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4 de Maio de 2024
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    Especialistas debatem (In)Tolerância Religiosa em evento da PGE-RS e Esapergs

    Com o auditório do Centro Administrativo do Estado repleto de mães de santo, pais de santo, integrantes da PGE e representantes de movimentos sociais, a 10ª edição do Ciclo de Debates Direito e Política, promovido pela Procuradoria-Geral do Estado em parceria com a Escola Superior de Advocacia Pública (Esapergs), debateu a (In) Tolerância Religiosa na noite de terça-feira (17) durante quatro horas.

    O evento contou com a palestra da Coordenadora do Comitê de Diversidade Religiosa da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Marga Ströher, e teve como debatedores a Médica e Assessora da Saúde da População Negra da Secretaria da Saúde de Embu das Artes (SP) e iniciada no Candomblé de Angola, Regina Nogueira, e o Juiz de Direito do Rio Grande do Sul Roberto Arriada Lorea.

    O Procurador-Geral do Estado, Carlos Henrique Kaipper, fez a abertura da atividade saudando os presentes e observando que a PGE chegou na 10ª edição do Ciclo de Debates Direito e Política retomando discussão que envolve interesses da comunidade afrobrasileira. Em edições anteriores do evento, já tinham sido tratados temas como a regularização dos territórios quilombolas e a política de cotas raciais. "Milhões de pessoas são vítimas de conflitos e guerras que envolvem a intolerância religiosa. É um tema mundial e, também no Brasil, no Rio Grande do Sul em especial, as religiões vítimas dessa intolerância são principalmente aquelas de matriz africana", disse Dr. Kaipper.

    Dr. Kaipper acrescentou ainda que "a PGE, ao propor tais debates, não faz mais que sua obrigação, eis que está contribuindo para a reparação à comunidade negra por séculos de exploração e discriminação que persistem até os dias de hoje".

    Dr. Kaipper agradeceu o empenho da Comissão de Direitos Humanos da PGE, por meio do assessor Gleidson Dias, para a realização deste debate, ressaltando que a Comissão recebe muitas denúncias de violação de direitos humanos envolvendo a intolerância religiosa.

    A representante da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Marga Ströher, observou que a intolerância religiosa não é uma situação que surgiu nas últimas décadas, mas parte de um processo de colonização onde a intolerância religiosa sempre esteve presente. "O referencial europeu, branco, masculino foi colocado como referencial de cultura, de relação social e religiosidade também", pontua. A especialista observa que é preciso trabalhar a descolonialidade: o racismo, o sexismo e o preconceito religioso. "É preciso encarar esse processo de colonização que tenta se impor como normatizador das relações, ou vamos perder a democracia que construímos com muito suor", alerta.

    Marga também fez referência aos tipos de violência praticados nas escolas - pelo ensino religioso quando se omitem as religiões de matriz africana - e o pacto de silêncio observado na imprensa com relação aos inúmeros casos de violência e discriminação.

    A Médica e Assessora da Saúde da População Negra da Secretaria da Saúde de Embu das Artes, Regina Nogueira, salientou que a intolerância religiosa é um crime globalizado embasado não pela fé, mas por uma disputa de poder político. Ela criticou as desapropriações de áreas onde estavam instalados terreiros para a construção de estádios para a Copa do Mundo no Brasil. "Tirar o nosso território para fazer estádio da Copa é desterritorializar a nossa crença", afirma.

    Regina ainda observou que o povo de terreiro não quer liberdade apenas para a expressão religiosa, mas para expressar a sua cultura e o seu saber.

    O Juiz de Direito Roberto Arriada Lorea falou sobre laicidade e o Estado laico. "As pessoas mais interessadas na defesa do Estado laico são aquelas com alguma vivência religiosa, porque é o Estado laico que garante este direito de expressão", explica o Magistrado. "A complexidade de administrar esse direito é o que nos leva a este debate", complementa.

    A laicidade é um regime de convivência em que as instâncias públicas são regidas pela soberania popular. "O Estado laico não deve ter um símbolo religioso porque ele não deve se associar a uma religião. O Estado é neutro. Não deve afirmar a existência de Deus, nem negá-la", afirmou Dr. Lorea.

    O evento contou com a presença das participantes do IV Encontro Nacional de Mulheres de Axé. "Eu sou Procurador do Estado e frequento este auditório há 20 anos e confesso que nunca tive uma visão tão bonita como a que temos hoje, com este colorido e esta energia especial que vocês trouxeram", elogiou Dr. Kaipper ao final do Ciclo de Debates.

