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6 de Maio de 2024
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    Mais que um ser humano o bom juiz deve ser humano

    Publicado por Justificando
    há 8 anos

    “Aaaah, meu bom juiz
    Não bata este martelo nem dê a sentença
    Antes de ouvir o que o meu samba diz..
    Pois este homem não é tão ruim quanto o senhor pensa...”

    Bezerra da Silva

    Já foi dito, lembra Francesco Carnelutti [1], que para ser juiz um homem “deveria ser mais que um homem”. Assevera, ainda, o mestre italiano que: “nenhum homem, se pensasse no que ocorre para julgar outro homem, aceitaria ser juiz”.

    Não resta dúvida que julgar o semelhante está entre as tarefas mais difíceis, árduas e complexas conferidas a um ser humano, principalmente, se exercida com ética, denodo, responsabilidade, respeito às partes, ao devido processo legal, ao contraditório e a ampla defesa e, sobretudo, com comprometimento social e com os inalienáveis direitos e valores fundamentais.

    Se julgar o seu semelhante não é tarefa fácil, quando se trata do juiz criminal a tarefa se torna hercúlea. Como já sentenciou Roberto Lyra [2],“o juiz criminal apaga ou acende a lâmpada do destino, atribui a graça ou a desgraça”.

    É certo que as decisões tomadas em desrespeito aos princípios fundamentais, motivadas por ódio, por sede de vingança, para atender interesses, ainda que de uma maioria, ou por influência midiática, jamais acolheram os fundamentos justificadores do processo penal democrático, qual seja, a garantia das liberdades individuais.

    Em alerta aos futuros magistrados Rui Barbosa [3] disse: “não vos deixeis contagiar de contágio tão maligno. Não negueis jamais ao Erário, à Administração, à União, os seus direitos. São tão invioláveis, com qualquer outros. Mas o direito dos mais miseráveis dos homens, o direito do mendigo, do escravo, do criminoso, não é menos sagrado, perante a justiça, que do mais alto dos poderes. Antes, com os mais miseráveis é que a justiça deve ser mais atenta, e redobrar de escrúpulo”.

    Contudo, é preciso destacar que o juiz é antes de tudo um ser humano com todas as suas vicissitudes e que, também, age sob a influência das suas circunstâncias. Como bem disse Ortega y Gasset, “eu sou eu e minhas circunstâncias”. O juiz antes de ser juiz foi criança, adolescente... Ele é filho, pai, irmão, marido, amante... Apaixona-se e desapaixona. Casa e descasa. O juiz também tem febre, dor de barriga, diarréia; quando criança pode ter tido catapora, sarampo ou caxumba... O juiz xinga, fica nervoso, tem medo, raiva, ciúme, vaidade... Tem amigos e, porque não, inimigos. Tem seus prazeres e vícios. Sente calor e frio. O juiz também ri e chora. O juiz vive e morre.

    O eminente professor Jacinto Nelson de Miranda Coutinho [4] ao escrever sobre “o papel do novo juiz no processo penal” assevera que: “é preciso que fique claro que não há imparcialidade, neutralidade e, de consequência, perfeição na figura do juiz, que é um homem normal e, como todos os outros, sujeito à história de sua sociedade e à sua própria história. Mas se isto é tão evidente, pela própria condição humana, parece lógico que a desconexão entre o dever ser e o ser só é possível e aceita em função de fatores externos (manutenção do status quo) e internos (manutenção, ainda que vã, do equilíbrio), em uma retroalimentação do sistema processual penal em vigor”. No que se refere à neutralidade e a imparcialidade do juiz, Jacinto Coutinho afirma que: “democracia – a começar a processual – exige que os sujeitos se assumam ideologicamente. Por esta razão é que não se exige que o legislador, e de consequência o juiz, seja tomado completamente por neutro, mas que procure, à vista dos resultados práticos do direito, assumir um compromisso efetivo com as reais aspirações das bases sociais. Exige-se não mais a neutralidade, mas a clara assunção de uma postura ideológica, isto é, que sejam retiradas as máscaras hipócritas dos discursos neutrais, o que começa pelo domínio da dogmática, apreendida e construída na base da transdisciplinariedade” [5].

    Por seu turno, em sua Obra “Mitologia Processual Penal”, ao escrever algumas páginas sobre o mito da neutralidade do órgão julgador, Rubens R. R. Casara [6] conclui ao final que a imparcialidade não se confunde com a neutralidade. A neutralidade, afirma Casara, “é impossível, ao passo que imparcialidade é garantia do jurisdicionado (...) o que está assegurado às partes é o fato de o juiz não ter aderido prima facie a qualquer das alternativas de explicação que as partes dialeticamente trazem aos autos, durante a relação processual”.

