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20 de Maio de 2024
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    Língua Portuguesa

    Publicado por Carta Forense
    há 16 anos

    - A Questão sobre Pontuação na Prova do Instituto Rio Branco

    No dia 9 de março deste ano, realizou-se a primeira bateria de provas para a seleção dos futuros diplomatas do Instituto Rio Branco, localizado em Brasília.

    É sabido que os candidatos a tão nobre função devem dominar a língua portuguesa, além de outras disciplinas, para obterem êxito no rigoroso certame a que se submetem, e, finalmente, ingressarem na prestigiosa Instituição.

    Alguns concursandos me pediram para comentar uma questão sobre "pontuação" - precisamente, sobre a "vírgula" -, com a qual depararam, na prova de Língua Portuguesa do mencionado concurso. Vamos ao teste:

    "Cada uma das opções subseqüentes reproduz períodos do texto, aos quais se acrescentaram uma ou mais vírgulas, que aparecem destacadas, seguindo-se uma justificativa. Assinale a opção em que é IMPROCEDENTE a justificativa apresentada para o acréscimo da (s) vírgula (s).

    A) O soldado e o marinheiro permutaram bofetadas, mais ou menos teóricas, numa esquina de minha rua (,) por causa da namorada comum, que devia chamar-se Marlene.

    Justificativa: a vírgula separa adjuntos adverbiais que expressam noções diferentes.

    B) O duelo durou vinte minutos (,) e cinqüenta pessoas assistiram.

    Justificativa: a vírgula separa orações coordenadas que, unidas pela conjunção e, têm sujeitos diferentes.

    C) A dificuldade total foi reconstituir o delito, porque (,) tanto no inquérito policial quanto na formação de culpa perante o juiz (,) as espontâneas e numerosas testemunhas prestaram depoimentos inteiramente contraditórios.

    Justificativa: as vírgulas isolam o adjunto adverbial antecipado.

    D) Como começara e como findara a luta (,) foi impossível apurar.

    Justificativa: a vírgula isola oração subordinada adverbial antecipada.

    E) Diante da premência da fome, frio e desabrigo, o primeiro material foi o mais próximo e a primeira técnica (,) improvisada pela urgência vital.

    Justificativa: a vírgula indica elipse do verbo.

    O gabarito apontou a alternativa D como a que deveria ter sido assinalada. Concordo, sem titubeio. Todavia, não me furto de elogiar o teste, que requereu amplo conhecimento do uso da vírgula e, sobretudo, de análise sintática.

    Como se verá abaixo, o abrangente teste exigiu o conhecimento de polissemia conjuntiva - tema ao qual sempre me atenho, nas aulas de português, em razão da insistente cobrança em provas de concursos e vestibulares. Procurei, à guisa de ilustração, citar testes neste artigo, com fartos exemplos, como forma de demonstrar a iterativa solicitação da temática.

    De início, comentarei as alternativas que trouxeram justificativas aceitáveis (letras A, B, C, e E). Após, deter-me-ei à análise da alternativa D.

    1º. Alternativa A: O soldado e o marinheiro permutaram bofetadas, mais ou menos teóricas, numa esquina de minha rua (,) por causa da namorada comum, que devia chamar-se Marlene.

    Justificativa Ofertada: a vírgula separa adjuntos adverbiais que expressam noções diferentes.

    Comentário: no período, a vírgula separa com adequação os adjuntos adverbiais de lugar (numa esquina de minha rua) e de causa (por causa da namorada comum). Note que se trata de circunstâncias que modificam o verbo" permutar "(bofetadas), trazendo-lhe as idéias de local e de motivo. A justificativa é válida.

    2º. Alternativa B: O duelo durou vinte minutos (,) e cinqüenta pessoas assistiram.

    Justificativa Ofertada: a vírgula separa orações coordenadas que, unidas pela conjunção e, têm sujeitos diferentes.

    Comentário: o período é composto por duas orações, em razão da presença de dois verbos - durar e assistir. A partícula e une tais orações, formadas por distintos núcleos dos sujeitos (duelo e pessoas). Neste caso - orações distintas, com sujeitos distintos, unidas pela partícula e -, a vírgula é obrigatória. A justificativa é válida.

    3º. Alternativa C: A dificuldade total foi reconstituir o delito, porque (,) tanto no inquérito policial quanto na formação de culpa perante o juiz (,) as espontâneas e numerosas testemunhas prestaram depoimentos inteiramente contraditórios.

    Justificativa Ofertada: as vírgulas isolam o adjunto adverbial antecipado.

    Comentário: a vírgula veio separar o anteposto adjunto adverbial (tanto no inquérito policial quanto na formação de culpa perante o juiz). Note que se trata de circunstância que modifica o verbo" prestar "(depoimentos), trazendo-lhe a idéia modificativa própria do advérbio. A justificativa é válida.

    4º. Alternativa E: Diante da premência da fome, frio e desabrigo, o primeiro material foi o mais próximo e a primeira técnica (,) improvisada pela urgência vital.

