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8 de Maio de 2024
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    Juiz Brzuska: o Mutirão Carcerário é um fator para distensionar o sistema

    Nos últimos dois meses, entre dezembro de 2009 e janeiro de 2010, cinco Juízes do Rio Grande do Sul, acompanhados de cinco servidores, percorreram as maiores casas prisionais da Região Metropolitana de Porto Alegre para ouvir os presos.

    Nesse trabalho, foram ouvidos mais da metade dos 15 mil presos da Região. O mutirão carcerário foi fundamental para identificar a situação de cada preso. Em cada caso, foi levantada a situação da execução criminal, analisados os prazos de prisão e os benefícios, como a progressão de regime, livramento condicional, comutação e indulto.

    O Juiz de Direito Sidinei José Brzuska, que está designado para fiscalizar os presídios da região, coordenou os trabalhos do grupo de Juízes e os servidores. Participaram do Mutirão, além do Juiz de Direito Sidinei José Brzuska, encarregado da fiscalização dos presídios e coordenador dos trabalhos, os Juízes Betina Meinhardt Ronchetti, Ícaro Carvalho de Bem Osório, Sandro Portal e Paulo Augusto Oliveira Irion. Os servidores Sílvia Knopf Fraga, Denise Nenê de Souza, Victor Achylles M. Santos Filho, Leonildo Albrecht e Fábio Longhi Serafim auxiliaram os trabalhos.

    Conversamos com o magistrado sobre o trabalho realizado e que deverá ter desdobramentos.

    - Dr. Sidinei, como os senhores foram recebidos nas casas prisionais para este trabalho inédito?

    Esse mutirão carcerário começou em dezembro, e eu já vinha trabalhando com essas casas prisionais há mais tempo, portanto boa parte dos presos, senão a maioria deles, já me conhecia. Então, isso facilitou bastante o trabalho do mutirão e o trabalho dos demais Colegas, porque adentrávamos nos presídios, adentrávamos nas galerias, nas celas e identificávamos os presos que queriam fazer alguma postulação, encaminhar algum requerimento lá dentro das próprias celas, nas suas galerias.

    Como eu já era da Execução Criminal, já conhecia os presos, então esse trabalho ficou bastante facilitado, e não houve qualquer tipo de hostilização; pelo contrário, fomos muito bem recebidos nas casas prisionais, seja pelos servidores como também pelos próprios apenados. Logo que a notícia se espalha, ou seja, que os Juízes estão no presídio e que aquilo visa a agilizar a tramitação dos processos dos presos, naturalmente que eles ficam mais voluntariosos e colaborativos com o trabalho que está sendo proposto.

    "Acredito que o Judiciário deve até equipar os presídios

    com algum sistema que permita, lá dentro do presídio,

    que o preso tenha acesso ele mesmo a uma informação processual,

    para saber como está o seu processo"

    - Esse mutirão realizado de forma tão abrangente objetivou também suprir uma necessidade de informação básica de cada preso -como está a sua execução, quantos dias ainda tem para cumprir, os benefícios possíveis para os quais pode progredir. Normalmente esse tipo de informação não é de conhecimento da própria pessoa que está presa?

    Penso que podemos evoluir e progredir nisso. Alguns presos que têm melhores condições intelectuais ou que possuem familiares ou Advogado têm um acesso mais fácil à informação, mas aquele preso mais pobre, que muitas vezes está distante da sua família, que é atendido por um Defensor Público de uma cidade, mas está preso em outra cidade, ele tem muita dificuldade de saber exatamente como está o seu processo. Fizemos isso no mutirão, ou seja, transmitimos ao preso exatamente aquilo que está acontecendo.

    Onde penso que podemos evoluir mais? Acredito que o Judiciário deve até equipar os presídios com algum sistema que permita, lá dentro do presídio, que o preso tenha acesso ele mesmo a uma informação processual, para saber como está o seu processo.

    Esse preso mais pobre, que fica distante, tem muita dificuldade dessa informação. Consequentemente, como ele não sabe como está, começa a ficar ansioso lá dentro do presídio.

    "Imagine um sujeito que fica numa cela

    superlotada e não sabe quando é que vai sair,

    isso aumenta a tensão no presídio"

    - Ou seja, é um fator até de tranquilidade do sistema?

