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16 de Junho de 2024
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    Leia a transcrição da entrevista de FHC à Folha e ao UOL

    Publicado por Folha Online
    há 12 anos

    DE BRASÍLIA

    Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente da República e presidente de honra do PSDB, participou do "Poder e Política", projeto do UOL e da Folha conduzido pelo jornalista *Fernando Rodrigues. A gravação ocorreu em 30.nov.2012 no estúdio do UOL em São Paulo.

    http://www3.uol.com.br/module/playlist-videos/2012/trechos-da-entrevista-com-fhc-1354385882958.js

    Fernando Henrique Cardoso - 30/11/2012

    Narração de abertura: O ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso tem 81 anos. É filiado ao PSDB.

    FHC nasceu no Rio, mas fez carreira acadêmica e política em São Paulo.

    É formado em Sociologia pela USP, da qual se tornou professor em 1952. Lecionou em universidades nos Estados Unidos, Inglaterra, França e Chile.

    O primeiro partido de Fernando Henrique foi o MDB, de oposição à ditadura militar. Depois, a sigla virou PMDB e FHC foi eleito senador, nos anos 80.

    FHC tentou ser prefeito de São Paulo, mas perdeu para Jânio Quadros, em 85.

    Em 88, ajudou a fundar o PSDB, o Partido da Social Democracia Brasileira. Nos anos 90, foi ministro das Relações Exteriores e também da Fazenda, sob o governo de Itamar Franco.

    Em 1994, elegeu-se presidente da República. Em 1998, foi reeleito.

    No momento, Fernando Henrique integra diversas entidades internacionais e também preside o instituto que leva seu nome.

    Folha/UOL: Olá internauta. Bem-vindo a mais um "Poder e Política".

    Este programa é uma parceria do jornal Folha de S.Paulo e do portal UOL, ambas empresas do Grupo Folha.

    E a gravação está sendo realizada hoje no estúdio do UOL em São Paulo. E o entrevistado é o ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso.

    Folha/UOL: Presidente, muito obrigado por comparecer aqui ao estúdio do UOL, em São Paulo. Eu começo perguntando: A crise econômico-financeira internacional colocou na defensiva ideias liberais, pelo menos algumas. Essa onda na Europa e outras partes do mundo... A França vai estatizar uma siderúrgica, eu li essa semana. Ela [a crise econômica] é sentida no Brasil e como ela afeta um partido como o PSDB?

    FHC: Bom, sentida no Brasil ela é. Para começar, ideologicamente, né? Os que estão no governo passaram a ter uma espécie de perdão para utilizar recursos públicos para reativar a economia. Então já é sentida no Brasil.

    O PSDB tem o nome "social democracia brasileira". Ainda bem que tem o "brasileira". Eu fui contra o nome na época porque eu dizia o seguinte: "Olha, eu, sociólogo, vou ter que explicar como é que um partido que não foi formado pelos sindicatos vai ter esse nome que, na Europa, tem outro significado". Então, nunca houve uma identificação efetiva do PSDB com uma ideologia social-democrática no estilo clássico. Inglesa, sueca...

    Folha/UOL: Europeia, em geral...

    FHC: Europeia. Nunca houve. O PSDB foi um partido muito menos ideológico do que as pessoas pensam. E também nunca foi um partido que tivesse muito amor pelo mercado. É uma ilusão, uma impressão.

    Como todos os partidos brasileiros, é a nossa formação histórica, as pessoas gostam mesmo é de governo, é de Estado. Isso desde Portugal, da Península Ibérica, o grande ator, e que é querido, é o governo. E o governo... o Estado... E as pessoas confundem o Estado com o povo. O que é do Estado, é do povo. Esquecem que o Estado depende de quem esteja lá.

    *Folha/UOL: Aliás, o técnico da seleção brasileira de futebol, num momento de "sincerocídio"... Depois, por causa do politicamente correto, recuou. Mas ele disse algo, na verdade, ele vocalizou um pensamento que está na cabeça dos brasileiros. "Não quer pressão, vai trabalhar no Banco do Brasil".

    FHC: É injusto porque o pessoal do Banco do Brasil trabalha.

    Folha/UOL: Mas...

    FHC: Mas o sentimento de muita gente é "vai para o governo para não trabalhar". Não é. Eu fui presidente, fui ministro. Eu tenho experiência na máquina pública. A máquina pública brasileira tem gente muito competente. Agora, é inchada. Tem também os que não trabalham. Você toma os que não trabalham como se fosse generalizado. Não é assim. Nós temos uma máquina pública que tem competência exatamente porque ela é antiga. Não é uma coisa recente, é antiga.

    Folha/UOL: Agora, o PSDB, não obstante o sr. dizer que nunca foi um partido apenas pró-mercado, é um partido que fez, sob a sua administração, várias reformas para colocar o país mais em linha com um aspecto mais liberal da economia. Isso aconteceu. Privatizou, por exemplo.

