Lula e o preconceito
Artigo de Adroaldo Furtado Fabrício, advogado, jurista, ex-presidente do TJRS
Lula, guerreiro do povo brasileiro, protetor dos pobres, amparo dos desassistidos e injustiçados, o melhor Presidente que o País já teve; querido das multidões, novo Getúlio Vargas. Fez tudo o que nenhum antecessor fizera: garantiu a soberania nacional, tornou-se ícone e guru mundial de governos, universidades, políticos, intelectuais e artistas, traçou o modelo de futuros líderes brasileiros e internacionais. Antes desses feitos, nascera e crescera em família paupérrima do mais áspero Nordeste, passara fome e fizera extraordinária escalada social, por meio de trabalho incansável e de uma liderança sindical carismática singular.
Na Presidência, dominara os trezentos picaretas e os outros (poucos) membros do Parlamento; conseguira exercer com vigor e efetividade inéditos a suprema magistratura, onde tantos foram engolidos pelo sistema, pela plutocracia e pela pétrea imobilidade burocrática. Um semideus, enfim, capaz de eleger como sucessor qualquer candidato que apoiasse, para garantir sua volta no quatriênio seguinte e um quarto de século no Poder.
O Brasil evoluiu no seu governo; fez-se justiça social como nunca antes na História deste País; as desigualdades, se não despareceram, foram muito atenuadas. As regiões mais atrasadas ficaram menos distantes das privilegiadas. O povo ficou feliz, sentiu-se no poder (quase usei a horrorosa palavra empoderado, mas ainda não foi desta vez) e mais esperançoso. Enfim, quase o melhor dos mundos, aquele do Dr. Pangloss.
Ou:
Lula, gatuno confesso e despudorado, chefe de quadrilha, ladrão enriquecido no Poder, explorador da imagem de sua falecida esposa, dono de sítios e apartamentos mal-havidos. Totalmente desqualificado para a função pública, exerceu a maior delas mercê da ignorância e atraso do eleitor. Cortejou os ricos, embaiu os pobres e explorou a todos. Mentiu a vida toda e continua mentindo para engrandecer-se e aviar seu sonho de retornar à Presidência; seus únicos objetivos são os político-partidários e os do eniquecimento próprio, da família (a quem também trai) e dos apaniguados (que roubam para ele apara os próprios, mas ele também passa para trás se convier.
Vendeu-se a Cuba, Venezuela, Angola e ao que mais conviesse, além das grandes empresas que o nutriram.
Enfim, um bandido cujo lugar é a cadeia para onde o mandou Sérgio Moro, herói nacional, único juiz honrado, correto e digno do Brasil. Lugar de quadrilheiro é no xilindró, onde deve apodrecer para sempre, segundo o receituário de um certo Deputado (e pré-candidato à mesma Presidência!). Banido da política, onde tantos homens bons podem sofrer a má influência desse monstro asqueroso, nunca mais poderá candidatar-se sequer a vereador em Guaranhuns ou Serra do Cão. Um escarmento indispensável para todos os larápios do erário, que com ele devem dividir a perpétua sombra (se não for possível matá-los a todos) uma cela, de preferência no Carandiru, que a Papuda é moleza.
Ou, ainda:
Lula foi um capítulo a parte na História do Brasil. Cresceu por seus méritos, mas também pisou muitos pescoços e talvez haja compactuado de crimes terríveis, alguns levantados pela Polícia e agora submetidos a Moro (que não é heroi ou vilão, apenas um bom juiz como centenas de juízes anônimos), outros temporariamente ou para sempre desconhecidos.
Como quase todos (atenção: eu disse quase) os que cresceram vindo de baixo e atingiram culminâncias, não estava preparado para tamanho êxito pessoal, nem para as enormes responsabilidades que assumiu. Quebrou a cara como os outros, e quebrou junto a nossa cara, a nossa dignidade de povo pensante e, no medonho processo de degradação, a economia do nosso País, cuja desgraça apenas começa a desenhar-se.
(Alguns que lerem isto, se é que alguém lê, dirão que sou influenciado por origens e preconceitos aristocráticos; pode parecer, mas não é verdade. Nunca fui exatamente pobre, nem de patrimônio nem de espírito, e conquistei com luta e sacrifício meus pequenos triunfos. Batalhei meu lugar no Mundo, habituei-me ao autopoliciamento e à busca permanente do justo. Se erro, é sem malícia ou moldagem deliberada do erro. Os preconceitos que, como todos, infelizmente carrego, não são esses. Perguntem a quem conhece minha biografia).
O que ficou dito nos parágrafos iniciais (as alternativas opostas) é um pouco verdade, um pouco invenção de cabeças enlouquecidas pelo fanatismo e muita buzina da mídia parcializada para lá ou para cá, que informa nas linhas e contrainforma nas entrelinhas. (Não temos a tão decantada Imprensa Livre, assim, com maiúsculas; os veículos pertencem a empedernidos direitistas e os profissionais que lá trabalham são em maioria da gauche, inclusive da mais histérica).
Mais não fazem os jornalões (e os jornaizinhos) do que alimentar essa doida esquizofrenia nacional. É o que vende espaço e anúncios, desgraçadamente. Quem quiser pelo menos aliviar-se dessa nefasta paranoia, já que livrar-se talvez não seja possível, leia tudo – inclusive estes meus palpites escritos como certezas mas recheados de dúvidas – com extrema cautela e aguçado espírito crítico.
Enfim, o momento é terrível e talvez piore logo. Quase tudo o que ficou escrito, parece, não tem muito a ver com o título, mas é daquele réu que estamos falando; por boa ou má intenção, por ignorância ou safadeza, meteu-nos nesta fossa. Sugiro que, antes de dizer que o juiz parcializou-se, ou que a sentença é maravilhosa; que a condenação é muito pesada ou muito leve, ou indevida, procurem inteirar-se, ainda que em resumo, dos fundamentos expostos em mais de duzentas páginas. Não avaliem essa ou qualquer outra decisão (judicial ou alguma outra) apenas pela conclusão simpática ou desagradável ao paladar de quem julga o julgamento. Isso, sim, é preconceito.
Melhor Brasil para nós, é o que posso desejar de coração.
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Leia a íntegra da sentença proferida por Sérgio Moro.
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