Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
8 de Maio de 2024
    Adicione tópicos

    Governo quer que pequeno traficante não vá para cadeia

    Publicado por OAB - Rio de Janeiro
    há 15 anos

    Mudanças na lei antidrogas que serão propostas pelo governo ao Congresso, até o fim do ano, vão livrar os pequenos traficantes da cadeia. Quem for flagrado pela polícia vendendo pequena quantidade, estiver desarmado e não tiver ligação comprovada com o crime organizado será condenado a penas alternativas. Com as inovações na Lei 11.343, que instituiu o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas, o governo pretende evitar que essas pessoas sejam cooptadas, nos presídios, por facções criminosas, além de permitir que a polícia concentre o trabalho de repressão nos grandes traficantes e no crime organizado, conforme adiantou o secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Pedro Abramovay.

    Da forma como foi aprovada a atual legislação, quem trafica pequena quantidade pode ter uma condenação abrandada, chegando ao mínimo de 1 ano e 8 meses de prisão, mas essa penalidade não pode ser convertida em pena alternativa. A análise de 9.252 ocorrências que resultaram na prisão de traficantes na capital paulista entre 2007 e o primeiro semestre deste ano mostra, por exemplo, que nove em cada dez traficantes em São Paulo são presos com menos de 1 quilo de maconha, 500 gramas de cocaína ou 50 gramas de crack, conforme o Estado revelou no dia 4.

    "Precisamos trabalhar uma mudança na lei para que as pessoas que se envolvem esporadicamente com as drogas e não têm relação com o crime organizado cumpram penas alternativas", afirmou Abramovay. "Isso não é nenhuma questão de bondade ou de leniência com o tráfico. É uma questão de estratégia", argumentou.

    Dados de uma pesquisa da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Universidade de Brasília (UnB), financiada pelo Ministério da Justiça, mostram que 66,99% dos presos por tráfico de drogas são réus primários e apresentam bons antecedentes. Em 60% dos 103 casos analisados em dois anos pelos pesquisadores, somente uma pessoa é acusada pelo crime de tráfico, ou seja não existe uma associação clara com um grupo criminoso. Pessoas com esse perfil, no período em que ficam presas, ou à espera de julgamento, ou quando já condenadas, acabam arregimentadas no presídio por organizações criminosas para, quando deixarem a cadeia, continuarem a traficar - mas quantidades maiores.

    Especialistas apoiam pena proporcional e individual

    Especialistas possuem opiniões discordantes sobre a mudança. Uma turma apoia as penas alternativas para os pequenos traficantes como uma punição mais razoável e proporcional. "Hoje, os presos, em geral, não são os que financiam o tráfico", afirma a advogada criminalista Sonia Drigo, consultora do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim). "Quem acaba na cadeia costuma ser o criminoso pequeno, que vende drogas como uma forma de sustentar o próprio vício ou como meio de sobrevivência. É preciso, então, individualizar a pena."

    Para os entusiastas da medida, abrandar a punição também evita que criminosos primários se misturem com bandidos mais perigosos. "O ambiente prisional brasileiro é da pior qualidade e, muitas vezes, piora o quadro de um traficante eventual que acaba preso", afirma o coronel da reserva da Polícia Militar José Vicente da Silva Filho, ex-secretário nacional de Segurança Pública. Para ele, penas alternativas seriam mais eficientes. "É melhor tratar em uma clínica um viciado que comercializa drogas ou recolocar o sujeito na sociedade", diz.

    Do outro lado, críticos da mudança defendem que abrandar as penas incentiva o crescimento do tráfico. "O criminoso de grande porte vai aproveitar a situação para espalhar a droga, uma vez que os pequenos que trabalham para ele não serão punidos corretamente", analisa o professor de Sociologia Luís Flávio Sapori, coordenador do Centro de Estudos em Segurança Pública da PUC de Minas Gerais. "O traficante, seja pequeno ou grande, entra no mundo do crime com a única intenção de lucrar e melhorar suas condições financeiras."