    Exatamente, para distensionar o sistema. O que o preso quer? Ele quer a informação. Se ele foi absolvido, se ele foi condenado, essa é uma outra situação, mas ele quer saber se foi julgado. Se ele não foi julgado, quando ele será julgado e, se foi julgado, qual é a pena que recebeu e, se recebeu uma pena, quando terá direito, em tese, ao regime semiaberto.

    Muitos presos querem isso, ou seja, saber em tese quando ele terá direito a sair, porque essa é a esperança. Se o preso sabe que daqui a um ano, daqui a dois anos ou daqui a três anos ele sairá, ele introjeta uma meta, ou seja, uma proposta: “Se eu tiver um bom comportamento, se eu trabalhar, essa coisa toda, então, naquela data, eu terei direito a sair”.

    E o preso quer saber essa data. Se você não dá isso para ele, ele começa a ficar nervoso lá dentro do presídio. Imagine um sujeito que fica numa cela superlotada e não sabe quando é que vai sair, isso aumenta a tensão no presídio. Então, a transmissão de informação para o preso é fundamental e importante para que os presídios fiquem distensionados.

    "Não tratamos o preso adequadamente dentro do sistema;

    misturamos os presos perigosos com não perigosos,

    reincidentes com não reincidentes,

    condenados com provisórios

    e colocamos tudo isso num presídio, muitas vezes,

    sob o domínio de facções criminosas"

    - Esse é apenas um dos direitos que a pessoa presa teria; outro seria ter o cumprimento da pena em condições humanas. Hoje em dia, numa cela do Presídio Central, temos, em vez de oito, 40 pessoas. Como é que essa situação de tratamento desumano se reflete aqui fora?

    Esse é um problema sério, grave e complexo. Isso se projeta para fora de várias formas, e uma delas, a principal, é a reincidência. Não tratamos o preso adequadamente dentro do sistema; misturamos os presos perigosos com não perigosos, misturamos reincidentes com não reincidentes, misturamos condenados com provisórios e colocamos tudo isso num presídio, muitas vezes, sob o domínio de facções criminosas.

    Depois esse sujeito sai para a rua, o que é que acontece com ele? Ele reincide no crime, e a sociedade aqui fora, ao fim e ao cabo, é que acaba pagando essa conta. Então, esse é um problema grave. A solução desse problema reside no exato cumprimento da Lei das Execuções Penais. A nossa lei está completando 25 anos e nunca foi cumprida nesses requisitos básicos.

    Recentemente, a mídia noticiou como funcionam presídios da Espanha e da Inglaterra. Muitas pessoas ficaram maravilhadas com aquela situação. Ora, temos uma legislação que prevê exatamente isso há 25 anos e que não é cumprida. Então, temos que gestionar para que isso aconteça. Se cumprirmos a lei, com certeza diminuiremos o índice de reincidência, que é o que prejudica e afeta a população.

    "Temos a intenção de que isso se perpetue,

    que não seja algo de exceção, que pelo menos anualmente,

    ou com maior regularidade,haja um processo como esse"

    - Conforme o levantamento no final dos trabalhos do mutirão carcerário, foram atendidos diversos pedidos de informação sobre progressão de regime, livramento condicional, remissão de pena, entre outros, atendendo 7.700 pessoas. Por que os outros 7 mil presos não foram atendidos?

    Primeiro, não conseguimos atender a totalidade das casas prisionais. Tínhamos uma questão temporal, nos meses de dezembro e janeiro. Algumas casas, não conseguimos visitar. É o caso, por exemplo, da Penitenciária Estadual do Jacuí, a PEJ. Ela tem 2.500 presos que não foram atendidos. Temos a Penitenciária Modular de Osório, que tem 1.200 presos que não foram atendidos, mas isso por uma questão temporal.

    Nós nos concentramos nos maiores presídios, aqui de Charqueadas e no Central, onde entendíamos que havia uma situação bastante crítica, até em razão da época do ano. A nossa proposta e a nossa vontade é de atender a todos.

    Temos a intenção de que isso se perpetue, que isso não seja algo de exceção, que pelo menos anualmente, ou de tempo em tempo, ou com maior regularidade, haja um processo como esse. Então, você terá a tranquilidade de dizer: “Olha, aqui nesse presídio, todos os presos estão com a sua situação jurídica regular”.

