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7 de Maio de 2024
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    Descolamento entre produtividade e salários tornou modelo insustentável

    há 15 anos

    CRISE: RUMOS E VERDADES

    A desvinculação entre o rendimento dos trabalhadores e a produtividade da economia é o problema fundamental do modelo econômico neoliberal, hegemônico no planeta desde o início da década de 1980, disse nesta segunda-feira (8) o economista norte-americano Thomas Palley. Ele participou do painel "Crise e Sistema Financeiro Mundial’ do seminário internacional"Crise - Rumos e Verdades", promovido pelo Governo do Paraná em Curitiba. Palley demonstrou que as remunerações - salários, aposentadorias e pensões dos trabalhadores - não cresceram no mesmo ritmo da produtividade econômica. Após 1980, as remunerações pararam de crescer, mas a produtividade cresceu quase três vezes.

    Palley aponta dois problemas causados pelo descolamento de produtividade e remuneração:"O primeiro é que aumenta a desigualdade de rendimentos, porque os salários são a fonte de renda da maioria das pessoas. O segundo é que você precisa emprestar e inflacionar o mercado financeiro para criar demanda. Isso cria um processo insustentável, cria fragilidade no sistema financeiro. E essa é a contradição do paradigma neoliberal, que está finalmente se mostrando."

    " Palley tem pós-doutorado em Economia pela Universidade e mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Yale (EUA). "O modelo neoliberal se canibalizou, se destruiu a partir de dentro e finalmente se exauriu. Se nunca foi capaz de produzir crescimento com igualdade, agora sequer é capaz de gerar crescimento, mesmo com desigualdade. Sabemos que o neoliberalismo é a causa da crise. Precisamos, portanto, de um novo paradigma" , disse.

    Segundo Palley, a estagnação dos salários é fruto do cerco neoliberal, que emparedou trabalhadores com a globalização da economia, o Estado mínimo, a extinção dos direitos trabalhistas e o fim das políticas de pleno emprego. "Por trás disso ainda há a combinação entre as grandes corporações e o mercado financeiro, no que chamo de financeirização. O que acontece é que mercados financeiros são capturados pelas corporações, e as corporações por sua vez passam a trabalhar em benefício do mercado financeiro, dos grandes administradores, que tocam as corporações de acordo com o que quer o mercado financeiro" , falou.

    O economista, que criou e lidera em Washington a organização não-governamental Economics for Democratic & Open Societies (Economia para Sociedades Livres e Democráticas), vê na crise três desafios imediatos aos governos de todo o mundo. "É preciso estancar a crise de liquidez e restaurar o crédito, fazer a economia e o emprego voltarem a crescer e promover crescimento com pleno emprego e distribuição de renda. Há alguma concordância sobre os dois primeiros itens, mas há muita discordância sobre o último. Trata-se, portanto, de um desafio político" , explicou Palley.

    "A boa notícia é que podemos ter atingido o momento de alterar a política econômica. A má notícia é que há grandes interesses políticos e econômicos - inclusive economistas profissionais - opostos a qualquer mudança", disse. Palley apresentou o que chama de um acordo global justo, que prevê crescimento econômico na demanda doméstica. "A chave é a restauração da conexão entre remunerações e produtividade. Se fizermos isso, cria-se um ciclo virtuoso, em que salários ascendentes levam ao pleno emprego, que leva a mais investimentos e ao crescimento da produção, que por sua vez permite o pagamento de melhores salários. Sabemos que isso funciona, pois foi experimentado entre 1945 e 75. Precisamos colocá-lo para funcionar novamente" , falou.

    "A crise é uma oportunidade de superarmos a ideologia neoliberal. Precisamos dizer, abertamente, que o os grandes economistas falharam completamente, pois não previram e não entenderam que o modelo que eles nos venderam era insustentável. Mas economistas progressistas previram tudo isso. Não se trata de um acidente, era algo previsível. É claro que eles tentarão obscurecer essa falha colossal, tentarão reescrever a história" , alertou Palley.

    "Milton Friedman, o padrinho do neoliberalismo, reconhecia o papel das crises para tais mudanças. Ele escreveu que ‘só uma crise, real ou percebida, produz mudança real. Quando tal crise ocorre, a ações a serem tomadas dependem das idéias e conceitos disponíveis’. Essa é a importância do evento desta semana" , afirmou.

    Leia os principais trechos da participação de Thomas Palley no seminário "Crise - Rumos e Verdades".

