

    Cirilo Vargas: Diferentemente do Brasil, a Defensoria Pública não está prevista na Constituição como instituição permanente, autônoma e essencial à defesa dos cidadãos hipossuficientes e atua apenas na esfera criminal. A assistência jurídica acaba tornando-se fragmentada, eis que prestada por entidades públicas (Federal Public Defenders Organizations –FDO’s) e privadas (Community Defender Organizations – CDO’s), e por advogados designados caso a caso pelo tribunal, de maneira similar aos advogados dativos no Brasil. Em casos cíveis o serviço é prestado, na maioria dos casos, por entidades sem fins lucrativos, de natureza privada. Não vejo lá um panorama político ou normativo propício ao desenvolvimento e solidificação da defesa pública.

    Em sua opinião, quais são os fatores responsáveis pelo baixo desenvolvimento da assistência jurídica gratuita nos EUA?

    Cirilo Vargas: Em primeiro lugar, nos Estados Unidos a Defensoria Pública, o Ministério Público e a Advocacia não são considerados funções essenciais à Justiça. Lá qualquer pessoa possuiu capacidade postulatória para litigar em causa própria, seja no âmbito civil ou criminal. Logo, dentro desta sistemática, prevalece a ideia de que toda a população possui amplo acesso à justiça, independentemente de defesa técnica, seja ela pública ou privada.

    Em segundo lugar, percebi nos americanos, de forma predominante, baixa aceitação de políticas públicas de inclusão social. Há uma noção de que a presença do Estado é nociva, devendo ele não apenas se abster de intervir em questões econômicas, mas também de implementar direitos sociais.

    Consequentemente, a partir destes dois fatores mencionados, há baixo interesse político de investir na estruturação de uma instituição permanente de assistência jurídica gratuita, apesar de existir uma gigantesca demanda social. Cerca de 75% dos casos criminais envolvem acusados que não possuem condições financeiras de custear os serviços de um advogado.

    Quais são suas observações positivas acerca da Defensoria Pública nos EUA?

    Cirilo Vargas: Fiquei impressionado com a estrutura física da Defensoria Federal em Montgomery (capital do Alabama) e com a presença de profissionais altamente qualificados, com remuneração, na esfera federal, bastante respeitável para os padrões locais (85 a 100 mil dólares anuais).

    Há investigadores criminais (igualmente bem remunerados) atuando dentro da Defensoria Pública, em paralelo com os defensores. Eles são profissionais dotados de especializações diversas, incumbidos de rastrear elementos de prova favoráveis aos assistidos. A investigação criminal defensiva tornou-se atividade imprescindível, pois viabiliza a fiscalização do trabalho da polícia e do Ministério Público, durante todo o processo criminal. O papel destes investigadores é decisivo, por exemplo, na apuração de falhas periciais, na localização de testemunhas e na obtenção de documentos.

    Além disso, a Defensoria Pública mantém contato estreito com o Ministério Público ao longo do processo, viabilizando ampla discussão sobre os pontos da acusação, elementos de prova e sobre os acordos que levam à diminuição das penas aplicáveis e à redução drástica do tempo de tramitação processual. Interessante destacar que 97 % dos processos criminais são encerrados mediante acordos lavrados entre os acusados e o MP, com supervisão da Defensoria Pública (ou do advogado).

    Percebi, ainda, uma preocupação dos Defensores com a discussão periódica, entre eles e os investigadores, dos casos criminais mais importantes. Pelo menos uma vez por semana são selecionados os casos de maior complexidade para análise entre os colegas, com sugestão de teses e aprimoramento coletivo da defesa criminal. Existe a conjugação de esforços para desempenho de um serviço público de excelência.

    Outros dois aspectos positivos que merecem destaque: o papel da Defensoria Pública no treinamento dos advogados nomeados caso a caso pelo tribunal. Os “dativos” norte-americanos só atuam mediante controle de eficiência pelas entidades da Defensoria Pública Federal.

    Por último, é enorme a organização do sistema interno de recrutamento e monitoramento de estagiários, garantindo, de um lado, excelente retorno educacional para o interessado e, de outro, aproveitamento máximo do esforço intelectual do estudante na realização das finalidades da Defensoria.

    E as observações negativas?

    Cirilo Vargas: O ponto mais complicado diz respeito às oscilações do repasse de verbas públicas para o custeio da assistência jurídica. É dificílimo, para quem administra as entidades de defesa pública, planejar o desenvolvimento do serviço em um ambiente de total incerteza financeira.

    Outro detalhe importante: a atuação limitada da Defensoria à área criminal. Isso acontece porque se faz uma interpretação literal da 6ª Emenda à Constituição norte-americana, que não assegura o direto à defesa técnica em casos cíveis. Logo, o espectro de atuação das entidades de defesa pública é bem menor do que no Brasil, por exemplo. Consequentemente, há menor visibilidade do trabalho desempenhado e, infelizmente, gera-se a ideia equivocada de sua reduzida relevância social.

    Importante mencionar ainda que parece haver baixa autonomia administrativa e financeira da Defensoria, já que o funcionamento das entidades de assistência jurídica gratuita é custeado pelo Judiciário Federal. Essa realidade, ao que tudo indica, prejudica a atividade finalística, abrindo-se oportunidade para ingerência judiciária na administração da Defensoria, baseada na atuação dos defensores públicos perante os tribunais.

    Quais são suas considerações sobre o sistema jurídico americano, após o estágio de três meses na Suprema Corte do Alabama e na Defensoria Pública Federal?

    Cirilo Vargas: É de conhecimento amplo que os Estados Unidos atingiram um nível de desenvolvimento econômico e tecnológico sem paralelos. Então para mim soa paradoxal o fato de uma nação tão rica investir valores irrisórios na manutenção de um sistema de assistência jurídica gratuita, sequer institucionalizado e permanente, como o nosso.

    Tudo leva a crer que a ideia que se tem por lá de cidadania não envolve a participação política da parcela carente da sua população, mediante acesso efetivo à justiça. Simplesmente atribuir capacidade postulatória ao cidadão leigo não lhe confere um poder real de proteção jurídica. A defesa técnica, tanto no processo civil quanto criminal, é o elemento que viabiliza esta proteção.

    E mais: o enfoque puramente retributivo do sistema penal, baseado no encarceramento em larga escala, nada contribuiu para redução das taxas de criminalidade, segundo atestam pesquisas recentes. Muito menos o rigor da pena capital, da prisão perpétua e da ausência de progressão de regime no âmbito federal.

    O sentimento que fica é que o direito penal máximo, aliado ao descaso pela defesa técnica, coloca em xeque a idoneidade do devido processo legal norte-americano, além de expor um agravante de ordem cultural: a desconfiança (ou aversão) quase maciça à intervenção estatal redutora de desigualdades sociais.

    Estas não são impressões isoladas de um estrangeiro: durante minhas conversas com os colegas norte-americanos, percebi seu anseio de mudar urgentemente a realidade. E a experiência brasileira de Defensoria Pública permanente, autônoma e com atuação integral causou perplexidade, dado o seu grau de desenvolvimento.

    O trabalho com o direito comparado nos Estados Unidos e também em Timor-Leste me apresentou elementos positivos que merecem estudo e podem ser incorporados ao sistema brasileiro, mas deixou a sensação nítida de que os pobres são sempre os primeiros a se colocarem fora de qualquer processo político decisório mundo afora, por absoluta inércia do poder público.

    Leia, também, a entrevista com a diretora-executiva da Defensoria Pública Federal no Alabama, Christine Freeman, realizada pelo defensor público Cirilo Vargas. (clique aqui).

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