    FHC: Claro, claro. Mas não é por ser liberal. É pelas necessidades, pela contingência da globalização. Quer dizer, o Brasil tinha economia fechada com alta inflação. Como é que se vivia na nossa economia? Qual era a ideia? Vamos fechar? Aumenta a tarifa e vamos dar juros subsidiados para os nossos produtores. Isso ai era o ideal.

    Bom, isso funcionou, com substituição de importações e deu resultado. Criamos um pacto industrial que não é pouca coisa, não é? Mas chegou um momento que, também, isso ficou acanhado. O Brasil está como se fosse um adolescente que está com calça curta. Tem que encompridar as calças, ou seja, preparar a economia e o governo para poder lidar com o fato de que a economia estava aberta. Não foi uma decisão ideológica. Foi uma decisão prática.

    Folha/UOL: Mas, agora, no momento pelo qual passa o mundo, esse tipo de abordagem da administração pública ficou mais difícil por conta dessa percepção geral que o Estado precisa voltar para socorrer todo mundo?

    FHC: Enquanto estivermos nessa conjuntura atual, sim. Mas isso muda. É uma questão, como diz, com um conteúdo mais pragmático.

    Nós não fizemos aqui o que foi feito na Argentina, ou mesmo no Chile, que foi: "Vamos liberalizar, abrir o mercado". Não foi feito isso. Em alguns setores, em função da escassez de recursos do governo, houve a capacidade de você transferir novas tecnologias e, para forçar a competição, houve uma abertura sobre controle: as agências reguladoras. Eu não imaginava que elas iriam virar o que viraram mais tarde. Eram para ser agências reguladoras. Portanto, nunca houve uma espécie de "desprestigiamento" do Estado. Houve uma operação da função do Estado e uma abertura para forçar a competição. Não para transformar o que era público em privado e o monopólio privado.

    E não foi generalizado tampouco. Veja no petróleo. Nós flexibilizamos, como eu dizia, a Lei do Petróleo para permitir a competição. Agora, não privatizamos a Petrobrás, nem nunca quisemos. Esse ex-presidente da Petrobrás [José Sergio Gabrielli] vivia dizendo isso, não tem base nenhuma. Segundo, que nós queríamos. Não, não. Nem o Banco do Brasil. Houve até uma discussão. Sempre me opus a privatizar o Banco do Brasil. O que eu queria?

    Folha/UOL: O sr. acha que o Banco do Brasil para sempre terá que ser estatal?

    FHC: Acredito que vai ser para a nossa tradição. Acredito que vai ser. O problema é como é que você vai usar...

    Folha/UOL: Mas o Brasil tem dois bancos. Ainda tem a Caixa Econômica...

    FHC: Eu sei. Mas é muito difícil. Você, num país como Brasil, acabar com isso. Até porque essa última crise demonstrou, e a baixa do juros também, que esses bancos públicos podem ser úteis como política pública para obter certos resultados.

    Agora, o que eu queria e fizemos era transformar o Bando do Brasil numa empresa, não numa repartição pública com a influência de políticos. Mesma coisa a Petrobrás. O objetivo não era mercado, era espírito empresarial. Para ter competição. Para melhorar a produtividade e para diminuir a influência de, digamos, de... Não era influência política no sentido grande, mas de penetração dos partidos, de ocupação de espaço. Isso era o que se queria.

    No caso da Telefônica, o que nós não tínhamos era tecnologia e competência para avançar. Deu um salto enorme. E, curiosamente, com tudo que foi dito, o novo governo que, não sei como qualificá-lo porque talvez não goste de ser chamado de socialdemocrata porque eram socialistas, o que ele fez? Não mudou nada. Não reestatizou nada, não é? Por quê? Porque não tem sentido. No mundo de hoje tem que ter, realmente, uma multiplicidade de formas de controle. Então eu não acho que, voltando à sua pergunta inicial, sem dúvida, a crise mundial afeta, mas eu não acho que isso afete o que foi feito. Voltar atrás não dá.

    Folha/UOL: E perguntei mais no seguinte sentido: Porque o discurso do PSDB é esse que o sr. tem. Sobre a necessidade de modernizar o Estado brasileiro. Vender para iniciativa privada o que não tem tecnologia para operar, como telefônicas etc. Agora, como o momento mundial hoje é um pouco diferente do que aqueles dos anos 90, esse tipo de discurso do ponto de vista do convencimento eleitoral, hoje, ele é mais difícil de passar, não é?

    FHC: Talvez. Depende de como se fale. Porque, veja o seguinte, ninguém está pedindo para reestatizar as telefônicas. Ao contrário, estão pedindo para fazer licitação para as rodovias. Estão pedindo para fazer licitação para os aeroportos, não é? Por quê? Porque está estrangulado aí.

