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2 de Maio de 2024
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    ESPECIAL: Zona de guerra

    Crédito: Imagem da web

    No dia 8 de maio deste ano, um pequeno grupo de cidadãos brasileiros, todos com idade já avançada, foi visto na rampa do Palácio do Planalto, formalmente posicionado à direita e à esquerda da presidente da República, Dilma Rousseff. Tratava-se de uma discreta, porém relevante, cerimônia, sob a ótica militar, em comemoração aos 70 anos do chamado Dia da Vitória. Na mesma data, em 1945, a Alemanha foi formalmente declarada vencida na Segunda Guerra Mundial. Entre os militares presentes na solenidade comemorativa, havia testemunhas oculares de batalhas épicas que entraram para a história das Forças Armadas Brasileiras. Pela participação nas zonas de guerra, defendendo o grupo dos países aliados (Estados Unidos, Reino Unido e França), os chamados “pracinhas” ganharam o título de ex-combatentes e, com ele, uma série de prerrogativas militares. Uma delas é a garantia de aposentadoria – ou pensão, no caso de herdeiros ou dependentes – que, quando negada na esfera administrativa, pode ser pleiteada na Justiça Federal.

    A lei prevê a concessão do benefício diferenciado devido aos riscos decorrentes da atuação dos soldados nos conflitos e à relevância dos combates para a Nação. Parte dos aproximadamente 25 mil soldados cedidos aos países aliados nem sequer sonhava em lutar num campo de guerra. Como o País tinha poucos oficiais da ativa para integrar as principais missões, em território italiano, foi preciso convocar reservistas, muitos deles profissionais liberais, como advogados e médicos. O ingresso do Brasil na Segunda Guerra, que durou de 1939 a 1945, surpreendeu não apenas os pracinhas mas também quase toda a nação brasileira.

    Até 1942, o Estado não pretendia assumir uma posição de apoio entre os aliados e os países do Eixo (Alemanha, Itália e Japão). Na época, a expressão “é mais fácil uma cobra fumar do que o Brasil ir pra guerra” se popularizou, dando origem ao ditado popular. O então presidente Getúlio Vargas manteve uma postura de neutralidade, no entanto, somente até a constatação de que barcos civis da Marinha Mercante estavam sendo atacados por submarinos nazistas no Atlântico Sul, a partir do litoral do Nordeste. Em agosto de 1942, seis navios foram abatidos em apenas 48 horas, provocando a morte de mais de 600 pessoas. Os episódios levaram Getúlio Vargas a baixar, no dia 31 daquele mês, o decreto que instituiu o estado de guerra em todo o território nacional.

    participação do Brasil, ao lado dos Estados Unidos e dos demais Aliados contra o Eixo, se deu, de forma efetiva, com a cessão aos americanos de cerca de 400 pilotos e outros homens de apoio da Força Aérea Brasileira (FAB), além da instalação de bases navais e aéreas em território nacional, especialmente no litoral do Rio Grande do Norte. O principal apoio, contudo, foi o envio dos mais de 20 mil soldados à Itália, então dominada pelas tropas alemãs. A Força Expedicionária Brasileira (FEB) lutou durante meses em solo italiano, onde cumpriu dezenas de missões e conquistou as vitórias históricas na região de Monte Castelo, no centro-norte do País, e na Batalha de Montese, em fevereiro e abril de 1945, respectivamente. As investidas improváveis dos pracinhas resultaram na rendição de milhares de soldados alemães e na perda, considerada baixa, de 943 brasileiros. Até hoje, o símbolo da FEB é uma cobra fumando cachimbo.