    Daí decorre a separação fundamental entre o Estado-juiz (com o dever de ser imparcial) e o Estado-acusador (órgão parcial, mas que deve atuar de forma impessoal e comprometida com a legalidade estrita). [7]

    Assim, também, Alexandre Morais da Rosa [8] para quem embora o juiz ignore os fatos, não é neutro, “já que possui suas conotações políticas, religiosas, ideológicas, etc.”, mas deve ser imparcial (imparcialidade objetiva e subjetiva).

    Ainda que não seja neutro, pois nenhum homem o é, o juiz deve ser imparcial. Embora imparcial o juiz, principalmente o juiz criminal, deve compreender que o Estado é a parte forte na relação processual, o Estado é o detentor do jus puniendi e, portanto, se alguém deve ser “protegido” este alguém é o acusado. Assim, deve o magistrado zelar e portar-se como um verdadeiro guerreiro na defesa dos direitos e garantias fundamentais, na defesa da Constituição da República.

    Os Juízes que desprezam por completo o sagrado, constitucional e inviolável direito de defesa; que se confundem com o acusador ou suprem a deficiência da acusação; que falam mais à imprensa do que no processo; que diante das causas de repercussão midiática se transformam em superstars; que censuram publicamente a defesa, bem como aqueles que pensam contrariamente a eles; que sentenciam com ódio... Esses não são juízes, são justiceiros, vingadores, verdugos... Deles, definitivamente, o Estado democrático de direito não precisa.

    Deste modo, a figura do juiz imparcial torna-se inteiramente comprometida. A posição equilibrada que o juiz deve ocupar, durante o processo, ensina Geraldo Prado [9], “sustenta-se na ideia reitora do princípio do juiz natural – garantia das partes e condição de eficácia plena da jurisdição – que consiste na combinação de exigência da prévia determinação das regras do jogo (reserva legal peculiar ao devido processo legal) e da imparcialidade do juiz, tomada a expressão no sentido estrito de estarem seguras as partes quanto ao fato de o juiz não ter aderido a priori a uma das alternativas de explicação que autor e réu reciprocamente contrapõe durante o processo”.

    Hodiernamente, no processo penal democrático comprometido com os valores inerentes à dignidade da pessoa humana o juiz, na perspectiva de um sistema garantista, deve assumir, no dizer de Aury Lopes [10], uma “função de garantidor, não devendo julgar conforme deseja a maioria e, não podendo, fica inerte diante de violações ou ameaças de lesão aos direitos fundamentais, constitucionalmente consagrados ou que brotem dos tratados e convenções firmados pelo Brasil”.

    Por tudo é que o bom juiz deve ser garantista, minimizar o poder punitivo estatal e maximizar as garantias e liberdade. O bom juiz deve se tornar escravo dos princípios fundamentais da legalidade estrita, da culpabilidade, da lesividade, da presunção de inocência, do contraditório, do devido processo legal e, principalmente, da dignidade da pessoa humana, corolário do Estado democrático de direito. Mais que um ser humano o bom juiz deve ser humano.

    Belo Horizonte, Primavera de 2015.

    Dedico este artigo ao Professor Dr. Jacinto Nelson Miranda Coutinho, Advogado brilhante, excepcional processualista e um verdadeiro humanista.

    Leonardo Isaac Yarochewsky é Advogado Criminalista e Professor de Direito Penal da PUC-Minas.
    REFERÊNCIAS
    [1] CARNELUTTI, Francesco. As misérias do processo penal. Trad. José Antonio Cardinalli. Campinas: Conan, 1995.
    [2] LYRA, Roberto. Direito penal normativo. Rio de Janeiro: José Konfino, 1975. [3] BARBOSA, Rui. Oração aos moços. Ediouro [4] COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. O papel do novo juiz no processo penal. In: COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda (Org.). Crítica à teoria geral do direito processual penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. [5] Idem. [6] CASARA, Rubens R. R. Mitologia processual penal. São Paulo: Saraiva, 2015. [7] CASARA, ob. cit. [8] ROSA, Alexandre Morais da. Guia compacto do processo penal conforme a teoria dos jogos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013. [9] PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das Leis processuais penais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001. [10] LOPES JÚNIOR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.
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