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20 de Maio de 2024
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    Do Código de Hamurabi ao patriarcado de Adão, juridicamente as mulheres seguem “valendo” menos

    Publicado por Justificando
    há 6 anos

    Imagem: Tamar e Judá (Bíblia Sagrada, Velho testamento, Gênesis 38:16). Obra de Aert de Gelder, 1667. Fonte: Wikipédia.

    O presente artigo era pra ser simples, ser redigido em poucas palavras e demonstrar que John Locke foi um dos grandes pensadores (talvez o primeiro) a questionar e contestar o patriarcado < machista > que, pelo pensamento Tradicional do Ocidente, nasceu com Adão que foi criado diretamente pelo Criador (Deus).

    Jonh Locke, em seu tempo, vai se envolver numa verdadeira treta com um dos pensadores mais lidos de sua época, Robert Filmer, que escreveu a obra Patriarcha onde, em resumo, propaga que Adão foi o primeiro Rei, e que todo o poder lhe foi concedido por seu criador.

    Portanto, de acordo com Filmer, teria ele a capacidade soberana de exercer o mais absoluto domínio sobre os seus dominados, podendo inclusive decidir pela vida ou pela morte de quem quer que fosse.

    Na obra Dois Tratados Sobre o Governo [1], vemos um Locke ácido, com “sangue nos olhos” e partindo pra cima de um Robert Filmer defensor dos pensamentos mais antigos da tradição ocidental.

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    Filmer vem afirmar que todo governo é uma monarquia absoluta e que nenhum homem nasce livre.

    Em palavras simples, essas ideias de Robert Filmer sintetizam seu pensamento de que todo governo é uma monarquia absoluta porque os monarcas se originam de Adão, e possuem o poder absoluto sobre todas as outras pessoas, relegadas ao status de servos e, justamente, por todos os demais serem servos, é que nenhum homem nasce livre.

    Ocorre que esta ideia básica do Patriarcado vai fomentar a total submissão da mulher no percorrer de todos os séculos de nossa história.

    Além do Poder regio (de ser monarca por nascimento) ainda foi concebido aos futuros descendentes – homens – de Adão o pátrio poder, exercendo o poder absoluto sobre seus filhos e esposa na mesma proporção de poder que o Monarca possui em relação aos seus servos e súditos.

    O defensor dessas ideias (Filmer) sofreu uma resistência tão contundente – de Jonh Locke – que foi relegado ao esquecimento, enquanto o seu contestador entraria para os anais da história como o pai do liberalismo.

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    As coisas hoje em dia não estão muito diferentes, tanto é que apenas em 2006 o Brasil editou uma lei de proteção à violência familiar contra as mulheres, e tal lei só se concretizou em virtude de determinação de uma condenação internacional.

    Portanto, foi por respeito a um tratado internacional que as mulheres no Brasil passaram a contar com a proteção prevista na Lei Maria da Penha.

    Na história da filosofia grega, numa das obras que retratam o julgamento e a morte de Sócrates, há uma passagem ao final onde Sócrates repreende seus seguidores que estavam chorando, acusando-os de estarem agindo como as mulheres;

    Tal pensamento – “socrático” – repercute nas entranhas de nosso dia a dia, nos inferninhos do vulgar pensamento do senso comum, onde habita o raciocínio mínimo.

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    A Bíblia – chamada de sagrada pelos seus adoradores – revela-se um verdadeiro festival de aversão às mulheres. Tanto no Antigo Testamento como no Novo é possível encontrar passagens muito semelhantes, o que demonstra que aqueles Cristãos pós-Jesus-Cristo buscavam a alteração no sistema religioso mas sem alterar a submissão da mulher do antigo testamento.

    Alguns exemplos de clara submissão e humilhação às mulheres no Antigo Testamento;

    E à mulher disse: Multiplicarei grandemente a tua dor, e a tua conceição; com dor darás à luz filhos; e o teu desejo será para o teu marido, e ele te dominará. (Gênesis 3:16)

    não tomarão mulher prostituta ou desonrada, nem tomarão mulher repudiada de seu marido; pois santo é a seu Deus (Levítico 21:7).

    e ele tomará por esposa uma mulher na sua virgindade.Viúva, ou repudiada ou desonrada ou prostituta, estas não tomará; mas virgem do seu povo tomará por mulher (Levítico 21:13,14).

    Não cobiçarás a mulher do teu próximo (Deuteronômio 5:21).

    Quando um homem tomar uma mulher e se casar com ela, então será que, se não achar graça em seus olhos, por nela encontrar coisa indecente, far-lhe-á uma carta de repúdio, e lha dará na sua mão, e a despedirá da sua casa (Deuteronômio 24:1).

    É melhor a maldade do homem do que a bondade da mulher: a mulher cobre de vergonha e chega a expor ao insulto (Eclesiastes 42:14).

    E como o assunto salário está tão em alta no atual momento, encontramos em Levítico 27;4-7 que a mulher já possuía a sua “valorização” em relação ao homem reduzida de 30% a 50%:

    Se for a tua avaliação de um homem, da idade de vinte anos até a idade de sessenta, será a tua avaliação de cinqüenta siclos de prata, segundo o siclo do santuário. Porém, se for mulher, a tua avaliação será de trinta siclos. E, se for de cinco anos até vinte, a tua avaliação de um homem será vinte siclos e da mulher dez siclos. E, se for de um mês até cinco anos, a tua avaliação de um homem será de cinco siclos de prata, e a tua avaliação pela mulher será de três siclos de prata. E, se for de sessenta anos e acima, pelo homem a tua avaliação será de quinze siclos e pela mulher dez siclos (Levítico 27:3-7).

