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5 de Maio de 2024
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    Entrevista com o Desembargador Francesco Conti: "Os presos não admitem a injustiça, por mais paradoxal que isso possa ser"

    Atuando como julgador do Tribunal de Justiça gaúcho desde 18/7 deste ano, o Desembargador Francesco Conti relata, na entrevista abaixo, sobre a trajetória que o levou do Ministério Público à magistratura. A partir de sua experiência na Superintendência dos Serviços Penitenciários (SUSEPE), aborda a responsabilidade do Judiciário em relação aos problemas do sistema carcerário. Posso dizer que o que mais causa descontentamento nos apenados é a demora e o sentimento de descaso e injustiça na avaliação dos benefícios previstos na Lei de Execução Penal e não as condições materiais dos estabelecimentos prisionais.

    Também fala sobre o papel do Juiz do terceiro milênio e as características que o julgador moderno deve ter.

    O que o levou a escolher o curso de Direito e, depois de formado, o Ministério Público para seguir carreira?

    A opção pelo curso de Direito veio a partir de um teste vocacional realizado na época do vestibular, o qual indicou minha aptidão para cursos relacionados às ciências humanas. Também influenciou o status do curso e a influência dos meus pais. Imigrantes, trabalharam desde muito jovens e queriam ver o filho formado doutor. Aos poucos, durante a faculdade, fui conhecendo efetivamente o que era o Direito e acabei me apaixonando. Após a conclusão, exerci a advocacia por aproximadamente quatro anos, porém não me satisfez plenamente.

    Prestei concurso para o Ministério Público (MP) em razão, principalmente, da importância da Instituição e da relevância das atribuições do Promotor de Justiça. Ingressei no MP em 1989, quando recém havia sido promulgada a Constituição Federal de 1988. O Ministério Público havia recebido importantes atribuições, o que fizeram com que eu me interessasse em participar da instituição incumbida da defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Ou seja, saindo recentemente de uma ditadura militar, percebi que o Ministério Público era a instituição que nitidamente representava este março de início e garantia de um regime democrático de direito.

    Se todo o poder emana do povo

    e fui investido na condição de julgador,

    devo prestar a jurisdição para o povo

    da melhor forma possível

    Existe algum fato ou caso que marcou a sua carreira como Promotor?

    Acredito que toda a carreira foi muito marcante, pois foi uma trajetória que avançou paralelamente ao crescimento do Ministério Público, o que muito me orgulha. Quando comecei a carreira na instituição, a estrutura existente era muito precária, utilizávamos uma sala emprestada dentro do Foro, sem telefone e sem nenhum servidor ou estagiário.

    Após o advento da Constituição Federal de 1988, o Ministério Público cresceu significativamente, principalmente por receber a atribuição de defensor do povo, responsabilidade que exigiu autonomia administrativa e financeira da Instituição, que passou a enfrentar especialmente o Estado, o qual em muitos casos é o violador dos direitos fundamentais da população.

    Nesse contexto, creio que a minha atuação como coordenador do Centro de Apoio Operacional dos Direitos Humanos, última experiência na instituição, foi o que mais marcou minha carreira. Essa experiência mais próxima da população mais necessitada me fez perceber o quanto há que se avançar para garantir os direitos humanos (saúde, educação, alimentação, meio ambiente, crianças, adolescentes, idosos, entre outros).

    Vejo como imprescindível o envolvimento

    direto do Poder Judiciário

    com a questão penitenciária,

    principalmente assumindo

    a responsabilidade que lhe cabe

    Na sua avaliação, de que forma a experiência na Promotoria pode influenciar na sua atuação agora, como Desembargador?

    Penso que a experiência no Ministério Público auxiliará a uma melhor compreensão das partes no processo, pois em meus 22 anos de carreira passei a entender um pouco mais para que serve o sistema de Justiça e a quem este sistema deve servir.

    Se todo o poder emana do povo e fui investido na condição de julgador, devo prestar a jurisdição para o povo da melhor forma possível. Quando Promotor de Justiça, sempre tentei ver que por trás da pessoa que havia cometido um crime, por exemplo, havia um ser humano com suas perfeições e imperfeições, como qualquer outro. Obviamente que para uma sociedade subsistir é imprescindível que existam limites e um sistema de justiça que possa os garantir e os impor. Porém, ao mesmo tempo, não se pode deixar de garantir direitos básicos ao cidadão.

    A tarefa de julgar o semelhante não é fácil. Porém, assim como fiz no Ministério Público, pretendo me esforçar ao máximo para prestar a melhor jurisdição possível, que é o que a população espera que façamos, independentemente de as decisões agradarem ou não a imensa maioria das pessoas. Os ideais que me movem são dedicação, humanidade e sensibilidade.