    Naufrágios – Durante a Segunda Guerra Mundial, pelo menos 36 navios civis brasileiros foram alvo de torpedos disparados por submarinos do Eixo, entre 1942 e 1944, na faixa do Atlântico que vai da Filadélfia, nos Estados Unidos, até o litoral de Santos/SP. Estima-se que houve quase 1,1 mil mortes nos ataques, com 1,6 mil sobreviventes. Já a frota de guerra, sofreu apenas duas baixas, mas sem relação direta com a artilharia alemã. Em julho de 1944, a Corveta Camaquã afundou, depois de ser virada pelo mar revolto, deixando 23 tripulantes mortos. No ano seguinte, em 4 de julho de 1945, o Cruzador Bahia também naufragou devido ao disparo, para dentro da própria embarcação, de um tiro acidental durante um exercício de guerra. Ao todo, 33 homens morreram na tragédia.

    Navegar pelo Oceano Atlântico naquela época, mesmo para integrantes da Marinha Mercante – considerada o ramo civil da Marinha e voltada a atividades de comércio, pesca ou lazer –, significava correr risco de vida. Por isso, a lei que garante benefícios especiais aos ex-combatentes estendeu as vantagens aos sobreviventes das viagens civis realizadas em plena zona de guerra marítima.

    Em um processo julgado no dia 17 de junho pela Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), a União questionou sentença que havia concedido à viúva de um “marítimo” – como eram chamados os trabalhadores das embarcações civis – o pagamento de pensão especial cumulativamente com outro benefício que ela já vinha recebendo do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS): a pensão por morte de ex-combatente, no valor de R$ 730 por mês. Mesmo reconhecendo que a mulher teria direito à vantagem militar, isoladamente, a Turma acolheu o recurso da União por falta de previsão legal para a cumulação das duas pensões.

    O artigo 53 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) e o artigo 1º da Lei 5.315/67 concedem aos ex-combatentes, que efetivamente participaram de operações bélicas durante a Segunda Guerra Mundial, o direito à pensão especial com valor correspondente à deixada por segundo-tenente das Forças Armadas. Na época do ajuizamento da ação judicial da viúva, em 2004, o valor mensal correspondia a R$ 2,3 mil.

    A Lei 5.698/71 estendeu o benefício aos integrantes da Marinha Mercante que realizaram pelo menos duas viagens em áreas de possíveis bombardeios de submarinos alemães durante a guerra, entre março de 1941 e maio de 1945. Pelo texto, todos esses navegantes passaram a ser considerados ex-combatentes para fins previdenciários. No processo, a viúva apresentou certidão emitida em janeiro de 1968, pelo então Ministério da Marinha e da Capitania dos Portos, que comprova que o ex-marido dela navegou pelo Atlântico entre maio de 1941 e março de 1942 a bordo do Iate Itapicuru. “O militar fez mais de duas viagens em zonas de ataques submarinos”, atestou o documento.

    Diante disso, o relator da apelação na Segunda Turma, juiz federal convocado Cleberson José Rocha, considerou incontestável a condição de ex-combatente do marítimo e entendeu ser devida a pensão especial e a inclusão da viúva no Fundo de Saúde da Marinha – a assistência médica é, também, uma prerrogativa militar prevista em lei. O magistrado ponderou, no entanto, que, embora o ADCT permita a cumulação da pensão com outros benefícios previdenciários, os repasses não podem ter a mesma motivação. “É incabível a cumulação de pensão previdenciária e pensão especial oriundas do mesmo fato, ou seja, a condição de ex-combatente do instituidor da pensão”, afirmou o relator.

    O magistrado citou, no voto, diversos julgamentos anteriores do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que já consolidaram entendimento no mesmo sentido. “A pensão especial de ex-combatente pode ser percebida cumulativamente com outro benefício de natureza previdenciária, desde que não tenham o mesmo fato gerador”, frisou o ministro do STJ, Arnaldo Esteves Lima, em julgamento citado pelo relator. A decisão da Segunda Turma do TRF1, contudo, ressalvou o direito de a viúva, hoje com 85 anos, optar pelo benefício mais vantajoso, podendo abrir mão da pensão recebida pelo INSS.

    Ricardo Cassiano

    Confira esta e outras reportagens na versão eletrônica da Primeira Região em Revista.

    Assessoria de Comunicação Social
    Tribunal Regional Federal da 1ª Região

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