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17 de Junho de 2024
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    "Liberdade leva ao controle e proibição leva à corrupção"

    Publicado por Consultor Jurídico
    há 10 anos

    Quando o ministro Dias Toffoli tomou posse na Presidência do Tribunal Superior Eleitoral, o comentário geral foi de que seria uma gestão sem surpresas. Afinal, “Toffoli está na praia dele”, como muitos disseram. O ministro é um grande estudioso de Direito Eleitoral e é um dos mais conceituados especialistas do país no assunto. Não esconde de ninguém que é a sua matéria favorita e é difícil encontrar tema eleitoral sobre o qual o ministro já não tenha proferido palestra, escrito ou discutido.

    E Toffoli enxerga na praia dele um sintoma que vem surgindo com cada vez mais intensidade nas demais esferas da sociedade: uma tutela exagerada do Estado. Ele vê na Justiça Eleitoral traços que considera possíveis de se identificar na atuação estatal dentro do quadro institucional brasileiro.

    Afirma, por exemplo, que a intromissão do poder do Judiciário no processo eleitoral começou no fim dos anos 90, com a edição da Lei 9.504/1997. A lei, explica o ministro, trouxe as figuras da captação ilícita de sufrágio, deu ao Judiciário mais possibilidades de cassação de mandato e abriu o leque de possibilidades de impugnação de campanhas. O resultado, conta Toffoli, é que muitos comitês de campanha ficam arregimentando provas para, a depender do resultado da eleição, impugnar a candidatura do eleito. É a transformação da Justiça em terceiro turno: a lei que existia para regular passou a ter a função de interferir.

    O mesmo fenômeno pode ser enxergado fora da Justiça Eleitoral. Para o ministro, a ampliação do rol de atividades proibidas prejudica a democracia, pois leva à criação de “setores espúrios da sociedade que acabam contaminando o Estado também”.

    Para o ministro, a Justiça só deve agir e interferir “quando o gol for de mão, ou quando a jogada for manifestamente ilegal”. "A liberdade leva ao controle e a proibição leva à corrupção."

    Ministro do Supremo Tribnal Federal desde 2009, Toffoli foi também Advogado-Geral da União e subchefe para Assuntos Jurídicos da Casa Civil, sempre em governos do prsidente Luís Inácio Lula da Silva. Antes disso, atuou por longo tempo como advogado do Partido dos Trabalhadores, função em que acumulou seu cabedal de experiência em matéria eleitoral.

    Também participou da entrevista o jornalista Márcio Chaer.

    Leia a entrevista:

    ConJur — Existe uma intervenção exagerada do Estado na vida cotidiana das pessoas?
    Ministro Dias Toffoli — A cada dia que passo como juiz me convenço mais que a liberdade é fundamental. Essa tutela demasiada do Estado em relação ao cidadão só tem se ampliado, e isso é muito ruim para a sociedade e para a democracia. Inclusive, sou a favor da legalização do jogo, da legalização das drogas, do fim da criminalização do aborto. Todas essas proibições do Estado, que dizem respeito à vontade individual do cidadão, à liberdade individual do cidadão, levam à criação de setores espúrios da sociedade que acabam contaminando os aparelhos de Estado também. Pensando sobre isso acabei formulando uma frase: A liberdade leva ao controle e a proibição leva à corrupção.

    ConJur — A legislação eleitoral também vai por esse caminho em relação ao eleitor?
    Dias Toffoli — Desde a redemocratização, a cada eleição o Congresso Nacional foi editando normas cada vez mais restritivas e ampliando os meios que permitem à Justiça Eleitoral declarar a cassação de mandatos e a perda de diploma. Esta é a primeira eleição em que a lei, aprovada no ano passado, vem diminuir essa possibilidade de casos ou hipóteses em que a vontade popular possa ser decidida em um terceiro turno através do Poder Judiciário. Por exemplo, o fim do recurso contra expedição de diploma em duplicidade com a ação de impugnação de mandato eletivo: o Congresso revogou esse dispositivo em dezembro de 2013. E ela estabeleceu parâmetros mais razoáveis para prestação de contas. Ou seja, a possibilidade de o próprio extrato bancário identificar o doador, e não ser necessária aquela enormidade de recibos eleitorais. Mas essa é uma lei que ainda não decidimos se vai se aplicar às eleições deste ano ou não. Teve um voto favorável à aplicação, do ministro João Otávio, mas o ministro Gilmar pediu vista.