    O seu irmão, Giovanni Conti, e sua esposa, Andréa Rezende Russo, são Juízes. Quando o senhor passou a cogitar a hipótese de também se tornar um magistrado?

    Creio que a magistratura atrai qualquer estudante de Direito. É uma função diferente de qualquer outra, de imensa importância e responsabilidade. Porém, esta hipótese surgiu há pouco tempo, este ano, quando foi publicado edital no Ministério Público para o preenchimento da vaga aberta no Tribunal de Justiça.

    Aprendi a admirar ainda mais a magistratura pela convivência com meu irmão Giovanni e com a minha esposa Andréa, exemplos de magistrados para mim. O amor que eles dedicam à magistratura fez com que aumentasse o interesse pela carreira. Assim, a partir do exemplo deles, pretendo fazer uma carreira marcada pela dedicação e seriedade, atendendo principalmente ao anseio do povo que determinou a integração de membros do Ministério Público no Poder Judiciário.

    O que posso afirmar, então,

    com a mais absoluta certeza,

    é que os presos não admitem a injustiça,

    por mais paradoxal que isso possa ser

    O senhor já atuou como Superintendente dos Serviços Penitenciários substituto e Corregedor-Geral da SUSEPE, entre os anos de 1999 e 2002. Como avalia a situação do sistema prisional, bem como as decisões judiciais de interdição das casas prisionais e de concessão de prisão domiciliar devido à falta de instalações adequadas?

    Nos quatro anos em que trabalhei na SUSEPE tive a oportunidade de conhecer a fundo todo o sistema prisional. Em razão disso, analisar qualquer assunto relacionado a este sistema é algo extremamente complexo e preocupante. Isto porque um dos objetivos do encarceramento, que é a recuperação, não é atingido, uma vez que sequer há um sistema minimamente organizado de individualização da pena. Tal situação faz com que os apenados retornem ao convívio social em piores condições do que quando ingressaram no sistema prisional. Em razão disso, confirmo a veracidade da afirmativa popular de que a cadeia é a universidade do crime.

    Não obstante, vejo como imprescindível o envolvimento direto do Poder Judiciário com a questão penitenciária, principalmente assumindo a responsabilidade que lhe cabe . Nesse sentido, posso dizer que o que mais causa descontentamento nos apenados é a demora e o sentimento de descaso e injustiça na avaliação dos benefícios previstos na Lei de Execução Penal e não as condições materiais dos estabelecimentos prisionais.

    A imensa maioria das pessoas presas já vive em condições precárias, antes mesmo de vir a ser recolhida ao sistema prisional. Vivem em comunidades pobres, com esgoto a céu aberto, sem acesso a absolutamente nada. E, tudo isso, sem ter cometido qualquer crime, a não ser o crime de nascer pobre.

    O que posso afirmar, então, com a mais absoluta certeza, é que os presos não admitem a injustiça, por mais paradoxal que isso possa ser. Para eles é inadmissível, por exemplo, que em situação semelhante alguns obtenham o benefício da progressão de regime e outros não. Ou presos beneficiados pelo indulto de natal, que aguardam meses a liberdade, quando deveriam ser soltos no dia seguinte ao decreto presidencial. Certamente a revolta causada por estas situações refletirá nos índices de criminalidade social quando do retorno deles ao meio social.

    O Rio Grande do Sul tem o privilégio

    de ter magistrados com mentes brilhantes,

    grandes doutrinadores, os quais pautam

    muitas questões inéditas no nosso país.

    Não temos simplesmente aplicadores da lei

    Em seu discurso de posse, o senhor falou da necessidade de o Juiz acompanhar a mudança dos tempos, assumindo uma postura crítica em relação à legislação infraconstitucional. Nesse contexto, como o senhor vê a atuação do TJRS? E a do STF, que por suas decisões recentes tem sido acusado de exercer a função de legislador?

    Em relação à necessidade de o magistrado acompanhar a mudança dos tempos, assumindo uma postura crítica em relação à legislação infraconstitucional, temos um Tribunal de Justiça que é referência para todo o país. O Rio Grande do Sul tem o privilégio de ter magistrados com mentes brilhantes, grandes doutrinadores, os quais pautam muitas questões inéditas no nosso país. Não temos simplesmente aplicadores da lei, mas, sim, grandes pensadores e uma escola hermenêutica que se multiplica Brasil afora.

    Quanto ao Supremo Tribunal Federal, em que pese muitas vezes decida sem a existência de uma legislação infraconstitucional própria para o caso em julgamento, por omissão do Poder Legislativo, o faz fundamentado na Constituição Federal e em tratados internacionais assinados pelo Brasil. Normas estas que se encontram acima da legislação infraconstitucional, utilizadas, por exemplo, no recente julgamento a respeito dos direitos dos homossexuais.

