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16 de Junho de 2024
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    Entrevista: Luiz Eduardo Greenhalgh, advogado e militante de esquerda

    Publicado por Consultor Jurídico
    há 15 anos

    Os grampos telefônicos são a tortura dos nossos dias. A afirmação é de um advogado e militante de esquerda que participou ativamente dos movimentos contra a repressão do regime militar no Brasil, e hoje experimenta na pelé o que é ser vítima do Estado Policial em tempos de democracia. Como advogado, Luiz Eduardo Greenhalgh se notabilizou pela defesa de presos políticos nos anos de chumbo. Mas recentemente, acusado de lobista do banqueiro Daniel Dantas, foi investigado, grampeado e execrado como agente duplo da corrupção no país.

    A ira coletiva que se abateu sobre sua pessoa tem pelo menos duas explicações. A primeira é que se trata de um militante histórico do Partido dos Trabalhadores, no poder há seis anos com o presidente Lula, razão suficiente para atrair amores e ódios em doses homéricas. A segunda é que Greenhalgh se tornou advogado do banqueiro Daniel Dantas na venda da Brasil Telecom para a Oi. Além de assessorar um cliente que está debaixo de todas as suspeitas, se envolveu num negócio que também tem uma aura de suspeição permanente.

    Como se não bastasse, Greenhalgh é ainda o advogado do ex-militante comunista italiano Cesare Battisti, beneficiário de um polêmico status de refugiado concedido pelo ministro da Justiça Tarso Genro e alvo de um explosivo pedido de extradição apresentado pelo governo italiano ao governo brasileiro.

    Falta dizer apenas que Greenhalgh foi também deputado federal e que em sua passagem pelo Congresso presidiu a prestigiosa Comissão de Constituição e Justiça da Câmara na época das reformas tributária e previdenciária, foi autor do Estatuto do Desarmamento e sofreu um dos maiores constrangimentos da história do parlamento: como candidato do governo foi derrotado na disputa à presidência da Câmara por Severino Cavalcanti, de partido ignorado e representante do baixo clero na casa. Fiquei um semana sem dormir, confessa mais perplexo com as inifinitas armadilhas da política do que humilhado com o vexame avassalador.

    O que tem tirado o sono do advogado ultimamente são as garras do Estado Policial, que o ameaçam em cada passo. Ele acredita, por exemplo, que descobriu involuntariamente que o delegado Protógenes Queiroz se utilizava ilegalmente de agentes da Abin, a agência de informações do governo, para investigar o banqueiro Daniel Dantas. A descoberta se deu porque o advogado caiu na rede de grampos espalhada pelo delegado para pegar o banqueiro.

    O caso é um retrato do Estado policialesco a que está sendo empurrado o Brasil, segundo o advogado. A necessidade de vingança da sociedade contra os corruptos e os holofotes da mídia têm tornado a polícia e o Ministério Público cada vez mais afoitos com as escutas telefônicas legais e ilegais para incriminar suspeitos, culpados ou não. O pau-de-arara, que dava a certeza ao policial durante a ditadura militar de ter a sua confissão, hoje é trocado pelo grampo, diz. O próprio Estado, pela intimidação, passa a ser refém do consórcio feito pelo Judiciário, Ministério Público, polícia e mídia. Está ventando um vento reacionário, diz o advogado.

    Nesta entrevista à revista Consultor Jurídico , da qual participaram também os jornalista Daniel Roncaglia, Maurício Cardoso, Rodrigo Haidar e Rodrigo Tavares, Greenhalgh falou ainda da Anistia. Para ele, todas as contovérsias que existem sobre o tema, desde o pagamento de indenizações duvidosas a supostas vítimas da ditadura até a polêmica tese da revisão da lei para punir os torturadores do regime militar, decorrem de um aspecto histórico: Conquistamos a anistia durante o governo militar, em 1979. Ganhamos mas não levamos, já que os efeitos da anistia não foram executados imediatamente, diz ele. Como em todos os outros casos em que está metido o advogado, também nesse não há consenso.

    Leia a entrevista

    ConJur O que é mais difícil: defender Daniel Dantas ou Cesare Battisti?