    ConJur — A lei veio no sentido de facilitar mesmo.
    Dias Toffoli — Essa lei aliviou algumas das exigência múltiplas que eram feitas, facilitando inclusive um controle maior sobre a propaganda e sobre a prestação de contas, desburocratizando. A desburocratização facilita o controle. Mas é fato que o arcabouço jurídico que hoje temos em vigor na área eleitoral está levando a que toda eleição seja judicializada. Inclusive as campanhas já se preparam com equipes jurídicas para impugnar aquele que vai vencer e tentar dar posse ao segundo colocado. A Justiça Eleitoral não pode cair na tentação de se assumir como tutora de todo e qualquer processo eleitoral.

    ConJur — E como ela deve agir?
    Dias Toffoli — Quando o gol for de mão, quando a jogada for absolutamente ilegal, dar o cartão vermelho. Mas a Justiça Eleitoral existe muito mais para evitar os abusos que aconteciam antes. No inicio da década de 90, a legislação eleitoral visava a dar instrumentos para coibir os abusos durante o processo eleitoral. A partir da introdução da reeleição e da Lei 9.504, de 97, com a lei da captação ilícita de sufrágio, com as legislações do século XXI introduzindo cassação por arrecadação e gastos ilícitos de campanha, foi ampliado este arcabouço que deu à Justiça Eleitoral a possibilidade intervir no processo eleitoral.

    ConJur — Então era uma Justiça que existia para coibir abusos e hoje existe para intervir.
    Dias Toffoli — E o que tem ocorrido? Durante o processo eleitoral ninguém apresenta denúncia. Os partidos vão arregimentando provas para, conforme o resultado, apresentar à Justiça Eleitoral. Ou seja, as campanhas ficam meio de tocaia verificando se há o abuso e vão recolhendo provas. Em vez de já pedir uma intervenção para coibir o abuso – como ocorria antes, como instrumento principalmente da ação de investigação judicial e eleitoral, que se dava durante o processo eleitoral – hoje em dia o que acaba ocorrendo é que as campanhas se estruturam para depois querer ganhar no terceiro turno da Justiça.

    ConJur — Nesse espírito da tutela fez-se a Lei da Ficha Limpa, uma forma de dizer ao eleitor em quem ele pode ou não votar. Quatro anos depois de aprovada, qual o saldo da lei? As eleições ficaram mais limpas ou só mais judicializadas?
    Dias Toffoli — Se olhar sob a ótica do custo de campanha, elas estão cada vez mais caras. E se pensar que dinheiro em campanha não é uma coisa boa, elas estão cada vez mais sujas. Ampliou-se muito a base democrática. Basta lembrar que a primeira eleição em que mais de 11% da população votaram para presidente da República foi em 1945. Na última eleição antes do golpe militar, de 1960, 22% da população votaram. Hoje temos uma base de eleitores de 72% da população. Ao mesmo tempo, o capital vem disputar este espaço da formação daqueles que serão os dirigentes, que vão formar o Estado e que, portanto, vão mediar a relação entre o capital e o cidadão.

    ConJur — O que isso quer dizer?
    Dias Toffoli — O capital, cada vez mais, age fortemente no processo eleitoral. As campanhas estão absolutamente milionárias, afastando pessoas que teriam votos de opinião, que hoje se sentem desestimuladas porque para ser candidato ao Congresso tem que passar o pires entre empresas para poder arrecadar fundos, e com isso se comprometer com coisas que elas não querem. Teríamos que, em vez de focar nessa ideia da ficha limpa ou ficha suja, olhar para o controle no financiamento de campanha. É fundamental estabelecer um teto para os gastos de campanha para permitir que essas pessoas interessadas no debate e não querem passar o chapéu possam voltar a participar da vida pública brasileira.

    ConJur — Uma questão interessante que o senhor propôs numa entrevista coletiva foi sobre a escolha dos pré-candidatos de cada partido.
    Dias Toffoli — Sim, com certeza. No Brasil se lutou tanto para se eleger presidente, pela redemocratização, as campanhas das diretas e hoje nós temos campanha para presidente. Basicamente nós temos uma eleição presidencial que se avizinha em que as pesquisas de opiniões apontam três nomes, todos absolutamente respeitáveis, grandes líderes. Mas o processo de escolha desses nomes não são democráticos: quem apresenta esses nomes são seus respectivos partidos, depois de uma decisão de cúpula. E no Brasil não se tem uma discussão por parte dos partidos de se colocar na sociedade uma discussão aberta desses nomes. Então, apesar de termos eleições diretas para presidente, o que ocorre é que o universo de pessoas que estão disputando foi escolhido por poucas pessoas. Teríamos que pensar, para oxigenar nossa democracia, num sistema que introduzisse algo como uma eleição anterior, uma disputa que permitisse aos partidos apresentar eventuais candidatos antecipadamente à população.

    ConJur — Mas os políticos têm interesse em reformar o sistema que os levou até onde eles estão?
    Dias Toffoli — Maurice Duverger escreveu no fim da décad...

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