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28 de Maio de 2024
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    Estado Islâmico frente aos Tratados Internacionais

    Publicado por Bruno Teixeira
    há 3 anos

    O Estado Islâmico do Iraque e da Síria (E.I) é uma organização terrorista jihadista de orientação islâmica ortodoxamente sunita, que, através de propagandas super produzidas, apoio de outros grupos terroristas e comunidades adeptas ao extremismo islâmico, conseguiram um grande número de adeptos de 2004 a 2016 com a intenção de dominação do mundo árabe e criação de um grande califado extremista através de guerras e conflitos contra aqueles que se posicionarem de forma contrária ao islã, dominando territórios no Iraque e na Síria e formando o califado. O grupo, que autoproclamara seu califado com capital na cidade de Mossul, ao norte do Iraque, já possuiu controle em locais sírios como Alepo, Raqqa, Deir Al-zor e, no Iraque, além da cidade principal supracitada, o grupo também dominava o território de Kirkuk, e, com diversas tentativas e constantes conflitos que iam desde o oeste do Líbano ao nordeste Iraquiano, possuindo um território equivalente ao tamanho da Inglaterra. Põe-se, contudo, que o Estado Islâmico pode ser definido melhor como uma ideologia extremista, e que um dia ja possuiu um autoproclamado califado ilegítimo sob a concepção da ONU.

    O Estado Islâmico surge inicialmente com o nome de Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL) após a invasão do Iraque pelos Estados Unidos em 2003, que após um conflito armado de 21 dias de duração, conseguiu dar fim ao regime ditatorial de Saadam Husseim, que governou “com mão de ferro” de 1979 a 2003, porém, a derrota do ditador baathista despertou o sentimento de discriminação e marginalização juntamente ao desejo de vingança por parte dos islâmicos sunitas radicais (vários ex-funcionários e ex-líderes da ditadura de Husseim) que se presenciaram em total desamparo, iniciou-se, assim, a construção de vários grupos terroristas e ocorreram encontros de sunitas ortodoxos com antigos baathistas, principalmente na síria, com a intenção de unirem-se a uma causa comum, sendo essa, a criação de um Estado independente, confessional e que beiraria à teocracia. Dessa forma, o Estado Islâmico, em seu conceito inicial, apresenta-se como uma ideologia de um Estado dominante, em que todos são adeptos ao sunismo ortodoxo, que acreditam e apoiam o jihad aspirando à uma dominação mundial.

    O Estado Islâmico ganhou popularidade com suas diversas participações em diversos conflitos no mundo árabe, e, principalmente, na Guerra Civil da Síria em 2011 que culminou diretamente para a autoproclamação de dominação de territórios sírios (conforme supracitado) em 2014, no mesmo ano, o grupo também dominará a cidade de Mossul, terceira maior cidade Iraquiana a qual autodenominaram como “capital do califado do Estado Islâmico”, isto é, uma forma de governo monárquico sem hereditariedade, pautado na teocracia islâmica, com as leis predominantes sendo as da Xaria (ou Sharia, nas traduções mais originais), com seu “califa”, na época, o líder do E.I, Abu Bakr Al-Baghdadi. Em Mossul, durante o período de dominação, destruíam e vendiam diversos registros históricos e esculturas e interceptavam o comércio de Petróleo para que criassem um comércio próprio e clandestino, sendo assim, um dos anos que o grupo terrorista teve mais força por possuir recursos financeiros para aprimoramento bélico e formação de diversas propagandas maliciosas que instigaram a um grande número de adeptos estrangeiros os quais vários aceitaram ser convertidos ao Islamismo.