    Então, se você colocar ideologicamente, aí é cara ou coroa, e sabe Deus o que vai acontecer. Mas, se você colocar de uma maneira adequada e tiver coragem de explicar e ter convencimento, então faz. A presidente Dilma, aliás, está embaralhada. Como é que ela faz as concessões? Mas vai fazer. Por quê? Por não ter alternativa. Na minha opinião, não é que, em princípio, a empresa privada seja melhor que a pública. Depende. A Petrobras é uma boa empresa. O Banco do Brasil é uma boa empresa. Agora, depende de como seja manejada. E, quando elas ficam monopólicas, aí fica ruim. Se for monopólico privado também fica ruim. Porque a chave do dinamismo é: você tem que competir. Dentro de regras.

    Folha/UOL: Falando um pouco sobre o discurso ideológico ou partidário, o PSDB, o seu partido, nasceu num espectro do centro para a esquerda. Mas, ao longo do tempo, foi adotando vários discursos, várias eleições. Agora, sobretudo nas últimas duas eleições majoritárias, para presidente e para a prefeito de São Paulo, aparecem temas morais, religiosos. Parecem que aproximam o PSDB mais da centro-direita. Por que isso aconteceu?

    FHC: Em primeiro lugar, eu acho que os dois partidos principais nesses temas acabam tendo que dizer aquilo que eles não acreditam. Porque supõem o que a opinião pública queiram. Ficam mais conservadores os dois. Não há diferença.

    Folha/UOL: Mas quem puxou a fila parece que foi o PSDB, não foi?

    FHC: Possivelmente, se puxou, porque eu não acompanhei, [foi] por engano eleitoral. Eu acho o seguinte: Tudo bem, eu sei que esses temas são delicados. Eu mesmo já sofri com um desses temas. Eu nunca repudiei o que eu disse. Eu nunca disse que não. Porque eu acho que você tem que manter a convicção. Eu tenho convicção numa coisa, você vai lá, pode ganhar, pode perder. Por isso, eu acho o seguinte, nesses termos de comportamento e que tenha uma implicação de valores morais, o PSDB, ao meu ver, tem que se manter progressista. Quando não se mantém, não tem o meu apoio. Eu não vou nessa direção.

    O PSDB, como todos os partidos, é homogêneo. E, como você sabe, na vida política brasileira conta muito a eleição e os candidatos. E os marqueteiros dos candidatos. Infelizmente, vem a pesquisa e pensa que o povo pensa de um jeito. O povo manifesta o que pensa e, ao invés de tentar mudar o que o povo pensa quando você tem outra convicção, adere àquela convicção. Eu acho isso errado. Pode dar resultado eleitoral. Pode. Mas não é o que vale. O que vale é você ter, numa eleição é deixar a marca.

    Folha/UOL: Essa guinada, vamos dizer, ou concessão para esse tipo de valores ou ideias no campo mais moralistas foi um erro, então, do PSDB?

    FHC: Eu não faria. Eu não faria. Agora, eu não quero estar julgando porque, enfim, as circunstâncias são variáveis. Como eu disse, essa guinada é dos dois lados. É desses temas é que a ideia que prevalece é a seguinte: o povo não quer isso. Então você vai atrás do povo. Não se sabe se o povo não quer mesmo isso. Depende de como se pensa o povo.

    Pega a questão da privatização. Veja as pesquisas da época. A favor. Porque havia uma circunstância e eu falava, explicava e outros também. Você tem que ganhar a batalha ideológica. Quando você perde a batalha ideológica, não há o que fazer. A batalha das ideias. Agora, ao meu ver, tem que dar a batalha de ideias. Se você não dar batalha das ideias, pode ganhar a eleição mas depois você...

    Ver notícia na íntegra em Folha Online

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    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/leia-a-transcricao-da-entrevista-de-fhc-a-folha-e-ao-uol/100219140

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    Não sem pesar, todo respeito que tinha por FHC se desfez diante do seu papel decisivo na desconstrução, paulatina e sistemática, da mesma democracia que um dia ele mesmo ajudou a consolidar na constituinte e no seu primeiro bom governo.

    A comparação com o grande J. Carter fala por si só (ambos presidentes de honra dos seus respectivos partidos): lá quando o Gore ameaçou solicitar a recontagem dos votos, depois de uma apuração confusa, Carter, esse sim um estadista, deu um basta. Veio a público e declarou que, para o bem da democracia naquele país, o partido democrata tinha que aceitar o resultado daquelas eleições.

    E FHC? Diante da marcha insana do Aécio e seus asseclas, ele não só se omitiu, como conspirou ativamente a favor do golpe de 2016, levando o país a esse estado de "falência institucional múltipla" no qual nos encontramos.

    Um estadista não pode ser deixar levar pelo fígado: um ódio viceral pelo Pt e uma inveja mesquinha e do Lula. FHC nunca passará para a história como um estadista, mas apenas como mais um verme político dentre muitos. continuar lendo