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16 de Junho de 2024
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    Legislação promove o desequilíbrio nas eleições, diz Édson Rezende

    Reforma política urgente. É o que defende o promotor de Justiça e coordenador eleitoral do Ministério Público de Minas Gerais, Édson Rezende. Segundo ele, a legislação atual promove desequilíbrio entre os candidatos nas disputas eleitorais, complica a vida do eleitor na hora da escolha, deixando cada vez mais o desejo de voto consciente no campo da utopia, além de dificultar a fiscalização por parte dos órgãos competentes. Segundo o promotor, nas eleições de outubro deste ano, 1.700 candidatos vão disputar os cargos de deputado estadual, deputado federal, governador e senador, por Minas Gerais. Na sua opinião, é um número gigantesco, que inviabiliza o acompanhamento do eleitor e a fiscalização dos órgãos competentes.

    Nesta entrevista ao Hoje em Dia, Édson Rezende defende mudanças no sistema proporcional, de forma a reduzir o número de candidatos e a privilegiar as disputas ideológicas e partidárias. Ele ainda se posiciona contra o financiamento de pessoas jurídicas às campanhas eleitorais, que, na sua avaliação, leva ao abuso de poder econômico nos pleitos. O promotor também defende a prestação de contas de partidos e candidatos em tempo real, iniciada assim que começam as campanhas eleitorais. A mudança coibiria o caixa dois, além de facilitar o acompanhamento por parte da Justiça Eleitoral e subsidiar o voto do eleitor.

    Como é a atuação do Ministério Público durante as eleições?

    O Ministério Público Eleitoral fiscaliza todo o processo eleitoral. Atuamos desde quando o eleitor se dirige a um cartório eleitoral para fazer o seu título até a própria eleição, registro de candidatura, propaganda eleitoral, o dia da eleição, as prestações de contas.

    Quando do registro de candidatura a nossa atuação é ainda mais importante, porque nós examinamos todos os pedidos de registro, de todos os candidatos. Em 2014, por exemplo, uma eleição geral, nós temos a expectativa, em Minas Gerais, de termos em torno de 1.700 candidaturas, envolvendo deputado estadual, federal, governador e senador e, então, o MP examina cada um dos registros, cada um dos candidatos que têm que apresentar uma série de documentos. Forma-se um processo para cada um deles. Nós examinamos todos, exatamente para dizer se os candidatos tem condições, reúnem os requisitos para candidatura, ou se eles incorrem em algum impedimento, como, por exemplo, os previstos na Lei da Ficha Limpa.

    Durante a campanha eleitoral, nós estamos atentos ao abuso do poder econômico, do poder político, para garantirmos o equilíbrio. Um dos valores mais importantes do direito eleitoral, que está absolutamente atrelado à ideia de democracia, é nós termos equilíbrio nas campanhas eleitorais. A democracia seria apenas um discurso se nós não tivermos candidatos disputando a eleição dentro de alguma igualdade de condição. Nada adiantaria alarmos que temos uma democracia se um candidato disputa uma eleição com uma fortuna, por exemplo, e um outro disputa a eleição a pé.

    Mas não é isso que acontece hoje? A legislação atual permite que empresas financiem campanhas e elas são os principais patrocinadores. Naturalmente elas acabam investindo naqueles candidatos que acreditam que têm melhores condições de ganhar. Isso não gera uma influência muito grande do poder econômico no processo eleitoral?

    Você tocou num ponto absolutamente importante. Nós temos batido há muito tempo pela necessidade de mudança na nossa legislação. Então, duas coisas precisam ser ditas. Num primeiro momento o Ministério Público trabalha com a legislação posta. O MP e o judiciário não fazem leis, cumprem as leis existentes. A legislação atual permite a doação das pessoas jurídicas e há realmente um investimento muito pesado das construtoras, bancos, agronegócio, nas campanhas eleitorais, provocando esse desequilíbrio. Com isso, o papel do Ministério Público é ainda mais importante e, obviamente, mais difícil.

    Mas, num segundo momento, nós também temos um compromisso ético com o país de fazer proposições para alterações na legislação. Então. nós estamos trabalhando há muito tempo para isso. Inclusive, em 2013, eu participei de um grupo que elaborou um projeto de lei, que foi levado ao Congresso Nacional, e estamos recolhendo assinaturas no Brasil inteiro para reforçar a legitimidade desse projeto, em que a nossa proposta é exatamente a proibição do financiamento por pessoas jurídicas e um limite mais real para as doações de pessoas físicas. Hoje, o limite é de 10% sobre o rendimento da pessoa física e isso, por si só, já estabelece uma diferença entre as pessoas. Uma coisa é 10% de quem ganha salário mínimo e outra coisa é 10% de um empresário cujo rendimento é de milhões.

    Nós estamos, nesse projeto de lei, estabelecendo um limite nominal. E numa outra frente de trabalho, nós atuamos perante o Supremo Tribunal Federal na busca do reconhecimento da inconstitucionalidade do financiamento das pessoas jurídicas às campanhas. Eu mesmo, pessoalmente, fiz uma sustentação oral no STF em junho do ano passado, perante o ministro Luiz Fux, que é quem está com essa matéria para decidir. Fiz uma sustentação mostrando ao ministro os inconvenientes, tanto de ordem jurídica quanto de ordem sócio-eleitoral, do financiamento das empresas. E está dando resultado. Esta ação está em julgamento e sete votos já foram colhidos, seis a favor da proibição e apenas um contrario. O julgamento não se encerrou, porque houve um pedido de vista, mas já temos a maioria para conseguir considerar inconstitucional.