    Luis Eduardo Greenhalgh Defender o Battisti é mais difícil, porque ele é vítima de uma conspiração persecutória feita por um Estado. O Daniel Dantas tem relações sociais, apoios no Congresso, na classe empresarial, na imprensa. Digamos que ele se vira. Já o Battisti não tem ninguém por ele, a não ser nós, que estamos fazendo a defesa, o senador Eduardo Suplicy (PT-SP) e algumas entidades de direitos humanos. Eu estou indignado com a maneira como as autoridades italianas zombam, afrontam, intimidam e maldizem o Estado, as autoridades e o povo brasileiros.

    ConJur Qual o motivo de toda essa movimentação?

    Luis Eduardo Greenhalgh Battisti não era das Brigadas Vermelhas, a principal organização de esquerda da época da repressão na Itália. Se comparássemos com os grupos de resistência no Brasil, ele não seria da ALN [ Aliança Libertadora Nacional ]. Ele seria do POC [ Partido Operário Comunista ]. As Brigadas Vermelhas chegaram a ter milhares de militantes, organizados, armados. Já o PAC [ Proletários Armados pelo Comunismo ], do qual ele fez parte, teve cem, cento e cinquenta pessoas, um grupo regional. Esse cidadão virou notícia no mundo inteiro em 2004, por causa da sanha italiana de querer extraditar os militantes políticos adeptos da luta armada. Ele foi transformado num frio assassino quando desqualificaram a sua luta política. O processo criminal sofrido por Battisti é uma farsa, não resiste à mínima análise.

    ConJur Essa afirmação, feita pelo advogado de Cesare Battisti, é normal. Mas cabe a um ministro da Justiça brasileiro analisar como o processo criminal foi conduzido na Itália?

    Luis Eduardo Greenhalgh Cabe. O Estatuto do Refugiado garante isso, de que, das decisões do Conare [ Comitê Nacional para os Refugiados ], cabe recurso ao ministro da Justiça. E a decisão do ministro é irrecorrível.

    ConJur Até que ponto uma decisão do Executivo brasileiro poderia remeter a fatos já julgados pelo Judiciário italiano?

    Luis Eduardo Greenhalgh Todo pedido de extradição se baseia sempre em uma decisão judicial, com pretensão punitiva ou executória. A extradição é pedida para que uma pessoa responda ao processo em outro país. Se ela for condenada definitivamente, se pede a extradição para que a pena seja executada. O Estado brasileiro pode conceder refúgio porque a legislação estabelece que será dado refúgio a quem tiver temor de perseguição. E Battisti tem real temor. Ele foi perseguido na França, com dois processos de extradição. O primeiro processo foi negado por causa da motivação política do pedido. No segundo , a decisão mudou porque mudou o governo. Então ele veio para o Brasil. Esse rapaz está sofrendo o terceiro processo de extradição. A reação da Itália à concessão do refúgio no Brasil é a prova mais cabal de que há perseguição política.

    ConJur Mas não caberia ao Judiciário decidir isso?

    Luis Eduardo Greenhalgh Em um caso recente, a situação era idêntica. O colombiano Francisco Cadenas, o padre Medina, tinha um processo de extradição correndo no Supremo. Na metade desse processo, foi pedido o refúgio ao Conare, que atendeu. O conselho informou ao Supremo, que tinha o ministro Gilmar Mendes como relator do caso, e o ministro levantou a seguinte questão de ordem no plenário: A decisão administrativa não é uma ingerência de um Poder sobre o nosso Poder? A resposta foi que não, por nove votos a um. Se o Estado dá o refúgio político, nós temos que arquivar a extradição sem julgamento de mérito?, questionou-se também. A resposta foi positiva, por nove votos a um.

    ConJur O Supremo poderia questionar se a decisão do ministro foi bem fundamentada?

