“Execução deve ser processada administrativamente, não pelo Judiciário"
Se os casos em que não há litígio fossem solucionados por vias extrajudiciais, como cartórios, a eficiência do Judiciário aumentaria, e o tempo de duração dos processos cairia. Essa é a opinião do desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo Henrique Nelson Calandra. Para fortalecer seu argumento, ele cita as incontáveis execuções fiscais que tramitam nos tribunais brasileiros.
“Pouca gente sabe que, pela Justiça Estadual, tramita mais de R$ 1 trilhão em execuções fiscais federais. As execuções fiscais municipais somam um volume de milhões e milhões de causas", diz ele."Esse tipo de processos em que não há litígio, que na verdade são um cobrança de dívida ativa, há muito já deveria ter sido removido da órbita do Poder Judiciário. Essas execuções deveriam ser processadas administrativamente”, afirma Calandra.
Como exemplo de matéria que foi satisfatoriamente retirada da alçada do Judiciário, o desembargador cita a possibilidade de casais sem filhos se separarem em cartório, instituída em 2007. Nessa situação, o procedimento pode ser concluído no mesmo dia, dependendo do caso, liberando os tribunais de conduzirem milhares de processos do tipo.
Em entrevista à revista eletrônica Consultor Jurídico, Calandra – que foi presidente da Associação Paulista de Magistrados (Apamagis) e da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) – criticou a remuneração e as condições de trabalho dos juízes brasileiros, algo que, na sua opinião, também contribui para a morosidade judicial. Segundo o desembargador, é preciso valorizar a permanência na carreira, com aumentos progressivos de salário, e diminuir a carga de trabalho – de acordo com ele, de “no mínimo, dez, 12 horas por dia”. Caso mudanças não sejam feitas, os jovens deixarão de se interessar pela magistratura, afirma.
Prestes a se aposentar – o que ocorrerá até julho, quando completa 70 anos -, o ex-presidente da AMB reviu sua trajetória profissional, relatando a convivência com o ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, enumerando as comarcas onde julgou conflitos e discutindo o impacto de suas decisões na vida das pessoas.
Leia a entrevista:
ConJur — Qual é a visão do senhor, hoje, da Justiça brasileira?
Nelson Calandra — A justiça brasileira, dentre todos os países ao nosso redor, é aquela que tem melhor estrutura e melhor garantia. Porque na América Latina, infelizmente para nós, alguns vizinhos do Brasil adotaram uma teoria de que todos aqueles que não estão de acordo com o regime estabelecido estão conspirando e, de algum modo, pretendem destruir o estado de coisas que ali está. Quando o Estado é totalitário, é um Estado que viola direitos de jornalistas, direitos de juízes, direitos de qualquer cidadão, nosso posicionamento há de ser sempre crítico. E eu que fiz parte de um monte de movimentos de magistrados na América Latina, assisto como que perplexo a situação, por exemplo, da Venezuela, da Argentina, onde ferramentas constitucionais são ferramentas para oprimir aqueles que divergem do pensamento, daqueles que, de algum modo, conseguiram dominar o poder. É fácil ser, entre aspas, “democrático”, sem ser verdadeiramente democrático. A democracia, a república, ela exige compromisso com o respeito a todos aqueles que divergem. Talvez um dos dias mais tristes da minha existência foi o dia quando eu assisti no noticiário o que ocorre, por exemplo, na Turquia. Jornalistas presos, jornalistas constrangidos.
ConJur — Como o senhor avalia a atuação do Conselho Nacional de Justiça no aprimoramento do Judiciário brasileiro?
Nelson Calandra — O Judiciário brasileiro, comparado com outros, está muito bem, em que pese alguns exageros do Conselho Nacional de Justiça na sua implantação e, depois, nas gestões de alguns corregedores e de alguns presidentes de tempos atrás, que não olharam para o CNJ como uma ferramenta de melhora, de aprimoramento do Poder Judiciário, mas como uma ferramenta para localizar juízes que tenham errado na profissão. E vi também constrangido, em muitos casos, que, felizmente o Supremo Tribunal Federal reverteu, de juízes punidos porque haviam exercido as suas funções. Às vezes o alarido local, pressão política, deu acento àquilo que deveria ser a imparcialidade do órgão de controle administrativo do Poder Judiciário, que, em vez de controlar a administração, acaba ingressando no mérito. No Pará, dois, três casos que eu acompanhei de colegas, entidades que, ao invés de ingressar com recurso, ingressaram com recurso no CNJ e colegas foram punidos pela espetacularização da notícia, como aconteceu com a colega Clarice Andrade em Abaetetuba, no Pará [condenada pelo CNJ à aposentadoria compulsória por ter ordenado a prisão de uma menor em uma cela masculina, em 2007], como aconteceu em outros casos onde as pessoas, ao invés de recorrer ao Judiciário, como fazem normalmente os advogados, recorre...
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