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16 de Junho de 2024
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    Ensaio: o crime como um contrato

    há 4 anos

    Este pequeno ensaio propõe-se a apresentar o comportamento delitivo sob a ótica de um infrator livre para decidir decidir sobre a realiação do crime por ele almejado. Trata-se de ensaio que objetiva à inserção de um paradigma peculiar de concepção das relações entre ser humano e sistema jurídico-penal.

    Um indivíduo, quando pratica um crime, realiza um evento comunicativo dirigido à sociedade civil organizada que tem duplo sentido. Da mesma forma em que o ato citado comunica sua contrariedade à vigência da norma penal por ele violada, tal comportamento tem o sentido de informar à sociedade e ao Estado que o indivíduo que o realiza dispõe de parte seu direito à liberdade ambulatorial ou ao patrimônio, por determinado período de tempo e de determinada forma.

    Qualquer ganho advindo do crime – como bens, valores, comodidades ou a simples realização da vontade ao arrepio de qualquer valor social positivado como norma – representa a contrapartida buscada pelo infrator que se sujeita a uma possível aplicação de sanção penal. Da mesma forma em que não é certeira a aplicação da sanção penal decorrente do crime, também não é certo que o proveito do crime lhe será conferido ao final da execução contratual. Nesse caso, a restituição dos bens objeto do delito é vista como um risco, na mesma medida e diametralmente oposto ao risco de não execução pela parte que inetressa à sociedade do contrato em questão – a pena – por diversos fatores, como o tempo e a não identificação da autoria do delito.

    Se um indivíduo quer dispor de seu patrimônio, através da destruição deliberada de seus bens, lhe é permitido. Igualmente, se alguém se predispõe a reduzir o âmbito de exercício de sua integridade física, através da destruição de parte de seu corpo, não lhe é imposta sanção alguma. Se ele, da mesma forma, decidir restringir sua prórpia liberdade ambulatorial, e por isso ficar por mais de dez anos trancado em seu quarto, tal conduta lhe é lícita. Da mesma foma, se uma pessoa decide colocar fim à própria vida, nem sua família nem seus bens sofrem qualquer tipo de restrição ou, caso não consiga realizar seu desiderato, igualmente não lhe é imposta qualquer espécie de sanção.

    Assim, o individuo que escolhe livremente, ou seja, realiza um injusto penal ostentando plena culpabilidade, com vontade plenamente livre (independentemente das experiências pelas quais tenha passado durante sua vida pregressa), decide submeter-se a possível restrição ao exercício pleno de seu direito à liberdade ou ao patrimônio.

    Dessa forma, os princípios penais operam funções diferentes da forma na qual vêm sendo interpretados nos últimos anos. O princípio da fragmentariedade e o da legalidade estrita, por exemplo, ao determinarem a disposição das condutas às quais se comina sanção penal em forma de tipos penais, opera como de fossem os termos do contrato de adesão ao qual adere o infrator, no momento da prática dos respetivos tipos penais. A tipicidade, enquanto característica de um comportamento humano, figura-se como a manifestação da conduta de adesão ao contrato em questão, como se fosse a fórmula romana através da qual se realizaria algo no sistema do Direito.

    O principio da legalidade, na vertente denominada anterioridade, através da determinação da criação de normas penais por parte de um parlamento democrático, promove algo parecido com as tratativas preliminares, porque permite que os destinatários das normas participem – ainda que de forma ideal, imperfeita, remota e indireta – de seu processo de criação, através do voto.

    Nesse modelo, a não incidência de causas de justificação funciona como um critério de correção da adequação da conduta do indivíduo à norma que estabelece os termos do contrato. Ou seja, a realização de um tipo penal, (materialização de uma conduta que determina o estabelecimento da relação contratual) amparada por uma causa de justificação, explicita que a conduta praticada não o foi com a intenção de realização do pacto e de incidência dos termos do contrato mas, sim, como uma forma de tutelar de maneira lícita determinado direito, reconhecido pela ordem jurídica, ou para realizar determinado dever, também vigente no sistema do Direito.

    Nesse sentido, a culpabilidade, como elemento no conceito dogmático de delito, funciona como o mecanismo pelo qual pode-se aferir se a parte contratante que aderiu ao contrato em questão agiu livremente ou sofreu por erro, dolo, coação ou lesão. Seu reconhecimento permite a imposição de uma sanção, fundada na liberdade de ação do indivíduo que realizou uma conduta típica (ainda que o livre arbítrio não seja demonstrável pela ciência, a liberdade de ação pode sim ser claramente identificada em uma determinada situação fática).

    Assim, realizada a conduta que manifesta a adesão contratual nos termos dos parágrafos anteriores, o particular cede ao Estado a possibilidade de ser-lhe reduzido o âmbito de exercício de sua liberdade ou patrimônio. Nesse contexto, tal Estado passa a deter o direito de punir (jus puniendi), que pelo princípio processual penal da legalidade, tem o dever de buscar a execução desse contrato e o exercício do direito dele advindo, através da execução de uma pena.

    É assim que boa parte dos infratores concebe o sistema penal, independentemente de sua posição social, econômica ou cidadania. Quando da realização do delito, muitos autores pensam que se trata de um negócio que lhes é lícito simplesmente porque lhes é possível, demonstrando completo desdém pela vigência da norma penal (ou pelos bens jurídicos tutelados por ela, ou ainda, por eventuais direitos alheios). Para eles, o ganho advindo do crime funciona como a contrapartida pela qual a sociedade tem que suportar, em virtude de esta poder impor-lhes uma sanção. E ao final, quando terminam de executar a pena, não raro dizem que pagaram sua dívida para com a sociedade.

    Assim, no exercício da autonomia de sua vontade, um potencial delinquente decide se realizará ou não uma conduta delitiva, sopesando benefícios e malefícios, sabendo da possibilidade de execução real do direito que conferirá à outra parte a possibilidade de reduzir-lhe o âmbito de disponibilidade de sua liberdade ou de seus bens (ou de ambos). Da mesma forma que uma pessoa inescrupulosa contrataria um empréstimo pelo qual sabe que não terá que pagar, um criminoso certamente realiza um delito que lhe é interessante, muitas vezes contando que não terá que enfrentar suas consequências jurídico-contratuais. É por essa razão que infratores são facilmente dissuadidos da prática de delitos se é certeira e rápida a possibilidade de sua punição (como bem lembrou Beccaria). Isso ocorre, por exemplo, em locais vigiados por seguranças armados (não existe pena mais imediata e eficaz que o exercício da legítima defesa pela vítima), quando sabem que podem estar sendo monitorados por escutas telefônicas, ou quando tentam praticar delitos contra pessoas que gozam de prestígio dos órgãos de controle.

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