Entre a transparência e a opacidade, qual é o ponto ótimo?
Recentemente, quarto membros do Congresso solicitaram a transmissão por áudio de um caso de grande importância e repercussão (Gill v. Whitford), que envolve manipulação de áreas de distritos eleitorais. Para os peticionantes, o deferimento do pedido significaria um louvável passo em direção à total transparência dos procedimentos da Corte.
Em resposta, representante da SCOTUS afirmou categoricamente que “a Corte não está preparada para acomodar o pedido” dos parlamentares. Na oportunidade, asseverou ainda que “o presidente da Corte aprecia e compartilha o objetivo principal de aumentar a transparência pública e melhorar a compreensão social sobre a Suprema Corte” e que a transmissão da sessão por áudio dos debates poderia “afetar negativamente o caráter e a qualidade do diálogo entre advogados e justices” (isto é, ministros da SCOTUS). Por essas razões, o pedido feito pelos parlamentares foi negado.
Para alguns analistas da SCOTUS, a resposta suprema foi uma decepção. Teóricos daquele país têm advertido que a transmissão dos debates seria o próximo passo em direção à transparência se a meta é realmente conectar o público à Suprema Corte. Se justices e advogados já sabem que estão sendo observados pelo público, então não haveria razão para se cogitar que a transmissão das sessões afetaria o comportamento dos partícipes ou a dignidade dos procedimentos da SCOTUS.
Em Bush v. Palm Beach County Canvassing Board e Bush v. Gore, a Suprema Corte autorizou a emissão de áudios no mesmo dia, embora a transmissão não tenha ocorrido ao vivo. É verdade que esse tipo de autorização tem diminuído nos últimos anos, talvez por conta dos argumentos externados pelos representantes da SCOTUS. Atualmente, os áudios relativos às sessões de segundas, terças e quartas-feiras são disponibilizados ao público sempre às sextas. Embora a divulgação de áudios e de transcrições não ocorram imediatamente, ainda assim a divulgação desse material tem despertado o interesse de profissionais e pesquisadores da área.
Pesquisadores norte-americanos afirmam que justices são frequentemente indagados sobre a transmissão ao vivo dos debates da Corte, tanto ao longo das sabatinas senatoriais quanto em eventos públicos após a nomeação para SCOTUS. Enquanto candidatos ao cargo, ou abraçam a causa ou, pelo menos, prometem considerar detidamente a questão.Todavia, quando se tornam justices, tendem a mudar de ideia, passando a alegar que a transmissão ao vivo dos debates na Corte poderia minar a dinâmica da argumentação oral, ainda que conheçam experiências exitosas de cortes inferiores federais e estaduais.
A declaração recente do representante da SCOTUS parece indicar que, no curto prazo, dificilmente algo mudará naquela Corte. Enquanto que nos Estados Unidos a Suprema Corte se mantém apegada à discrição e ao recato, revelando-se pouco transparente aos olhos dos críticos, no Brasil, a exagerada exposição pública das audiências do Supremo Tribunal Federal tem denunciado a fragilidade do colegiado no enfrentamento de determinados casos, identificando-se reiteradas discussões abertas de Ministros na TV Justiça.
Tem-se, ainda, que o real impacto da divulgação simultânea das sessões de julgamento é incerto. Pode-se afirmar, reconhecidamente, que a divulgação afeta o perfil de decisão dos Ministros. No âmbito do projeto História Oral do Supremo da Fundação Getúlio Vargas, o Ex-Ministro Nelson Jobim afirmou que “quando veio a TV Justiça começou o processo de […] digamos, de acaloramento nas discussões e alongamento de voto”. Por outro lado, o Ministro Roberto Barroso, destacando aspectos negativos, afirmou que a “TV Justiça […] tira um pouco da espontaneidade e, segundo lugar […] os votos ficaram maiores”.
Parece, a princípio, que o risco reverso relativo ao “aumento dos votos” não neutralizaria os benefícios da divulgação simultânea das sessões no aspecto “transparência”. Todavia, outros prejuízos que podem decorrer desta divulgação, sobretudo o desgaste do Tribunal e dos seus membros e uma possível “vulgarização do debate judicial”, impõem alguma solução mediana. Tudo leva a crer, portanto, que nessa questão a máxima “a virtude está no meio” é a melhor conselheira.
Antonio Sepulveda (professor e doutorando/UERJ).
Carlos Bolonha (professor e diretor da Faculdade Nacional de Direito/UFRJ).
Igor De Lazari (mestre em Direito/UFRJ) são pesquisadores do Laboratório de Estudos Teóricos e Analíticos sobre o Comportamento das Instituições – PPGD/UFRJ.
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