Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
17 de Maio de 2024
    Adicione tópicos

    Ministro do STJ repudia argumento de “legítima defesa da honra” em caso de feminicídio

    O ministro Rogerio Schietti Cruz, do Superior Tribunal de Justiça - STJ, repudiou o argumento da defesa de um homem denunciado por matar a esposa estrangulada após uma festa. Os advogados e o acusado argumentaram que a vítima teria adotado “atitudes repulsivas” e provocativas contra o marido, o que justificaria o reconhecimento de legítima defesa da honra e a absolvição sumária do réu. O recurso especial foi rejeitado.

    Segundo o processo, durante uma festa, a vítima teria dançado e conversado com outro homem, o que gerou a ira e despertou os ciúmes do marido, que estaria alcoolizado. A mulher também teria dito que queria romper o relacionamento. Em casa, o homem pegou uma corda e laçou o pescoço da esposa, matando-a por asfixia.

    Na decisão, o ministro foi enfático. "Embora seja livre a tribuna e desimpedido o uso de argumentos defensivos, surpreende saber que ainda se postula, em pleno ano de 2019, a absolvição sumária de quem retira a vida da companheira por, supostamente, ter sua honra ferida pelo comportamento da vítima. Em um país que registrou, em 2018, a quantidade de 1.206 mulheres vítimas de feminicídio, soa no mínimo anacrônico alguém ainda sustentar a possibilidade de que se mate uma mulher em nome da honra do seu consorte", afirmou.

    Para Adélia Pessoa, presidente da Comissão de Gênero e Violência Doméstica do Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM, a decisão atende à lei, a doutrina e a jurisprudência contemporâneas. “Há muito tempo ficou superada a ‘tese de legítima defesa da honra’, em que parceiros cometiam crimes de feminicídio”, afirma.

    Esta é, para a advogada, a legitimação da indevida justificativa para o assassinato de mulheres por seus parceiros. Fato que serviu durante tanto tempo para a defesa de crimes, ditos passionais, em que maridos se achavam com o direito de vida e morte sobre suas mulheres.

    “A honra é atributo subjetivo e a ‘honra’ de um homem não é violada neste caso, matéria já pacífica no Direito brasileiro. Lembro que, durante mais de dois séculos, o Brasil regeu-se pelas Ordenações Filipinas, de 1603, cujo Livro V, Título XXXVIII, que tratava dos Delitos e das Penas e dispunha, dentre outras coisas: ‘achando o homem casado sua mulher em adultério, licitamente poderá matar assim a ela, como ao adúltero, salvo se o marido for peão e o adúltero Fidalgo ou Desembargador, ou pessoa de maior qualidade’”, lembra.

    Os tempos são outros e o direito também mudou. Com as mudanças econômico-sociais e, consequentemente, mudança de valores culturais, pressões e interesses manifestados de diversas formas pela sociedade civil, especialmente pelos movimentos de mulheres, tornaram possível a ocorrência de transformações no Direito, com significativas mudanças no direito de família, a partir da Constituição de 1988 e da ratificação das Convenções Internacionais pelo Brasil.

    “Os movimentos de Mulheres das décadas de 1970 e 1980 do século passado enfrentaram com firmeza esta 'aberração jurídica'. Ficou famoso o caso Doca Street, que matara a mulher e obtivera inicialmente, no primeiro júri, em 1979, a desclassificação do homicídio doloso com alegação da ‘legítima defesa da honra’, o que equivalia no caso à absolvição, pois valia como homicídio doloso com pena irrisória - condenado apenas a dois anos de prisão, com direito à suspensão da pena. A vítima era a culpada”, conta.

    Com o recurso do Ministério Público, Doca foi a novo julgamento do Tribunal do Júri. A advogada ainda destaca que os movimentos feministas da época ganharam voz com a defesa de que a mulher tem o direito de fazer suas próprias escolhas e surgiu o slogan “Quem ama não mata”, sendo peça fundamental nas decisões futuras.