    Justificativa Ofertada: a vírgula indica elipse do verbo.

    Comentário: a elipse indica a supressão de um termo na oração, em cujo local será possível a inserção da vírgula. Na verdade, quando se consegue identificar o elemento suprimido - o que aconteceu no teste -, defende-se a ocorrência do chamado zeugma, ou seja, uma espécie de elipse. No caso, a frase preenchida ficará:" (...) o primeiro material foi o mais próximo e a primeira técnica FOI improvisada pela urgência vital. "A justificativa é válida.

    Passemos, agora, à análise da importante alternativa D:

    4º. Alternativa D: Como começara e como findara a luta (,) foi impossível apurar.

    Justificativa Ofertada: a vírgula isola oração subordinada adverbial antecipada.

    Comentário: A justificativa é INVÁLIDA.

    A justificativa ofertada é, de fato, inválida. Para a exata compreensão desse posicionamento, recomenda-se uma análise detida da conjunção" como ", acompanhada, se possível, de exaustiva exemplificação, com o fito de tornar didático o intrincado tema. É o que passo a fazer.

    O estudo dos conectivos nas orações não deve se assentar em um automatismo cego. Muitas vezes, a conjunção parece indicar um dado valor semântico, mas, na verdade, representa sentido diverso, dependendo do contexto relacional. O fenômeno é conhecido por" polissemia conjuntiva ".

    A conjunção" como "estabelece diferentes relações de sentido entre a oração principal e, por exemplo, a oração subordinada adverbial. Neste plano fronteiriço, são três os principais valores semânticos para o conectivo" como ": de causa, de conformidade e de comparação. Note:

    1. Relação de CAUSA: o conectivo assume o sentido causal, equivalendo à conjunção" porque "ou às locuções conjuntivas" já que e uma vez que ". Nesse caso, o termo ocupa a função sintática de conjunção subordinativa adverbial causal, aparecendo, exclusivamente, no início do período. Observe os fartos exemplos:

    a) Como havia chovido na véspera, os caminhões não conseguiram chegar à fazenda.

    b) Como estava chovendo, evitei sair de casa.

    c) Como estava apressada, a cliente esqueceu o cartão de crédito.

    d) Como não tenho dinheiro, não poderei participar da viagem.

    e) Como estava doente, não foi à aula.

    f) Como estamos em má situação, devemos investir o máximo neste projeto.

    g) Como estava esgotado, encostou-se a uma parede da velha casa.

    h) Como o professor exigiu, ele fez os trabalhos.

    i)" Como continuamos a ler pelos anos afora o maior nome das nossas letras, Machado de Assis é uma boa referência. (...) "

    j) Como praticamente não existem estímulos para procurar essa carreira, o cenário poderá ficar crítico nos próximos dez anos.

    l) Como o sol da tarde lhe queimava o rosto, fechou rapidamente a janela.

    m)" (...) Como o Estado tem o privilégio de impor ônus ao particular, e em prazos determinados, tanto mais deve agir com obediência a normas permanentes e conhecidas. "

    2. Relação de CONFORMIDADE: o conectivo assume o sentido conformativo, equivalendo às expressões" de acordo com "ou" conforme ". Nesse caso, o termo ocupa a função sintática de conjunção subordinativa adverbial conformativa. Note os variados exemplos:

    a) Tudo aconteceu como eles haviam previsto.b) Faço o trabalho como o regulamento prescreve.c) Como dizia o poeta,"a vida é a arte do encontro".d) Como ia dizendo, não me leve a mal!e) Como o jornal noticiou, o teatro ficou lotado.f) O funcionário procedeu como determina o memorando.g) Como é do conhecimento geral, tomaremos as medidas hoje mesmo.h) Como disse anteriormente, você está equivocado.i) Como se verá, nosso trabalho de tantos anos mostrou-se inteiramente inútil.

    3. Relação de COMPARAÇÃO: o conectivo assume o sentido comparativo, equivalendo às expressões" do mesmo modo que "," tal qual "," qual "," assim como "ou" igual a ". Traduz-se em tendência estilística conhecida por símile. Nesse caso, o termo ocupa a função sintática de conjunção subordinativa adverbial comparativa. Veja os exaustivos exemplos:

    a) Ele age como o pai (agiria).

    b) Maria falou como o seu tio (falou).c) O cão acomodou-se no sofá, como um caracol.d) Este menino é tão inteligente como o irmão.e) Como todos os seres vivos, nós nascemos, atingimos a maturidade, procriamos e morremos.