    A Sharia, destarte, pode ser classificada como o conjunto de leis islâmicas primordial e fundamentalmente pautadas pelos ensinamentos no Corão (o livro sagrado do Islamismo) e da Suna, ou Sunna (livro que conta as trajetórias, ensinamentos e pensamentos de Maomé), com normas que tutelam aspectos penais, cíveis, trabalhistas e de como portar-se na sociedade de tal forma que guiam o cidadão no caminho correto para que sejam abençoados. Para que a subjetividade e a não-conformidade com a atualidade não interfira no pleno funcionamento da sharia, utilizam-se os métodos jurisprudenciais, denominado fiqh, que consiste na interpretação das leis da Sharia para adequar-se aos casos. Apesar de apresentar semelhanças tanto com o civil law e, ainda mais, com o common law, a Sharia apresenta-se como um sistema jurídico alternativo, utilizado em diversos países árabes, mas que, no Estado Islâmico, não permite quase nenhuma mutação, mesmo que pela fiqh, tornando-se um sistema retrógado e que reflete apenas a ideologia extrema do sunismo ortodoxo, pautado em diversas ideias que desrespeitam os direitos humanos, como refletido pela jihad.

    A jihad, não obstante, está presente no Corão em diversas passagens, porém, pode apresentar duas grandes interpretações, segundo Ahmed Al-Dawoody, doutor em direito internacional, em seu livro "The Islamic Law of War: Justifications and Regulations" expõe que as divisões são em “jihad maior” e em “jihad menor”. Conceitua-se, por conseguinte, o conceito utilizado pelos crentes da religião abraâmica que não concordam com o extremismo, descrevem a jihad (jihad maior) como a luta interior do muçulmano contra os vícios da sociedade, vivendo conforme as diretrizes de seu profeta Muhammed, já que agindo assim, ficaria livre dessas atitudes erradas que o afastariam do caminho para a Jannah, isto é, o denominado paraíso da religião islâmica. Para os sunitas ortodoxos e outras vertentes mais extremas do islamismo, o conceito de “jihad menor” é o mais aceito, isso pois, segundo o autor supracitado, configura-se como o expurgo dos não-muçulmanos através da luta, da guerra e de diversos outros meios que consistem no assassinato em massa e a promoção da “guerra santa”.

    Nesse ínterim, faz-se mister salientar que, tanto a sharia, quanto o jihad são conceitos do islão que ao receberem uma determinada interpretação, podem convergir ou divergir dos acordos internacionais, principalmente no que tange ao respeito aos direitos humanos, a livre diversidade religiosa e diversas outras garantias fundamentais, de tal forma que: países que apresentam sofisticação e adaptação jurídica, concomitante com o não-extremismo religioso podem possuir um ordenamento jurídico pautado na xaria e ideias jihadistas individuais (sendo essas, as que adotam o conceito de “jihad maior”), não somente são aceitos pela comunidade internacional como desejam participar de seus acordos, v.g Emirados Árabes Unidos, Catar, Iraque, Jordânia, que são Estados-Membros da ONU e vários adotam tratados como a DUDH (Declaração Universal de Direitos Humanos) e a ICERD (Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial). Esse conceito de conciliação entre o direito islâmico e as normas internacionais públicas foi incialmente teorizado por Muhammad Shaybani Khan em sua obra Introdução ao Direito das Nações, escrita ao fim do século VIII, em que formula o termo siyar para descrever as normas internacionais junto ao direito islâmico, que refletiram positivamente para o sucesso de acordos de paz firmados entre Israel com o Egito e a Jordânia nos últimos anos.

    Já os países e grupos que não aceitam mutação do Direito Islâmico e pautam-se sempre sobre um viés extremo, acreditando em uma jihad que acompanha necessariamente o genocídio e o extermínio dos não-crentes ao islamismo (ou seja, os que adotam o conceito de “jihad menor”), apresentam diversos atritos com a aceitação dos tratados internacionais, tanto pela discordância óbvia acerca do respeito a diversidade religiosa, dignidade humana e outras vários temas que desrespeitam aos direitos humanos, quanto pela incompatibilidade de aceitação quanto a maior de outra ordem jurídica, ou seja, a xaria possui "força autorizante" coercitiva em âmbito normativo por ser estritamente ligada a religião Islã. Dessa forma, o povo muçulmano acredita que a sua norma fundamental (consoante com a teoria kelseniana) é posta por Alah, assim, o ordenamento internacional não pode ter coercibilidade sobre eles, já que não há nada que possa ser mais impositivo e legítimo do que sua lei sagrada, e é esse o viés jihadista extremo aderido pelo Estado Islâmico.