    Luis Eduardo Greenhalgh O Supremo pode analisar, mas não pode se imiscuir no ato discricionário do Estado brasileiro. A decisão não é de Tarso Genro, pessoa física, mas sim do Estado brasileiro dizendo que esse rapaz tem fundado temor. Poucas decisões do ministro foram tão bem fundamentadas quanto essa. Além disso, esse rapaz não será extraditado, porque está prescrita a pena. Isso está no processo de extradição como preliminar. Ele foi condenado à prisão perpétua em sentença datada do dia 13 de dezembro de 1988 e o processo de extradição tem que ser julgado sob a ótica da legislação brasileira interna, que não prevê prisão perpétua. A lei brasileira prevê trinta anos como pena máxima, e o Código Penal estabelece que a pena de trinta anos prescreve em vinte. Então, a pena prescreveu em 13 de dezembro de 2008. Foi com base nesta análise que resolvemos pedir o refúgio ao mesmo tempo em que corria o processo de extradição.

    ConJur Quais as chances de Battisti no Supremo?

    Luis Eduardo Greenhalgh Quatro outros italianos militantes políticos da década de 70, refugiados no Brasil, tiveram a extradição pedida pela Itália, mas o Supremo negou todas elas, dada a motivação política das condenações. Luciano Pessina, Achille Lollo, Pietro Mancini e Pasquale Valitutti eram membros das Brigadas Vermelhas, e um deles tinha condenação por morte também [ Pietro Mancini, condenado por subversão e assassinato ]. O Supremo analisou e viu que os pedidos tinham caráter político e negou a extradição. Já a prescrição da pena executória de Battisti é tema de ordem pública e, por isso, tem que ser analisada preliminarmente. Além disso, o refúgio dado a ele tem as mesmas circunstâncias do que o que foi dado a Francisco Cadenas. Por esses três argumentos, acho que ele não será extraditado, embora o Supremo sofra o maior cerco por parte da Itália.

    ConJur Como esse caso chegou ao senhor?

    Luis Eduardo Greenhalgh A vida de Battisti tem muita semelhança com a do deputado Fernando Gabeira [ PV-RJ ] não sei se o Gabeira vai gostar de me ouvir dizer isso. Mas o Gabeira foi processado com base na Lei de Segurança Nacional , foi militante da ALN, participou do sequestro do embaixador americano [ Charles Elbrick, em 4 de setembro de 1969 ], depois do qual foi preso, e trocado no sequestro seguinte, quando foi banido do território nacional. Ao chegar ao estrangeiro, rompeu com a organização e passou a fazer uma avaliação autocrítica do que tinha sido o processo de luta armada no Brasil. Ele escreveu um livro chamado O que é isso, companheiro? sobre os anos de chumbo no Brasil, e depois voltou ao país com a anistia, fazendo carreira como político e escritor. Com Cesare Battisti aconteceu a mesma coisa. Ele era do PAC, foi preso, condenado, fugiu do presídio, foi para a França e depois para o México. Lá ele cortou formalmente as relações com a luta armada e começou a escrever livros, fazendo uma autocrítica do que tinha acontecido na Itália. Voltou à França e virou escritor de renome, com dezesseis obras publicadas em diversas línguas. Lá ele está entre os dez escritores com maiores recordes de venda, sempre fazendo a análise da luta armada dos anos de chumbo da Itália. Ele veio para o Rio de Janeiro e contatou o Fernando Gabeira, antes de ser preso. O Fernando encontrava com ele de vez em quando. De repente, ele foi preso provisoriamente no processo de extradição. Quando foi transferido para Brasília, três meses depois, falou para o Fernando que queria trocar de advogado e o Fernando me indicou.

    ConJur Muda alguma coisa na comparação o fato de Fernando Gabeira ter pego em armas contra uma ditadura e Battisti, na Itália, contra um regime democrático?

    Luis Eduardo Greenhalgh Discordo dessa ideia. Embora não houvesse uma ditadura militar na Itália, lá houve um processo de legislação excepcional, um processo de luta armada, violento, que culminou com a morte de Aldo Moro [ ex-premier italiano e presidente do Partido da Democracia Cristã ]. O fato serviu de viragem na luta política italiana da esquerda. Muita gente, depois do assassinato do Aldo Moro, saiu das Brigadas Vermelhas, abandonou o processo de luta armada, e passou a fazer política por meios pacíficos. As Brigadas Vermelhas esvaziaram. Mas há também um processo de viragem do Estado italiano no tratamento das questões políticas, no combate à luta armada, e se estabelece uma série de legislações absolutament...

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