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6 de Maio de 2024
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    Em palestra na Escola Judicial, professor Fabio Petrucci, de Roma, compara as reformas trabalhistas brasileira e italiana nos aspectos relativos à rescisão do contrato de trabalho

    Por Luiz Manoel Guimarães

    Os brasileiros de origem italiana formam a maior população dos chamados oriundi fora da Itália. Os números divergem, mas há quem estime que cerca de 10% ou até 15% dos atuais 208 milhões de brasileiros trazem consigo alguma ascendência da terra de Colombo, Da Vinci, Michelangelo, Verdi, Caravaggio, Fellini e Galileu. E da pizza e da Ferrari.

    Não por acaso, portanto, as afinidades entre os dois países são grandes. Em especial no Sul e no Sudeste do Brasil, onde a maciça imigração italiana ocorrida nos séculos 19 e 20 se concentrou, a influência italiana é notória. Em São Paulo, capital, com bairros como o Brás, a Moóca e o Bixiga, o idioma de Dante chegou a ser, no final do século 19, mais falado do que o próprio português, como afirma o norte-americano especialista em América Latina Richard Morse (1922-2001), em seu clássico Formação histórica de São Paulo: de comunidade a metrópole (1970).

    As similaridades não raramente se estendem à esfera jurídica – o direito romano é a base de nosso direito –, e, atualmente, Brasil e Itália "ruminam" cada um sua respectiva reforma trabalhista – a brasileira completou nove meses de vigência no último sábado, 11; a italiana, alcunhada de Jobs Act, já comemorou seu terceiro aniversário em 7 de março passado.

    Para aprofundar o estudo comparado dessas duas alterações legislativas, a Escola Judicial (Ejud) do TRT-15 trouxe à sede da Corte, em Campinas, nesta segunda-feira, 13 de agosto, o professor e advogado Fabio Petrucci, da Universitá Sapienza de Roma. Doutor em direito do trabalho e da previdência social, ele falou sobre "As últimas reformas no direito do trabalho na Itália: extensão das tutelas ou precarização?". Formado por magistrados, servidores e estagiários do Regional, o público incluiu o desembargador aposentado Henrique Damiano, vice-presidente judicial da Corte na gestão 2012-2014 e vice administrativo no biênio seguinte.

    Retrocessos

    Na abertura das atividades, o diretor da Ejud, desembargador Manoel Carlos Toledo Filho, esclareceu que não só Brasil e Itália, mas também vários outros países passaram recentemente por uma reforma de característica trabalhista em sua legislação. "Sempre com caráter de retrocesso", afirmou o magistrado. "A única exceção foi a Costa Rica, cuja reforma tem uma natureza protetora."


    A juíza Eliana dos Santos Alves Nogueira, coordenadora do Juizado Especial da Infância e Adolescência (Jeia) de Franca e diretora do Fórum Trabalhista da cidade, também participou da abertura e adiantou que Petrucci analisaria sobretudo as alterações mais relevantes produzidas pelas duas reformas no que diz respeito à rescisão dos contratos de trabalho. Doutoranda na Universitá Sapienza de Roma, a magistrada fez a tradução da fala de Petrucci.

    Grande oratore

    Informal como convém a um bom italiano, o palestrante "quebrou o gelo" logo de início ao se confessar torcedor da Internazionale de Milão, tradicionalíssimo clube que tem em Ronaldo Fenômeno um dos maiores nomes de sua história.

    O professor antecipou que a Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que trata do término da relação de trabalho por iniciativa do empregador, seria "o ponto de referência da palestra". Reside aí mais um ponto de convergência entre os dois países: tanto o Brasil quanto a Itália não ratificaram o documento, apontou Petrucci. "O Brasil, na verdade, até ratificou a Convencao, em 1995, mas a denunciou logo no ano seguinte. Na prática, nenhum dos dois países chegou a aplicar o que ela estabelece."

    O documento determina que a dispensa de um empregado necessariamente deve estar relacionada a uma conduta faltosa do próprio trabalhador ou a uma situação que traga significativas implicações para as necessidades de funcionamento da empresa, lecionou Petrucci. Não estão definidos os motivos que podem justificar a demissão, mas, sim, exatamente o contrário, ou seja, os fatores que não podem dar causa justificada à dispensa, como, por exemplo, a filiação a um sindicato ou a participação em atividades sindicais, desde que fora do horário de expediente ou mesmo no curso deste, caso tenha havido consentimento do empregador. Veta em especial a demissão derivada de atitude discriminatória em virtude de raça, cor, sexo, estado civil, gravidez, religião, opiniões políticas, ascendência nacional ou origem social do trabalhador. Segundo o professor, esse princípio vigorava na Itália desde 1966, com a Lei 604, que trata de despedimentos individuais, e, em seu artigo 7º, a Lei 300/1970, o Estatuto dos Trabalhadores italiano, reforça a prevenção à demissão injusta, fixando uma série de obrigações do empregador, a começar pela publicação de um código de conduta dos empregados. O dispositivo assegura ao trabalhador sob risco de demissão o direito a ampla defesa, inclusive com a assistência da respectiva entidade sindical. Só após isso o empregador está autorizado a efetivar a dispensa, se ainda entender que deva fazê-lo.

