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17 de Junho de 2024
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    Fux e a inconstitucionalidade flutuante: o financiamento de campanhas políticas

    Publicado por Justificando
    há 7 anos

    Em entrevista concedida ao jornalista Roberto D’Avila em agosto de 2017, o Ministro Luiz Fux afirmou que, não obstante ter sido o relator do caso sobre financiamento de campanha no Supremo Tribunal Federal, agora entende ser possível a doação por pessoa jurídica de direito privado. Uma única condição foi levantada: “desde que ela o faça por sua própria ideologia.”

    Segundo o ministro, o que o STF buscou coibir com o julgamento da ADIn n. 4.650 era a prática reiterada de doações por empresas a diversos candidatos que concorriam no pleito eleitoral. Ressalta que era comum que uma mesma pessoa jurídica financiasse diversos candidatos, ainda que estes fossem filiados a partidos políticos antagônicos: faltava ideologia, sobrava troca de favores.

    Durante a tramitação da ação proposta pelo Conselho Federal da OAB, o ministro, em sua condição de relator, convocou uma audiência pública para tratar do assunto. Naquela oportunidade diversas autoridades na matéria, incluindo a autora que assina o presente artigo, alertaram para a falta de substrato constitucional no pedido formulado.

    Embora o princípio da máxima igualdade na disputa eleitoral seja um elemento estruturante do quadro constitucional, o então sistema misto de financiamento de campanhas não contrariava a Constituição. Nada em seu texto e em suas normas permite reconhecer a incompatibilidade material da doação por empresas para campanhas e partidos. As pessoas jurídicas, ao contrário, são titulares de interesses legítimos que não se confundem com os de seus sócios e podem, dentro dos limites da legalidade, influenciar a promoção de políticas públicas que as beneficiem – bem como, em sentido oposto, se posicionar contra aquelas que as desfavoreçam.

    O que existia, e ainda existe, é uma falha administrativa do Estado em não controlar as transferências de valores entre atores privados e atores públicos e os contratos administrativos. A solução adequada seria promover um sistema de prestação de contas mais eficiente e fazer cumprir as normas de licitações e contratos públicos. A implementação dessa solução, entretanto, passa ao largo da jurisdição constitucional do STF; a promoção de mudanças político-jurídicas dentro da seara eleitoral está para além de suas competências.

    E nem se alegue uma potencial legitimação democrática dos ministros em razão da judicialização da política. Discutir qual é o melhor modelo de financiamento de campanha ou buscar aperfeiçoar as regras do jogo democrático em sede judiciária é ir muito além da judicialização. O STF não pode decidir sobre como tornar a política “melhor” de acordo com seus próprios critérios de moralidade. O fórum eleito pela Constituição para esse debate é o parlamento.

    Em que pese todos os argumentos contrários levantados pelos estudiosos do direito e da política – e a ausência de modelo constitucional de financiamento da política –, os ministros resolveram deixar o pragmatismo falar mais alto. As teses jurídicas foram diminuídas e as consequências políticas prevaleceram: o STF construiu, vacilante, uma “inconstitucionalidade” por imoralidade.

    Um dos principais pontos levantados pelo Ministro Fux durante o julgamento da ADIn n. 4.650 foi sobre a possibilidade das pessoas jurídicas influírem no processo eleitoral enquanto participantes da cidadania. Para o ministro, ao menos naquela época, as empresas tão somente distorciam o processo eleitoral, fazendo com que aqueles que concentram mais recursos gozem de maior probabilidade de êxito nas eleições. Assim, o STF disse, sem maiores fundamentos constitucionais, que as pessoas jurídicas não possuem um interesse legítimo em participar do processo eleitoral.

    Cabe lembrar ao leitor que a Constituição utilizada pelo STF como parâmetro para o julgamento daquela ação é a mesma que agora parece autorizar o financiamento por empresas, ao menos para o ministro relator, e respeitando, é claro, a condição da “ideologia” política da pessoa jurídica, o que quer que isso possa significar (talvez tenhamos que esperar nova manifestação constituinte da Corte). O texto constitucional não mudou, nem se passou tanto tempo. O controle de constitucionalidade, para o Supremo (ou, ao menos, para alguns de seus membros), tornou-se um instrumento com reflexos flutuantes e instáveis, algo móbile e fluido, adaptável para qualquer argumento pragmático, ainda que pouco adequado para fundamentação jurídica.

    O que mudou, então, para justificar a nova leitura do Ministro Fux? A questão parece estar nos efeitos colaterais da decisão. A reforma política bateu à porta, mais uma vez. O Brasil já se acostumou, as regras do jogo estão sempre mudando. É mais fácil alterar a legislação do que enfrentar o problema. É mais fácil julgar a doação por empresas inconstitucional do que levar a sério a prestação de contas. Tudo continua igual. A tônica sempre foi a instabilidade e o eterno retorno à mudança legislativa.

    O Ministro Fux, que também atua no TSE, parece ter percebido o que deveria ter levado em conta anos antes. O diálogo institucional falhou. Quando o diálogo entre o Supremo e a sociedade deixa a desejar, sobra espaço para os poderes individuais dos ministros. E agora, valendo-se dessa prerrogativa nada democrática nem republicana, reconhece o erro e pede para ser provocado a corrigi-lo.

    O ministro subestimou as necessidades partidárias. A frase de Oliver Wendell Holmes é exemplar: “A mente do homem, uma vez ampliada por uma nova ideia, jamais retorna à sua dimensão original.” Tal como a mente do homem, o caixa dos partidos políticos, uma vez ampliado por maiores quantias de dinheiro, jamais retorna à sua dimensão original. A classe política, inevitavelmente, iria achar outro meio de suprir suas necessidades, era apenas uma questão de tempo e oportunidade. Achou, segundo o substitutivo da PEC 77 aprovado na Comissão de Reforma Política da Câmara dos Deputados, no orçamento público.

    Falar em “revisão” da decisão do Supremo é um acinte. A Constituição já não importa para o seu auto-denominado protetor máximo. A irrelevância das decisões constituintes é reafirmada a cada decisão, a cada entrevista. Em face da nova “interpretação”, e retomando o argumento do voto do Ministro Fux na ADIn quanto ao princípio da isonomia entre empresas e demais pessoas jurídicas, talvez passe a ser considerada inconstitucional a vedação de doações por sindicatos e entidades religiosas (ou essas pessoas jurídicas não possuem “ideologia”?), mas nunca se sabe. Em relação ao Supremo Tribunal Federal, até o passado é incerto.

    Eneida Desiree Salgado é Professora de Direito Constitucional e Eleitoral na Faculdade de Direito da UFPR.

    João Victor Archegas é Graduando da Faculdade de Direito da UFPR. Bolsista de Iniciação Científica.

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