    “No mutirão carcerário, vários presos queriam

    tão somente saber se tiveram, ou não,

    deferida a progressão de regime”

    - De qualquer forma, o preso não tem esta informação pelo próprio advogado ou pelo próprio funcionário do presídio? Como é que isso funciona? Cada preso não está defendido pela Defensoria Pública ou por um advogado particular?

    Sim, mas, por exemplo, temos, aqui no Presídio Central e também em Charqueadas, presos de diversos Municípios. Esse preso, lá no Município, é atendido por um Defensor Público, por hipótese. Esse Defensor Público que o atende naquele Município não é o mesmo Defensor Público que está aqui e que atende a execução criminal, e o preso muitas vezes não tem um contato tão aproximado como deveria ter com esse Defensor Público.

    Uma outra situação que lamentavelmente acontece, e em relação à qual estamos trabalhando, é que, como temos uma escassez de informação, a informação pode inclusive acabar sendo alvo de comércio dentro dos presídios. O preso, às vezes, acaba pagando para ter direito a uma informação do estágio do seu processo. Para saber como está o seu processo, muitas vezes ele tem que pagar para um outro preso para conseguir essa informação.

    Por isso penso que devemos evoluir nessa situação de ter um mecanismo que permita uma fluidez mais rápida para o preso saber o que aconteceu com o seu processo. Exemplo: o Juiz concede progressão do regime fechado para o semiaberto. Essa decisão é encaminhada para a Superintendência de Serviços Penitenciários, a SUSEPE, e é intimado o Defensor do preso. O preso às vezes não recebe essa informação, e demora a receber essa informação.

    Aqui, no mutirão carcerário, vários presos queriam tão somente saber se tiveram, ou não, deferida a progressão de regime. Ele só queria uma informação bem pontual, porque ele não estava conseguindo isso lá do interior do presídio, e essa ausência de informação o estava deixando preocupado.

    “Quando se falava em segurança pública,

    normalmente vinha aquele discurso de mais viaturas,

    mais Policiais Militares, essa coisa toda.

    Agora, além disso tudo, temos de agregar

    a esse contexto o sistema prisional”

    - A partir de 2009, com a designação de um Juiz de Direito especificamente para acompanhar de perto o funcionamento dos presídios da Região Metropolitana, a questão foi levada à mídia e à opinião pública de uma forma diferenciada. Tornou-se uma questão real e até política. Como o senhor vê esse trabalho que vem sendo desenvolvido como Juiz da fiscalização dos presídios e pela própria Justiça Estadual nessa área?

    O problema prisional é algo real e que vem se agravando há bastante tempo. Ele não vinha até então sendo alvo do debate político. Todo mundo sabe que temos problema prisional, todo mundo sabe que faltam vagas, mas essa discussão ficava num segundo plano no debate político.

    Recordo que, nas últimas eleições, ninguém questionou os postulantes aos cargos executivos que propostas eles tinham para o sistema prisional. Penso que, a partir do final de 2008 e do ano de 2009, quando então a sociedade gaúcha passou a ter um conhecimento mais estreito daquilo que está acontecendo nas nossas prisões e de como isso afeta a vida delas na questão da segurança pública, o problema prisional passou a ser alvo do debate político.

    Com certeza, no debate eleitoral de 2010, isso deverá estar presente na pauta dos candidatos. Se o problema passar a ser discutido, isso já é um reconhecimento público desse problema, e, consequentemente, a solução para esse problema também deve ficar mais próxima, basta ver que, recentemente, a atual Administração do Estado já anunciou um projeto inovador no sistema prisional, consistente num presídio moderno sob a forma de participação público-privada. Ou seja, começam a surgir propostas para a resolução do problema, e esse problema, antes, não era alvo de debates; ficava relegado para um segundo plano.

    Quando se falava em segurança pública, normalmente vinha aquele discurso de mais viaturas, mais Policiais Militares, essa coisa toda. Agora, além disso tudo, temos de agregar a esse contexto o sistema prisional. Ele não mais ficará fora desse debate. Penso que a participação do Poder Judiciário foi trazer isso para esse debate efetivamente, fazendo com que a população, de um modo geral, acompanhasse isso mais de perto.

    Leia também:

    - Mutirão ouviu mais de 7 mil presos

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