    f)" No pátio o silêncio dormia ao sol como um lagarto. "(Raul Pompéia, em" O Ateneu ")

    g)" As condecorações gritavam-lhe no peito como uma couraça de gritos. "(Raul Pompéia, em" O Ateneu ")

    h)" E cai como uma lágrima de amor. "(Antônio Carlos Jobim e Vinicius de Moraes)

    i)" Eu faço versos como quem chora / De desalento (...) de desencanto (...) "(M. Bandeira) j)" (...) Como os sacerdotes de antigamente, economistas têm a missão de explicar o inexplicável - como o dinheiro é tudo e nada ao mesmo tempo, por que falta dinheiro se dinheiro é papel impresso, ou se a quantidade de santinhos muda o tamanho do milagre. "

    l)" Como a tão malbaratada palavra "ética" , muito vocábulo perde seu sentido quando envereda por trilhas falsas. (...) "

    m)" O fim do bonde como transporte coletivo não correspondeu ao fim do signo,(...). "

    n)"... ouviam-se amplos bocejos, fortes como o marulhar das ondas..."

    o) O governo atual é tão bom ou ruim como os anteriores.

    p)" Do tamarindo a flor abriu-se, há pouco, / Já solta o bogari mais doce aroma! / Como prece de amor, como estas preces, / No silêncio da noite o bosque exala. "(Gonçalves Dias)

    q)" Se eu usasse lentes de contato, eu poderia ter um olho vermelho-sangue e outro amarelo-canário, como um inseto. "

    r)" A reação dos moradores foi tão chocante como as brutais mutilações. "

    Feitas as observações acima, impende destacar, ademais, que a conjunção" como "pode servir para introduzir certos tipos de orações subordinadas substantivas. Note os importantes exemplos abaixo:

    1. Na Oração Subordinada Substantiva Subjetiva:

    a) Ignora-se como chegou vivo à casa da mãe. (= Ignora-se isso, o sujeito) b) Estipula-se como será o cálculo. (= Estipula-se isso, o sujeito)

    c) Calcula-se como chegaremos ao topo da montanha. (= Calcula-se isso, o sujeito)

    2. Na Oração Subordinada Substantiva Objetiva Direta:

    a) Ignoramos como conseguiram se salvar. (= Ignoramos algo, o objeto direto)

    b) Ninguém sabia direito como ele iria embora. (= Sabia direito algo, o objeto direto)

    c) Eles confessaram-lhe como haviam conseguido entrar. (= Confessaram-lhe algo, o objeto direto)

    d) Perguntei-lhe como faria para saldar aquela dívida.[14] (= Perguntei-lhe algo, o objeto direto)

    e) Não sabemos como adquiriu o bem. (= Não sabemos algo, o objeto direto)

    f) Os jornais explicaram como os ladrões fugiram. (= Explicaram algo, o objeto direto)

    Assim, após esta minuciosa análise, a que julguei oportuno proceder, na resolução da questão, torna-se evidente que a alternativa D apresenta justificativa inválida, quanto ao uso da vírgula.

    A vírgula ocorre em tal assertiva para isolar, sim, uma oração subordinada substantiva objetiva direta (" Como começara e como findara a luta ") - no caso, anteposta -, e não para isolar oração adverbial.

    Para os concursandos, acredito que tenha ficado uma lição: a força da vírgula, bem justificada, é importante desafio àqueles que irão, sem o uso da força, diante de possíveis antagônicas justificativas, lidar com a arte da ponderação - os diplomatas. Boa sorte a todos!

    Prof. Eduardo Sabbag

    [1] FAUSTO, Boris. Folha de S. Paulo, Caderno Mais, in" A Dança das Palavras ", em 15-04-2007: Item de Vestibular da ESPM, realizado em julho de 2007.

    [2] Item do Concurso Público para cargo do Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes (DNIT), realizado em 2006.

    [3] Item do Concurso Público para cargo do Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes (DNIT), realizado em 2006.

    [4] MARINHO, Josaphat. Surpresas Tributárias, com adaptações: Item do Concurso Público para Auditor-Fiscal da Receita Federal, realizado pela ESAF, em 06-04-2002.

    [5] Item do Concurso Público para cargo do Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes (DNIT), realizado em 2006.

    [6] SAYAD, João. Cidade de Deus. Classe Revista de Bordo da TAM, nº 95, com adaptações): Item do Concurso Público para Auditor-Fiscal do Trabalho, realizado pela ESAF, em 13-12-2003.

    [7] LUFT, Lya. Veja, 30-11-2005: Item do Concurso Público para Escrevente Técnico Judiciário - TJ/SP, realizado pela VUNESP, em 23-04-2006.

    [8] FAUSTO, Boris. Folha de S. Paulo, Caderno Mais, in" A Dança das Palavras ", em 15-04-2007: Item do Concurso Público para Escrevente Técnico Judiciário - TJ/SP, realizado pela VUNESP, em 23-04-2006.

    [9] Item de Vestibular da PUC/SP, realizado em 2003.

    [10] Item do Concurso Público para cargo do Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes (DNIT), realizado em 2006.

    [11] Item do Vestibular do Mackenzie, realizado em dezembro de 2004.

    [12] Item do Vestibular da UFAM, realizado em 10-12-2006.

    [13] Item do Vestibular da PUC/SP, realizado em julho de 2006.

    [14] Item do Concurso Público para cargo do Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes (DNIT), realizado em 2006.

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    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/lingua-portuguesa/3554

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