    E o Novo Testamento em algumas passagens vai na mesma linha:

    Mulheres, sede submissas aos vossos maridos, como convém no Senhor (Colossenses 3:18).

    Que as mulheres fiquem caladas nas assembleias, como se faz em todas as igrejas dos cristãos, pois não lhes é permitido tomar a palavra. Devem ficar submissas, como diz também a lei. Se desejam instruir-se sobre algum ponto, perguntem aos maridos em casa (Coríntios 14:34-35).

    As mulheres têm de ser submissas aos vossos maridos (Pedro 3:1).

    Os maridos devem permitir que as suas mulheres, que são de um sexo mais frágil, possam orar (Pedro 3:7).

    A mulher aprenda em silêncio com toda a submissão. Pois não permito que a mulher ensine, nem tenha domínio sobre o homem, mas que esteja em silêncio. Porque primeiro foi formado Adão, depois Eva (Timóteo 2:11-13).

    Em tempo, importante frisar que o antigo testamento representou a legislação Cristã, e seus 5 primeiros livros (o Pentateuco) também são reconhecidos como a legislação dos Judeus, a chamada Torá.

    E mais, esses livros foram apreciados, também, pelos povos que viriam a seguir ao profeta Maomé, hoje chamados de Muçulmanos.

    Desta forma, se torna simples ver que a inferiorização das mulheres possui a mesma origem comum às três maiores religiões monoteístas – os Cristãos, os Judeus e os Muçulmanos – fruto de se dedicarem, em suas primeiras doutrinações, às leituras machistas-absolutistas do Antigo Testamento.

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    Mas não se pode “lançar à fogueira” a Bíblia “sagrada” como fosse o responsável pelo nascimento de toda a aversão aos seres humanos do sexo feminino, pois antes dele, a mulher já era tratada como um objeto, ou propriedade do homem.

    Antes da Bíblia, o Código de Hamurabi [3] também já posicionava a mulher como sendo um “bem” do homem, podendo até mesmo ser entregue como pagamento de dívida. E pode ter influenciado o antigo testamento sobre o ato do marido em repudiar a mulher e manda-la de volta à casa de seu pai; Conforme se lê no código:

    110º – Se uma irmã de Deus, que não habita com as crianças (mulher consagrada que não se pode casar) abre uma taberna ou entra em uma taberna para beber, esta mulher deverá ser queimada.

    117º – Se alguém tem um débito vencido e vende por dinheiro a mulher, o filho e a filha, ou lhe concedem descontar com trabalho o débito, aqueles deverão trabalhar três anos na casa do comprador ou do senhor, no quarto ano este deverá libertá-los.

    138º – Se alguém repudia a mulher que não lhe deu filhos, deverá dar-lhe a importância do presente nupcial e restituir-lhe o donativo que ela trouxe consigo da casa de seu pai e assim mandá-la embora.

    Mas também não foi o Código de Hamurabi o primeiro a tratar da mulher com desdém. Os escritos védicos, da antiga Índia milenar, dedicaram uma análise sobre a inteligência e pureza das mulheres, conforme transcrito no Bagavad Gita, capítulo I, verso 40;

    Os princípios da religião varnãsrama foram projetados de maneira que a boa população prevalescesse na sociedade para o progresso espiritual geral do Estado e da comunidade. Esta população depende da castidade e fidelidade de sua classe feminina. Assim como as crianças são muito propensas a serem desencaminhadas, as mulheres são similarmente muito propensas à degradação. Por isso, tanto as crianças como as mulheres precisam da proteção dos membros mais velhos da família. Ocupando-se em diversas práticas religiosas, as mulheres não se desencaminharão ao adultério. Segundo Cãnakya Pandita, as mulheres não são geralmente muito inteligentes e por isso não são dignas de confiança. Assim, as diferentes tradições familiares de atividades religiosas devem sempre deixá-las ocupadas, e dessa forma sua castidade e devoção darão nascimento a uma população boa, elegível para participar no sistema varsrama. Com o fracasso deste varnãsrama-dharma, naturalmente as mulheres ficam livres para agir e se misturar com os homens, e assim incorrem em adultério com o risco de população não desejada. Homens irresponsáveis também provocam adultério na sociedade, e desse modo crianças não desejadas inundam a raça humana com o risco de guerras e pestilência.

    O fato é que estamos no ano de 2018 e ao compararmos o tratamento dispensado às mulheres nos dias de hoje, veremos que não está muito distante daquele tratamento arcaico que há mais de dois mil anos vem atravessando os tempos.

    Nem vou entrar em maiores detalhes, pois os números estão aí. O debate sobre o tratamento desigual às mulheres é de domínio público e até mesmo tema de acaloradas discussões no atual momento político.

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    Outro fato a se analisar é a deturpação do pensamento liberal apresentada no desenvolvimento dos debates político-ideológicos, isto porque muitos dos atuais defensores do liberalismo não o defendem para os costumes a para as tradições e acabam “tentando” seguir ao mesmo tempo, Jonh Locke e Robert Filmes.

    A pergunta que se faz é a seguinte:

    Parece conspiratório e alarmista, mas, tal questionamento poderá ser decidido nas urnas, em outubro!

    Fernando Rodrigo Mroskowski é mestre em Criminologia pela Universidad de la Empresa – Uruguay e advogado criminalista.

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    [1] Dois Tratados Sobre o Governo/ Jonh Locke; tradução Julio Fischer; São Paulo; Martins Fonts, 1998.

    [2] http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cv000031.pdf p.58.

    [3] http://www.cpihts.com/PDF/C%C3%B3digo%20hamurabi.pdf – apresentação Cultura Brasileira.

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