    Também estiveram presentes o Diretor-Presidente da Esapergs, Procurador do Estado Eduardo Cunha da Costa, que compôs a mesa principal; o Coordenador da Comissão de Direitos Humanos da PGE-RS, Procurador do Estado Carlos César D'Elia; o Coordenador da Procuradoria de Informação, Documentação e Aperfeiçoamento Profissional (Pidap), Procurador do Estado Ernesto Toniolo; o integrante da CDH/PGE, Procurador do Estado Silvio Jardim; a Vice-Presidente da Associação dos Procuradores do Estado do RS, Procuradora do Estado Fabiana Azevedo da Cunha Barth; a representante do Gabinete da Deputada Estadual Ana Afonso, Annie Cruz; o representante do Fórum da Diversidade e Marcha Zumbi, José Antônio Santos; a representante do Comitê do Povo de Terreiro do Gabinete do Governador do Estado Yá Sandra Lee; o representante da Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde (Renafro), Baba Diba de Iemanjá; representantes da Comitiva de Mulheres de Axé de Londrina, São Paulo, Acre, Piauí, Maranhão e Rio de Janeiro; Procuradores do Estado, Servidores da PGE-RS e demais representantes de religiões de matriz africana.

    Incidente reforça importância do tema em discussão

    Na abertura das manifestações do público, o Coordenador da Comissão de Direitos Humanos da PGE, Procurador do Estado Carlos César D'Elia, fez uma denúncia de ato de intolerância religiosa ocorrido nas dependências do Centro Administrativo do Estado na noite do debate (17).

    O Ciclo de Debates contava com cerca de 50 mulheres de axé. Uma funcionária de empresa terceirizada responsável pela limpeza dos banheiros se referiu às mães de santo presentes no evento como "coisa do diabo, vou ter que esterilizar tudo amanhã".

    Conforme Dr. D'Elia, "a PGE, pela CDH, adotará todas as providências necessárias e administrativas para apuração do fato. Este episódio retrata a triste realidade brasileira de intolerância religiosa".

    O Coordenador da CDH enfatizou que "o desafio da PGE é trazer temas como este para discussão e apontar que a Advocacia de Estado deve ser feita na perspectiva da defesa dos direitos fundamentais e dos direitos humanos".

    Manifestações do público clamam por reconhecimento

    Foram no total 14 inscritos, onde a tônica das intervenções foi o pedido de respeito às religiões de matriz africana. Todos parabenizaram a iniciativa da PGE e a Esapergs e a coragem em propor debate dessa envergadura.

    Segundo o integrante da CDH Procurador do Estado Silvio Jardim, é preciso aplicar a eficácia da lei. "A religião hoje é um instrumento que contribui para que o ser humano encontre seu caminho. É preocupante constatarmos fundamentalismo de toda ordem em toda parte." Acrescentou que sem a mobilização e sem a unidade das pessoas a intolerância religiosa não será vencida e o Estado laico não será concretizado na sua essência.

    O Assessor da CDH Gleidson Dias, em sua fala, disse acreditar que "já estamos vivendo uma guerra santa, de forma camuflada, como o racismo". Pediu o fim da isenção fiscal dada às igrejas e que o espaço na mídia seja dado de forma proporcional a todas as religiões. Ainda citou caso de denúncia feita ao Ministério Público Estadual contra mãe de santo por sacrifício de animal no terreiro. A denúncia foi arquivada após trabalho de esclarecimento da CDH e entidades de religião de matriz africana junto aos promotores de justiça.

    José Antônio Silva, do Movimento Negro Unificado, perguntou o que se pode fazer contra Câmaras de Vereadores que aprovam leis para iniciar as sessões legislativas com uma reza, uma oração. Enfatizou ainda que falta um projeto político pedagógico, que coloque a Lei 10.639 (de 9 de janeiro de 2003, que altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática"História e Cultura Afro-Brasileira", e dá outras providências) nas salas de aula.

    As mães de santo e pais de santo, em suas manifestações, destacaram o preconceito que sofrem quando vestem a indumentária da religião de matriz africana, denunciaram ameaças de que são vítimas, a destruição dos terreiros, roubos e agressões físicas, o despreparo dos atendentes do Disque 100 para receber denúncias de intolerância religiosa e a falta de políticas públicas para garantir o tratamento igualitário com as demais religiões. Também entregaram documento dirigido à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República requisitando medidas protetivas à Mãe Naura, do Acre, que está sofrendo perseguições e ameaças de morte. Denunciaram os acordos políticos que alçaram o Deputado Federal Marco Feliciano (PSC) à presidência da Comissão de Dirietos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados. Como sugestões, pediram a criação de Delegacia Especializada em Crimes de Racismo e Intoelrância Religiosa e a articulação da PGE-RS com as demais Procuradorias-Gerais dos Estados a fim de difundir a prática de discussão de temas que envolvem direitos humanos, em especial os que tratam de intolerância religiosa.

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