    O Juiz do terceiro milênio

    não pode ser um homem alheio

    às profundas transformações da sociedade

    Também no dia da posse, o senhor falou sobre o Juiz do terceiro milênio. Que características deve ter esse Juiz? E a Justiça do terceiro, milênio como deve ser?

    Penso que o Juiz do terceiro milênio deve partir da premissa que todo o poder emana do povo, como afirma a nossa Constituição Federal. Poder este que garante todas as prerrogativas que a magistratura detém. Não há razão para existir a vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos se não for para termos um julgador seguro e sensível com as questões sociais.

    Diante disso, o papel a ser desempenhado pelo magistrado deve adaptar-se ao seu momento histórico. Em um Estado Democrático de Direito não deve ser mais apenas a boca que pronuncia as palavras da lei, nem um ser inanimado, conduzido pelos interesses do poder que não seja do povo. Acredito que deva se posicionar como o intérprete da lei em benefício de toda a sociedade, alçando-se a uma posição de protagonismo.

    Entendo que o modelo positivista-legalista está superado, devendo o Juiz constitucionalizar-se, isto é, assumir uma postura crítica perante a legislação infraconstitucional, bem como buscar conhecimentos advindos de outros ramos do conhecimento. Isto é necessário para que o magistrado defronte-se com a realidade e possa atuar com sensibilidade e visão humanitária.

    Pensar no Juiz do terceiro milênio é pensar na interdisciplinariedade, em uma formação mais ampla do Juiz, do qual se espera uma outra visão do mundo, mais sensível, mais humana, predicados extremamente importantes para o fornecimento de uma solução jurisdicional mais eficaz frente aos novos tempos. É preciso ser um julgador movido por sensibilidade, compaixão, solidariedade humana.

    Assim, o Juiz do terceiro milênio não pode ser um homem alheio às profundas transformações da sociedade. O Juiz do século XXI deve ser protagonista das mudanças necessárias.

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    O desembargador nomeado por governador do PT, Tarso Genro, afirma que presidiário não admite a injustiça..." E, tudo isso, sem ter cometido qualquer crime, a não ser o crime de nascer pobre."...Poderia destacar as incoerências lógicas, além de ofensa à moral e ética nessa declaração, mas para não ser prolixo e apenas teórico, cito um exemplo prático e recente de um presidiário, o Lula, que já fora preso antes da lava-jato e libertado, assim como a Dilma...o pai dos pobres entregou o país às empreiteiras um esquema atrelado à copa, olimpiadas, preferiu obras nas ditaduras amigas em vez do pobre nordeste, 30 bilhões ano em publicidade do governo e a Globo continua prestando homenagens, empréstimo de cerca de 700 bilhões aos "campeões nacionais" via BNDS a juros baixos, inclusive para o hulk comprar jatinho.... Saquearam as estatais, os fundos de pensão...Segundo os alienados da esquerda o saque na Petrobras deve ser esquecido, a lava-jato foi ilegal, pois teve aquelas supostas conversas de aplicativo...hipocrisia medíocre e explícita da esquerda, visto que mataram uma vereadora negra, homossexual, ou seja que atende os requisitos da narrativa, e a mídia podre que teve seus 30 bilhões ano cortados fez sua parte, vejam a repetição, insistência no JN. Mais grave a tentativa de incriminar o pistoleiro foi escolhido por localização, vizinho.. e coitado do porteiro de atrapalhado no depoimento.. A verdade não pode ser escondida.
    Essa estirpe no poder produz a pobreza e se alimenta dela, queriam um Brasil de miseráveis e quem estivesse contra o esquema de corrupção, o trenzinho da alegria, a doutrinação canalha, seria perseguido, com direito ao contraditório e ampla defesa é claro, um joguinho falso, apenas de aparência...queriam instituir a polícia bolivariana. No RS a lista imensa de vencimentos e aposentadorias acima do teto de 36 mil, nessa lista sem fim de militantes de esquerda com direito adquirido, cargos criados para abrigar os seus, fica bem claro o modus operandi: privilégios para nós e pobreza para vocês com uma coleira na nossa mão...CUIDADO eles podem soltar um presidiário para te pegar na rua...ou uma professorinha recalcada, doutrinadora de esquerda pode manipular adolescentes com problemas...Isso tem que mudar, e vai de um jeito ou de outro, e se não estiverem satisfeitos, inclusive você desembargador, vão para Venezuela, Cuba, a Constituição lhes garante esse direito... continuar lendo