Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
20 de Maio de 2024
    Adicione tópicos

    Depois da juizite, o aprendizado

    Publicado por Espaço Vital
    há 5 anos

    É tarde outonal em uma comarca gaúcha. Um jovem advogado, carteira da OAB fresquinha, terno simples, gravata sem grife, tem seu primeiro cliente cível. É um professor que estudara em Paris e nunca havia entrado em um fórum – fosse na França, ou em alguma cidade do Rio Grande.

    Algumas ovelhas de sua fazendola haviam sido devoradas pelos cachorros do vizinho – daí o porquê da ação indenizatória. A prova é razoável. Há fotos das carcaças e de alguns buracos na cerca e a certeza de que os cães do fazendeiro se banqueteavam, à noite, com os indefesos ovinos.

    A solenidade é a audiência de instrução. O autor senta-se à frente do magistrado, para depoimento pessoal.

    Talvez surpreso pelo inusitado da situação, o professor cruza as pernas. Sua camisa - sem marca, mas limpíssima e bem passada - está com os dois primeiros botões abertos, mostrando uma pequena medalha pendendo da correntinha de ouro. Pela fenda, percebe-se alguns pelos esbranquiçados no peito do homem sessentão.

    O juiz escorrega no elementar, ao ordenar em tom impositivo de extrema juizite:

    - Descruze as pernas e feche sua camisa! O senhor está em um fórum na presença de um juiz.

    Antes que o advogado intervenha – e nem se sabe se o faria mesmo, porque é pouco experiente - o professor surpreende:

    - Eu sei que senhor é o juiz. E eu sou professor e cidadão brasileiro. Vim aqui buscar a prestação jurisdicional do Estado. Fui lesado. Tenho argumentos, provas e um advogado. No que as minhas pernas e a minha camisa têm a ver com isso?”...

    O juiz queda-se silente e é notório o seu constrangimento. O depoimento inicia. O magistrado está econômico nas perguntas. Ouvem-se também testemunhas. Uma hora depois, a audiência termina.

    O presidente da Subseção local da OAB, informado pela “rádio-corredor” sobre os fatos, comparece ao foro para cumprimentar o jovem advogado. Este, com regozijo, justifica ali mesmo:

    - Nesta audiência aprendi mais do que em cinco anos de faculdade graças ao meu professor, que doravante será a minha inspiração para todas as condutas profissionais.

    O presidente da Ordem local questiona curioso:

    - O seu cliente é professor de Direito Processual, ou de Ética?

    O jovem advogado chama o professor que ficara distante no corredor, e esmera-se:

    - Apresento-lhe o professor Sérgio, doutor em antropologia. Em duas ou três frases ele ensinou a mim e também ao juiz que a antropologia é a ciência do homem no sentido mais amplo. Engloba origens, evolução, desenvolvimentos físico, material e cultural, fisiologia, psicologia, características raciais, crenças. E principalmente costumes sociais e educação.

    Já passa das seis da tarde, é momento de encerrar o expediente forense. O segurança aproxima-se e pede gentil:

    - Senhores, preciso fechar o prédio. E em nome do diretor do fórum, solicito-lhes a gentileza de abreviarem a interessante conversa.

    • Publicações23538
    • Seguidores516
    Detalhes da publicação
    • Tipo do documentoNotícia
    • Visualizações71
    De onde vêm as informações do Jusbrasil?
    Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/depois-da-juizite-o-aprendizado/702935376

    0 Comentários

    Faça um comentário construtivo para esse documento.

    Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)