    O neoliberalismo: mais de 90 crises econômicas desde 1980

    "O mundo se converteu ao neoliberalismo por volta de 1980. Desde então, os principais fatos econômicos são crescimento menor na maioria dos países, aumento da concentração de renda e da desigualdade entre os países. Além disso, experimentamos uma tremenda proliferação de crises financeiras e dos sistemas bancários. Entre elas, as crises do México, da Ásia e da Argentina, Turquia, Uruguai, nos anos 1990, além das brasileiras, em 1998 e 2002. Mais de 90 países passaram por crises desde 1980 passaram por pelo menos uma crise econômica sistema. E não foram crises restritas ao Sul - na verdade, a França, na crise do franco do início dos anos 1980, levou (o então presidente François) Miterrand a implementar reformas neoliberais no país."

    "A crise atual, que tem origem nos EUA, é a mais severa que já enfrentamos. Ela é global. Países emergentes pensaram que poderiam passar bem por ela, mas a verdade é que, como eles baseiam seu crescimento na exportação para os grandes centros econômicos, quando os EUA e a Europa entram em colapso, eles entram junto. O modelo do neoliberalismo se canibalizou, se destruiu a partir de dentro, e finalmente se exauriu. Se nunca foi capaz de produzir crescimento com igualdade, agora sequer é capaz de gerar crescimento mesmo com desigualdade.

    O descolamento entre remuneração e produtividade

    "O problema fundamental do modelo neoliberal é o descolamento entre o crescimento da remuneração e da produtividade. Antes, os dois evoluíam em curvas próximas e mais ou menos semelhantes. A partir de 1980, nos EUA, a remuneração segue estável, com pouco ou nenhum crescimento, enquanto que a produtividade mais que dobra. De 1955 até o fim dos 1970, ambos cresciam iguais. Após 1980, a separação se dá. Esse é o problema fundamental, e acredito que ele se dá na Europa, na América Latina, e sei que é assim no México."

    "Quando a remuneração, os salários, pensões, aposentadorias, fica estagnada, temos dois problemas. O primeiro é que aumenta a desigualdade de rendimentos, porque os salários são a fonte de renda da maioria das pessoas. O segundo é que você precisa emprestar e inflacionar o mercado financeiro para criar demanda. Isso cria um processo insustentável, cria fragilidade no sistema financeiro. E essa é a contradição do paradigma neoliberal, que está finalmente se mostrando. É o que chamo de o Cerco das Políticas do Neoliberalismo."

    "Dentro do Cerco das Políticas do Neoliberalismo, estão os trabalhadores. No flanco esquerdo, está a globalização, que pressiona quem está no setor privado. No flanco direito, está o Estado mínimo, pós-privatização, que pressiona os trabalhadores do setor público. No topo, está o fim das políticas de pleno emprego, substituídas pela política das metas de inflação. Na base, está a flexibilização do mercado de trabalho, com enfraquecimento dos sindicatos, a extinção de direitos trabalhistas. Nenhum trabalhador, nenhum sindicato pode sair desse cerco; ele é muito forte. Não apenas eles, mas os governos também estão encaixotados, não podem perseguir metas progressistas, de desenvolvimento, por temor de afastar os investidores, de ver a fuga dos capitais."

    "Há ainda duas coisas que suportam O Cerco das Políticas do Neoliberalismo - mercados financeiros e as corporações. A combinação entre ambos cria um processo que chamamos que eu e outros economistas chamamos de financeirização. O que acontece é que mercados financeiros são capturados pelas corporações, e as corporações por sua vez passam a trabalhar em benefício do mercado financeiro, dos grandes administradores que tocam as corporações de acordo com o que quer o mercado financeiro. Então temos uma mudança no comportamento, no modo de agir pensar das corporações. A combinação deles cria interesses políticos e econômicos muito poderosos."

    A alternativa: crescimento impulsionado pela demanda doméstica

    "O que proponho é um novo modelo de desenvolvimento econômico, que movimente a economia com ênfase num crescimento impulsionado pela demanda doméstica. A chave é a restauração da conexão entre remunerações e produtividade. Se fizermos isso, cria-se um ciclo virtuoso, em que salários ascendentes levam ao pleno emprego, que leva a mais investimentos e ao crescimento da produção, que por sua vez permite o pagamento de melhores salários. Acima de tudo, é preciso restaurar a conexão entre produtividade e remuneração. A economia é simples. Sabemos que isso funciona, pois foi experimentado entre 1945 e 75. Precisamos colocá-lo para funcionar novamente."

    "Em vez de encaixotar os trabalhadores, esse novo modelo prevê um cerco de políticas keynesianas, que encaixote as corporações e o mercado financeiro. Eles serão emparedados por uma globalização com regras, regras harmônicas, em vez de impostas de cima para baixo, controle de capitais, novos governos trabalhistas e social-democratas, que garantam que o dinheiro público seja gasto em benefício da população, com sistema de saúde, educação de alta qualidade, infra-estrutura moderna. Precisamos restaurar o pleno emprego como uma prioridade da política econômica. Precisamos do que chamo de mercado de trabalho solidário, que garanta remunerações justas que cresçam com a produtividade. Precisamos também de uma agenda corporativa, pois as corporações devem abrir espaço também para mais gente que seus acionistas, devem também considerar seus trabalhadores, seus sindicatos. É claro, precisamos também de uma reforma no sistema financeiro, com regulação, limites na especulação, transparência no fluxo de capitais. A lista é enorme."

