Herói sem medalhas
Por Eliakim Araújo,
jornalista
Por volta das seis e meia da tarde deste sábado, um camelô que vendia camisetas em Times Square, Nova Iorque, avistou uma fumacinha saindo de um carro Nissan Pathfinder, estranhamente parado junto ao meio-fio com o motor ligado. Desconfiado de alguma coisa errada, o vendedor avisou a um policial que passava montado à cavalo. O policial se aproximou do veículo e sentiu cheiro de pólvora.
Imediatamente, o policial avisou aos superiores e recebeu ordens de evacuar e interditar a praça, onde está a maior concentração de teatros da cidade, a mundialmente famosa Broadway, ponto de visita obrigatória de milhares de turistas.
Neste domingo de manhã, 12 horas depois do alerta que deu ao policial, o camelô esperava a desinterdição da praça para voltar ao seu ponto de venda e recolher a mercadoria que deixara para trás quando veio a ordem de abandonar o local.
Descoberto pela mídia e identificado por um tag que trazia ao pescoço, Lance Orton, o vendedor de camisetas, viu-se cercado por câmeras e microfones. Sem querer tinha virado um herói. Cansado e desconfiado, ele queria apenas deixar o local e voltar para casa para descansar. Mas os repórteres não o deixaram em paz. Enquanto caminhava, ouvia aplausos dos funcionários dos fast food das proximidades.
Sem entender nada, Lance virou-se para os jornalistas e disse: estou de saco cheio, estou acordado desde ontem de manhã, quero descansar. Até que alguém lhe perguntou se estava orgulhoso de seu feito. E aí veio a resposta inesperada: claro, meu chapa, sou um veterano, o que é que você acha? .
Assim, os Estados Unidos ficaram sabendo que o homem que deu o alarme e evitou um atentado que poderia ter custado algumas dezenas de vidas serviu na Guerra do Vietnam. O herói da noite deste sábado, na verdade é um herói há muitos anos, só que a sociedade americana nunca lhe rendeu a devida homenagem e lhe virou o rosto. Lance, há vinte anos, sobrevive vendendo mercadorias nas ruas de NY.
Não tive muita escolha, ninguém me deu um trabalho, completou o herói de Times Square. É assim que os EUA tratam seus heróis de guerra?
Duas e meia da madrugada. Eis que chega o prefeito da cidade. De smoking e gravata borboleta vermelha, Michael Bloomberg voou direto de Washington, onde participou do jantar de gala oferecido pela Casa Branca aos correspondentes estrangeiros, para o local do incidente.
Numa coletiva à imprensa, às duas e meia da manhã, provavelmente ainda sob os efeitos da bebida favorita do deus Bacco, Bloomberg começou dizendo que o dispositivo montado no carro era amador, mas muito perigoso. Ao mesmo tempo, declarou que tivemos muita sorte. Declarações sem muito nexo, mas plenamente justificáveis em políticos que, que não tendo o que dizer, dizem qualquer coisa só para faturar a presença maciça da mídia.
À distância, Lance Orton observava e esperava que policiais e robôs que trabalhavam no desmonte do carro-bomba liberassem Times Square para que ele pudesse recolher sua mercadoria e ir para casa descansar.
(*) E-mail: eliakimaraujo@diretodaredacao.com
(*) Artigo publicado concomitantemente com o saite Direto da Redação, editado em Miami (EUA).
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