    O que se diz dessa medida é que iria incentivar o caixa dois. Os defensores da manutenção do financiamento de empresas às campanhas eleitorais sempre relembram que, na história recente do país, já foi provado que, quando as empresas não financiam de forma legal, elas participam do processo de outras maneiras. Como equalizar isso?

    Os defensores se lembram que até 1993 as pessoas jurídicas não podiam doar, mas o faziam através do caixa dois, clandestinamente, e que a autorização do financiamento foi exatamente para legalizar aquilo que já acontecia. Mas são outros tempos. Se nós pensarmos na facilidade da circulação das informações hoje, em comparação com 20 anos atrás, nós vamos perceber que é possível vedarmos o financiamento das pessoas jurídicas e termos instrumentos mais eficazes de combate ao caixa dois nas campanhas eleitorais. É claro que ninguém aqui é ingênuo de achar que nós vamos acabar com o caixa dois, porque ele existe, por exemplo, nas pessoas físicas e jurídicas a vida inteira.

    A Receita Federal luta contra isso constantemente e não consegue acabar. Mas há instrumentos, pelo menos, para um controle e uma fiscalização mais eficientes. A transparência na gestão dos recursos de campanha é um deles. Hoje, nós temos transparência zero. Os candidatos e partidos políticos só têm que prestar contas do que foi movimentado na campanha eleitoral 30 dias depois do processo eleitoral. Então, não há como fazer aquele controle concomitante dos gastos. Ou seja, saber se o movimento de campanha que ele põe na rua, está compatível com o movimento de recursos na sua conta corrente. No projeto de lei, chamado Eleições Limpas, propusemos a prestação de contas em tempo real, a prestação de contas que se abre no dia em que a campanha começa.

    Assim a gente identifica mais facilmente o candidato que esteja recebendo recursos não contabilizados, ou seja, caixa dois, e isso então pode evidenciar a prática de crime e inviabilizar a diplomação desse candidato. E se a prestação de contas é em tempo real, no dia da eleição o eleitor, pelo menos aquela parte do eleitorado interessada, vai para a urna sabendo com quem o candidato conseguiu recurso para fazer sua campanha. Então, é diga-me com quem andas que te direi quem és. Fica sabendo também onde ele gastou os recursos. E, além disso, se ele movimentou recursos extras, fora da contabilidade. Só esse aspecto da transparência me parece ser muito interessante para a democracia. O eleitor vai votar com consciência.

    Consciência do eleitor ao votar é, hoje, outro ponto problemático, por causa da infinidade de candidatos e a existência do chamado puxador de voto, ou seja, o eleitor vota em um, mas acaba elegendo outros que não necessariamente gostaria.

    Em Minas Gerais, este ano, o eleitor terá que escolher entre cerca de 1.700 candidatos. Isso para ocupar cerca de 150 vagas. Então, é um número muito grande, como é que o eleitor acompanha tudo isso? Como é que as instituições fiscalizam? É absolutamente impossível. No papel do eleitor, o que a gente recomenda é que ele fiscalize pelo menos aquele candidato por quem ele tem alguma simpatia, para saber se ele merece de fato o voto. Isso é o mínimo.

    Agora, falando em modificações, nós entendemos ser absolutamente premente uma alteração na legislação no que diz respeito ao sistema eleitoral. Você tocou em dois pontos importantes. Primeiro a quantidade enorme de candidaturas, que tem que diminuir, sem nenhum prejuízo à igualdade de oportunidades na disputa. E, segundo, nós temos que pensar num sistema que vá reforçar os laços partidários. Primeiro nós temos que fazer escolhas segundo programas partidários, ideologias partidárias. É muito mais fácil começarmos a escolha pela ideologia. Efetivamente, nós não temos isso hoje no Brasil. Mas não temos por quê? Por causa dessa multiplicidade de candidatos em que as nossas campanhas são fulanizadas. Nós não temos campanhas partidárias, temos campanhas de pessoas. O sistema é esse e conduz as candidaturas a um salve-se quem puder. Cada um lutando pelo voto do eleitor, inclusive fazendo campanha contra colegas de partido. Então, nós precisamos primeiro alterar a legislação, para que ela prestigie essa disputa programática, essa disputa ideológica, exatamente para que os partidos se vejam obrigados a transmitir para o eleitor qual é a sua ideologia.

    Na nossa proposta, nós alteramos nosso sistema eleitoral proporcional, que hoje é de votos nominais, não existe em lugar nenhum do mundo. Alteramos para a seguinte maneira: fazemos uma eleição em dois turnos, também para vereadores, deputados estaduais e federais, sendo que o primeiro turno é para disputa ideológica, programática. Os partidos vão disputar a preferência dos eleitores. O eleitor então escolhe a ideologia, o partido com o qual se identificar melhor. E. nesse primeiro turno. nós definimos o tamanho dos partidos. De acordo com a votação obtida por ele, nós vamos dizer que o partido A terá 10 vagas, o partido B cinco vagas, etc. Com esse desempenho partidário, nós vamos para o segundo turno, para, ai sim o eleitor votar em nomes que vão ocupar aquelas vagas. O partido obteve 10 vagas na casa legislativa, ele vai para o segundo turno levando 20 candidatos. Nós colocamos o dobro do número de vagas que ele conquistou. No segundo turno o eleitor escolhe o candidato, ele dará a palavra final. Com isso nós diminuímos drasticamente o numero de candidatos.

    E facilita a fiscalização?

    Facilita a fiscalização, diminui os custos, possibilita inclusive conviver com uma receita bem menor, porque nós vamos tirar o financiamento da pessoa jurídica às campanhas. E elimina aquela transferência de votos a que você se referiu. Os fenômenos Tiririca, o fenômeno Enéias, em que o eleitor vota em uma pessoa e acaba produzindo efeitos para outros. (Hoje em Dia)

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