    Os desafios aos governos

    "A boa notícia é que podemos ter atingido o momento de alterar a política econômica. A má notícia é que há grandes interesses políticos e econômicos - inclusive economistas profissionais - opostos a qualquer mudança. Os governos do mundo estão diante de três desafios - estancar a sangria no sistema financeiro, a crise de liquidez que destrói os mercados, e restaurar os fluxos de crédito; fazer a economia e o emprego voltarem a crescer; e promover crescimento com pleno emprego e distribuição de renda. Esse é o desafio mais importante. Precisamos ter certeza de que as remunerações cresçam com a produção, de modo a reduzir a desigualdade. Há alguma concordância nos dois primeiros itens, mas há muita discordância com o último. Trata-se, portanto, de um desafio político."

    "Sabemos que o neoliberalismo é a causa da crise. Precisamos, portanto, de um novo paradigma. Esse novo paradigma inclui uma arquitetura financeira internacional que ajude os países, em vez de sufocá-los. Mas há uma armadilha política aqui. Se domarmos a crise, perdemos o momento de mudança, já que a percepção será de que ela não é mais necessária. Por outro lado, se pressionarmos por reformas agora, poderemos ser acusados de piorar a crise. É como se costuma dizer - não se deve tentar arrumar o barco durante a tempestade. Essas são duas formas de tentar prevenir mudanças. A tarefa política que se apresenta é contorná-las."

    Os desafios políticos

    "A crise é uma oportunidade de superarmos a ideologia neoliberal. Mas há obstáculos. Precisamos dizer, abertamente, que o os grandes economistas falharam completamente, pois não previram e não entenderam que o modelo que eles nos venderam era insustentável. Mas economistas previram tudo isso. Não se trata de um acidente, era previsível. É claro que eles tentarão obscurecer essa falha colossal, tentarão reescrever a história. Temos que abrir espaço para as previsões dos economistas que acertaram, que anunciaram a crise."

    "Para isso, temos de enfrentar um dilema político. Pois, mesmo com a crise, o neoliberalismo ainda tem defensores no sistema político, à direita, entre os neoliberais, e no centro entre os social-democratas do que se chamou de terceira via, que defendem que a mão invisível do estado seja ajudada por uma mão amiga do estado, que proporcione um pouco de bem-estar social. Não acredito que eles estejam à altura da mudança de rumos que agora se faz necessária."

    "Os trabalhistas social-democratas reconhecem que o neoliberalismo ruiu, e querem substituí-lo por um novo paradigma. Isso nos cria um problema político. Se você é um social-democrata trabalhista, o que você faz? Permanece alinhado à terceira via, numa versão soft do neoliberalismo. Outra possibilidade é romper, mas aí abre espaço para uma vitória dos grupos neoliberais. Para mim, é preciso recapturar a liderança social-democrata internacional com o estabelecimento de um novo consenso econômico internacional, que se apóie em instituições fortes e em regras econômicas keynesianas."

    "A crise é uma oportunidade para superarmos a desastrosa experiência neoliberal. Temos o diagnóstico e o conhecimento, sabemos o que precisa ser feito. Agora, a missão é levá-las aos líderes políticos, e deles ao povo."

    O seminário e a janela de oportunidade

    "Quero cumprimentar o governador Roberto Requião pela visão e pela iniciativa de montar esse seminário. Muitos governantes vêem que a crise é séria, mas só apresentam para enfrentá-las as receitas usuais. Requião e os organizadores do seminário perceberam que atravessamos uma época única, que requer reformas estruturais. Reformas que apenas tentam remendar o sistema não irão funcionar."

    "Vivemos a mais séria crise econômica desde 1930. Ela é mais uma evidência da falência do paradigma neoliberal. O sistema econômico global precisa de um novo paradigma, que chamo de Acordo Global Justo. Por isso, essa crise é uma janela de oportunidade, para mudar o modo de pensar a economia e de estabelecer políticas econômicas. A grande depressão e a Segunda Guerra Mundial foram plataformas de lançamento para a revolução keynesiana. Nos anos 1970, os neoliberais aproveitaram o choque do petróleo para lançar uma contra-revolução contra o keynesianismo. Agora, surge a oportunidade para uma contra-revolução contra o neoliberalismo. O padrinho do neoliberalismo, Milton Friedman, reconhecia o papel das crises para tais mudanças. Ele escreveu que ‘só uma crise, real ou percebida, produz mudança real. Quando tal crise ocorre, a ações a serem tomadas dependem das idéias e conceitos disponíveis’. Essa é a importância do evento desta semana."

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