    No Brasil não há previsão legal nesse sentido, compara Petrucci. "Aqui o trabalhador só pode se defender já na esfera judicial, após a dispensa. Mas isso não representa necessariamente uma grande lacuna em relação ao ordenamento jurídico italiano, uma vez que, na maioria dos casos, todo esse processo previsto pelo Estatuto dos Trabalhadores acaba sendo meramente pro forma, pois, em geral, a demissão é confirmada. Por outro lado, dá ao advogado que defende o trabalhador a oportunidade de, na hipótese de ocorrer algum vício no processo, pleitear a anulação da dispensa."

    A partir do conceito de que a demissão é a mais extrema das sanções disciplinares passíveis de serem aplicadas ao empregado, a legislação da Itália tradicionalmente prevê, em contrapartida, sanções ao empregador, com o intuito de coibir eventual dispensa ilegítima. "Este é ‘o' tema de minha palestra", enfatizou Petrucci. "O legislador italiano do final dos anos 1960 estava tão seguro disso que o artigo 18 do Estatuto dos Trabalhadores assegurou ao empregado demitido, se comprovada a injustiça da dispensa, o direito à reintegração, com o percebimento de todos os salários relativos ao período compreendido entre a demissão e o retorno ao trabalho, e a empresa ainda devia efetivar também as contribuições previdenciárias do período."

    Estavam sujeitas à norma todas as médias e grandes empresas do país, o que, na Itália, não era exatamente muito: bastava ter pelo menos 16 empregados numa mesma unidade ou 60 em todo o território nacional, detalhou o palestrante. Mesmo os pequenos empregadores, com quadro de funcionários inferior a esses limites, não estavam imunes a sanções em caso de lançarem mão de uma demissão injusta, acrescentou Petrucci. Um erro desse tipo poderia lhe custar o dever de indenizar o trabalhador num valor equivalente a até 10 vezes o último salário recebido antes da demissão. O Jobs Act, no entanto, alterou sensivelmente tudo isso.

    A reforma trabalhista italiana , lecionou o professor, assimilou o discurso do lobby empresarial que, entre outros argumentos, afirmava que as sanções previstas a quem ordenasse demissões ilegítimas limitava a atividade econômica e restringia a geração de empregos. "Eles diziam, por exemplo, que, ao chegar a 14 ou 15 empregados, o empregador muitas vezes acabava ‘freando' o crescimento da própria empresa, para não cair no limite mínimo fixado pela regra." A legislação prevê agora uma indenização em dinheiro, em lugar da reintegração. Inicialmente fixada em um valor equivalente a duas vezes o salário recebido pelo trabalhador no momento da demissão para cada ano de trabalho na empresa, limitada ao equivalente a 24 vezes esse mesmo salário, a indenização foi majorada pelo recentíssimo "Decreto Dignidade", aprovado no último dia 7 pelo Senado italiano, após ter passado também de forma vitoriosa pela Câmara dos Deputados do país na semana anterior. Agora o valor a ser pago pode chegar a 36 vezes o último salário do demitido. "Havia uma pressão dos trabalhadores pela repristinação do que previa o artigo 18 do Estatuto dos Trabalhadores. A solução encontrada pelos adversários dessa proposta foi o aumento do limite da indenização", assinalou Petrucci.

    Sobre demissões coletivas, o professor esclareceu que quem quer que queira demitir mais do que cinco empregados de uma só vez na Itália tem de negociar com o sindicato representante dos trabalhadores. "No Brasil eu sei que vigorava algo semelhante", observou Petrucci, numa alusão a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho (TST) firmada a partir do paradigmático caso em que o TRT-15 suspendeu, em 2009, uma demissão em massa ocorrida na unidade de São José dos Campos da Empresa Brasileira de Aeronáutica S.A. (Embraer). Na ocasião a dispensa atingira cerca de 4.200 trabalhadores. "Mas agora não mais. Um demitido ou mil, tanto faz", lamentou o palestrante, ao comentar outra mudança produzida pela Lei 13.467/2017.

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