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16 de Junho de 2024
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    Em defesa do Estado Democrático de Direito

    há 7 anos

    Desde a proclamação da República, a história brasileira tem sido marcada por rupturas democráticas.

    A cada crise que enfrentada pelo país, apresentaram-se as soluções mais fáceis e rápidas, com interrupção de governos, fechamento do Congresso Nacional e supressão da independência do Poder Judiciário.

    Na sequência, rompe o Estado com a cidadania, cerceando o direito de informação com censura à imprensa, eliminando liberdades de ir e vir, de manifestação e de reunião, impedindo o exercício do direito de defesa. Cerca-se o Poder de interessados em obter favores públicos sob a égide de interesses privados.

    O dirigismo centralizador do Estado autocrático consegue extrair resultados econômicos imediatos, que funcionavam como manto para encobrir os efeitos maléficos da perda dos valores democráticos.

    O custo dessas sucessivas rupturas e de acordos para sustentação de governos sem base popular é pago por gerações e seu resultado, tétrico: instituições frágeis, sociedade com baixo nível de cultura política, partidos sem identidade ideológica, ausência de lideranças comprometidas com as demandas publicas, privilégios de toda ordem para ocupantes de cargos públicos, contas públicas devastadas e uma economia moldada por políticas desafinadas com as metas de competitividade e eficácia necessárias ao desenvolvimento auto-sustentado da Nação.

    Estamos, mais uma vez, vivendo uma profunda crise, modelada por componentes de cunho econômico, fatores de ordem e social e, acima de tudo, de intensa ausência de valores éticos. Denúncias constantes e continuadas de corrupção, representantes afastados da sociedade, incapacidade da classe política em compreender as expectativas sociais, oferta de privilégios a alguns setores e grupos, incompatíveis com os princípios do regime republicano, péssima qualidade de serviços públicos essenciais, como saúde, segurança, educação e justiça, vácuo da autoridade dando lugar ao poder da criminalidade, cujos requintes de crueldade e violência são chocantes – essa é a moldura desse ciclo de crise.

    E mais uma vez, como tantas ocorridas no passado, emergem discursos assustadores invocando soluções de força.

    Políticos, usando o palanque demagógico, investem na alternativa do ódio, atacando garantias e direitos fundamentais, como se elas, e não o Estado, fossem os responsáveis pelas mazelas que vivemos.

    Surgem propostas de lei que, a título de combater a criminalidade, atacam direitos do cidadão, propondo, por exemplo, o aproveitamento de provas obtidas por meio ilícito, restrições do habeas-corpus e prisão preventiva para o investigado não acessar contas para financiar sua defesa. Um atentado ao bom senso.

    Decisões judiciais, inclusive da Suprema Corte, passam a relativizar garantias constitucionais, como o direito à ampla defesa e aos recursos a ela inerentes, o uso do devido processo legal e da própria presunção de inocência, permitindo prisão para cumprimento de pena que sequer foi definida pela própria Justiça.

    E assim as contrafações e absurdos se sucedem. Semana passada, um general do Exército, do alto de sua graduação e responsabilidade, afirmou em um evento que as Forças Armadas estão dispostas a se intervir caso as instituições não apresentarem solução à atual crise.

    Estamos próximos de completar 29 anos da promulgação da Constituição de 1988, a chamada Constituição Cidadã, que marcou a passagem do regime autoritário para o regime democrático, sob o qual estamos, o maior período da história republicana de nosso país.

    Urge constatar que jamais um brasileiro nasceu e viveu um tempo bem razoável de vida, sob os ares da democracia.

    A fragilidade de nossas instituições, é oportuno lembrar, não resulta do sistema democrático, mas dos estados autoritários que vivenciamos no passado.

    A baixa qualidade de nossos políticos não deriva da democracia, mas dos tempos ditatoriais, que deixaram seqüelas nos nossos costumes, padrões e formas e operar a política.

    Nossa economia ainda exibe seqüelas dos tempos do dirigismo econômico, quando setores eram contemplados pelos governos.

    As denúncias de corrupção que assistimos, hoje, são fruto de uma imprensa livre, que pode hoje investigar e mostrar práticas odiosas de desvios de dinheiro público, como jamais pode fazer, em tempos de censura.

    Nossas lideranças infelizmente são velhas, estão no poder há décadas, muitos desde tempos anteriores à redemocratização do país. Ainda se inspiram pelo manual do patrimonialismo.

    E se dispomos de uma Justiça que não consegue superar morosidade que gera a impunidade propulsora da criminalidade, precisamos lembrar que sua norma estrutural, a Lei Orgânica da Magistratura, foi promulgada na década de 70, antes da redemocratização do país.

    Para superarmos o desalento geral atual, o caminho é o fortalecimento das liberdades. Permitir mais manifestações para ver surgir na sociedade novas lideranças, afastadas das práticas carcomidas do passado. Assegurar a liberdade de uma imprensa vigilante contra mazelas publicas. Garantir ao cidadão o exercício pleno de seu direito de defesa como base para efetivação da justiça.

    A democracia é um regime que só se aperfeiçoa com a seiva que a alimenta, a liberdade, os direitos, o respeito às instituições e à independência e harmonia entre os Poderes.

    Marcos da Costa
    Presidente da OAB SP

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