    Sapori acrescenta que todos os traficantes devem ser tratados rigidamente para combater o crescimento desse mercado ilegal. "É muito inocente pensar que venda de drogas é estratégia de sobrevivência ou forma de alimentar um vício. Penas brandas serão levadas como ridículas pelos bandidos", analisa. O sociólogo ainda afirma que a medida vai ser usada como arma pelo tráfico para consolidar a posição na sociedade. "O crime organizado domina territórios e confronta o Estado", diz Sapori. "Suavizar o combate a esses delinquentes só vai fortalecê-los e incentivá-los a construir seu poder bélico e o governo paralelo que instalam. É preciso punir com rigor os traficantes."

    Entusiastas da mudança não concordam com a visão do sociólogo. "Propor penas alternativas enfraquecerá o grande criminoso, que ganha muito com as vendas de drogas no Brasil e no exterior" , rebate Sonia Drigo. "Uma mudança desse tipo na legislação ainda fará a polícia atuar mais para levar os financiadores do crime para a cadeia, no lugar do indivíduo que só leva a droga. Preservará também os direitos humanos dos pequenos, aplicando penas coerentes ."

    STJ nega liberdade em 80% dos casos

    Outro ponto da lei antidrogas que deve ser alterado, a depender da vontade do governo, é o artigo que impede que pequenos traficantes aguardem em liberdade o julgamento. Uma pessoa acusada de homicídio pode se beneficiar da liberdade provisória. Mas aquele que vende cinco trouxinhas de maconha, por exemplo, está obrigado a ficar preso até o fim do processo. Além dessa incoerência, o governo considera que essa medida pode, futuramente, ter a constitucionalidade contestada no Supremo Tribunal Federal (STF). Hoje, pelo Código de Processo Penal, a manutenção da prisão em flagrante ou preventiva deve ser devidamente justificada pelo juiz responsável pelo caso.

    Apesar dessa análise, as Cortes superiores têm optado por manter a lei na íntegra. Em 80% dos casos que chegaram ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), solicitando a concessão de liberdade provisória, o benefício acabou negado pelos ministros. "A maioria das decisões, em dois anos de acórdãos pesquisados, repisou o mesmo argumento: a vedação legal da lei de drogas impossibilita a revogação da prisão provisória do sujeito criminalizado", esclarece pesquisa da Universidade Federal do Rio (UFRJ) e da Universidade de Brasília (UnB), financiada pelo Ministério da Justiça.

    O Ministério entende que condenar esses traficantes considerados pequenos à pena de prisão acaba por fortalecer o tráfico."O que estamos fazendo com a maior parte deles, e hoje são 80 mil, é entregá-los de mão beijada para o crime organizado, depois de um ano e pouco que passam na prisão. Isso está equivocado" , disse o secretário de Assuntos Legislativos, Pedro Abramovay. "Temos de restringir a atuação da polícia e o sistema penitenciário para os grandes traficantes. Para os pequenos temos de dar outra abordagem."

    Com as medidas que devem ser analisadas ainda neste ano pelo Congresso, o governo planeja começar a mudar uma tendência preocupante nos presídios brasileiros: o aumento nas detenções por tráfico. O crime aparece como segunda principal causa de condenação no País - só perde para os chamados crimes envolvendo patrimônio: roubo e furto.

    Mesmo assim, a repressão não tem levado a um combate efetivo. Levantamento do Grupo de Atuação Especial de Repressão e Prevenção aos Crimes Previstos na Lei Antitóxicos (Gaerpa), do Ministério Público de São Paulo, obtido com exclusividade pelo Estado, revelou no dia 4 o mapa do tráfico paulistano. A principal constatação é de que, apesar do aumento no número de prisões e apreensões de drogas, os criminosos estão espalhados por 92 dos 95 bairros.

    • Publicações13410
    • Seguidores221
    Detalhes da publicação
    • Tipo do documentoNotícia
    • Visualizações183
    De onde vêm as informações do Jusbrasil?
    Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/governo-quer-que-pequeno-traficante-nao-va-para-cadeia/1974727

    0 Comentários

    Faça um comentário construtivo para esse documento.

    Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)