    Mas como um grupo terrorista não ocidental tem ganhado tanta força e seguidores, sendo que a mídia tradicional não dá tanta repercussão aos crimes e atrocidades cometidos pelo ISIS? A resposta está em um pequeno detalhe crucial ao E.I, que, talvez se o mesmo fosse criado em outro período da história, não conseguiria o mesmo impacto, já que ele se prolifera pelas internet, em específico pelas redes sociais, como Twitter, Facebook e afins. Nos tempos atuais em que cada vez mais a sociedade torna-se mais orgânica e complexa, conforme a teoria sociológica Weberiana, e as redes sociais são uma grande fatia do que tornam os cidadãos complexos e conectados uns com os outros, já que hoje pode-se facilmente comunicar com pessoas do outro lado do planeta em frações de segundos e isso possibilitou ao ISIS um fenômeno de viralização por postagens e vídeos, seja recrutando novos membros ao clã ou para repercutir suas atrocidades, como assassinato a sangue frio de prisioneiros de guerra.

    É com o sacrifício e pedido de resgate dos prisioneiros de guerra, normalmente soldados do Exército Americano, que o ISIS ganha dinheiro para a produção de novos vídeos que serão postados em suas redes sociais, segundo o documentário Estado Islâmico Máquina do Terror (Alexis Marant), o grupo também recebe diretores de cinema que não obtiveram sucesso na indústria cinematográfica de Hollywood que acabam se aliando ao ISIS para a produção de mídias visuais para a propaganda. E ainda segundo o documentário, eles contam com grandes estúdios, materiais e equipamentos de alto nível de tecnologia e qualidade, sempre buscando que as filmagens se pareçam com os filmes hollywoodianos da ficção, filmes de ação com bombas, explosões, assassinatos e guerras. Todavia as gravações não são fictícias, não são efeitos especiais, o ISIS se prontifica em matar e torturar aqueles que nas filmagens são tidos como “não-aliados”, soldados ou civis que se tornaram prisioneiros, para propagar a mensagem de ódio e intolerância via internet.

    Em meados de 2014, o presidente Barack Obama declara guerra ao Estado Islâmico e financia os exércitos da Síria e do Iraque na tentativa de conter o grupo terrorista, com ajuda do exército britânico. Posteriormente em 2016 se iniciou a Coalizão Internacional contra EI, que foi presidida pelo Ministro das Relações Exteriores da Itália (Paolo Gentiloni) e pelo secretário de Estado dos EUA (John Kerry), os primeiros encontros tiveram a participação de países como a Arábia Saudita, Austrália, França, Reino Unido, Nova Zelândia, Holanda, Kuwait, Noruega, Egito, Qatar, Suécia, Canadá, Bélgica e entre outros. Essas reuniões tiveram o intuito de fazer um balanço sobre as operações dos anos anteriores e detectar possíveis falhas que estavam ocorrendo em combate, o que anos depois resultou em sucesso à Coalizão, fazendo com que o ISIS perdesse vários espaços conquistados. Por fim, em 2019, em uma batalha feita pelo exército iraquiano junto ao exército americano para dar fim aos últimos combatentes do autoproclamado califado do Estado Islâmico, o grupo terrorista jihadista e sunita ortodoxo não resistiu e perdeu seu último território, sendo assim, o fim do “califado”, porém não o fim da ideologia radical que ainda permeia em diversas regiões no mundo todo.

    Referências Bibliográficas:

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    Este presente texto é decorrente de uma trabalho universitário realizado pelos alunos da turma de Direito Internacional Público do 3º Período do Curso de Direito da Faculdade Mineira de Direito (FMD), da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MINAS), do ano de 2021.

    Grupo: Ana Luíza Carvalho Lopes, Bruno Vinícius F. Teixeira, Iara Freitas Torquato, Isis Vitória Aguiar Madeira e João Henrique de Oliveira Araújo.

    • Sobre o autorGraduando Em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
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    Excelente conteúdo!!!! continuar lendo