    “No segundo julgamento, em 1981, os jurados entenderam que Doca não agiu em legítima defesa da honra, mas que ocorrera homicídio doloso qualificado, sendo ele condenado a quinze anos de reclusão. Em 1991, já foi fixada tese no sentido de que não prevalece a legítima defesa da honra nesses casos”, diz.

    Argumento da defesa

    Sobre a “justificativa” usada pela defesa no caso em questão, a presidente da Comissão de Gênero e Violência Doméstica do IBDFAM diz entender que as mudanças de padrões culturais precisam ser trabalhadas em todos os níveis educacionais para mitigar o machismo ainda existente na sociedade brasileira.

    “Nunca é demais dizer que a educação é via indispensável para efetivação de direitos humanos, desconstrução de estereótipos e preconceitos, superação das desigualdades e desrespeito à diversidade. Como afirmava o maior educador do Brasil, Paulo Freire: ‘Educação não transforma o mundo. Educação muda as pessoas. E pessoas transformam o mundo’”, afirma.

    Projeto quer tornar feminicídio crime imprescritível

    Tramita no Senado Federal a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 75/2019, que pretende modificar o artigo da Carta Magna para determinar que o feminicídio poderá ser julgado a qualquer tempo, independentemente da data em que foi cometido. O texto foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça - CCJ e agora segue para votação em dois turnos no Plenário.

    Por sugestão da presidente da CCJ, Simone Tebet (MDB-MS), o relator Alessandro Vieira (Cidadania-SE) também incluiu o estupro na lista de crimes imprescritíveis. Proposta com esse objetivo (PEC 64/2016) já foi aprovada pelo Senado e aguarda decisão da Câmara dos Deputados.

    A necessidade de tornar outros crimes imprescritíveis, como o homicídio qualificado e o homicídio motivado por homofobia, também foi pauta na reunião da CCJ. Mas a discussão foi adiada após ser destacada a urgência em avançar na proteção das mulheres.

    Adélia Moreira Pessoa diz que só tem a aplaudir a ia intenção do projeto. Entretanto, ao seu olhar, terá mais uma função simbólica do que preventiva.

    “Não me parece funcionar para inibir o crime. A impunidade por prescrição é rara nestes casos pelo explicitado abaixo. No caso do Crime de Feminicídio, que foi qualificado pela Lei do Feminicídio (13.1004), de 2015, com pena de 12 até 30 anos, a prescrição, antes de transitar em julgado a sentença, se dará em vinte anos (quando o máximo da pena é superior a doze anos). A prescrição depois de transitar em julgado a sentença condenatória regula-se pela pena aplicada.”, enfatiza.

    Para ela, apenas as normas jurídicas, mesmo constitucionais, não são suficientes para mudar padrões culturais arraigados que são transmitidos intergeracionalmente. É necessário investir na educação em direitos humanos, no respeito ao outro, na cidadania, em todos os níveis de ensino e também na mídia em geral.

    “Investir em políticas públicas para acolhimento à vítima e familiares; para reabilitação daquele que comete violência doméstica desde o início das violações, para que ele mude seu modo de pensar e agir. Não continuarmos a ‘culpar a vítima’ , como se a mulher fosse a responsável pela violência”, destaca.

    • Publicações4569
    • Seguidores502588
    Detalhes da publicação
    • Tipo do documentoNotícia
    • Visualizações150
    De onde vêm as informações do Jusbrasil?
    Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/ministro-do-stj-repudia-argumento-de-legitima-defesa-da-honra-em-caso-de-feminicidio/780415615

    Informações relacionadas

    Esteves Advocacia, Advogado
    Notíciashá 3 anos

    Debate sobre a legítima defesa da honra marca 1ª live do Comitê da Promoção da Igualdade de Gênero do TJRJ

    Supremo Tribunal Federal
    Jurisprudênciahá 7 meses

    Supremo Tribunal Federal STF - ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL: ADPF 779 DF

    Contestação - TJSP - Ação Feminicídio - Ação Penal - Procedimento Ordinário

    Supremo Tribunal Federal
    Jurisprudênciahá 3 anos

    Supremo Tribunal Federal STF - REFERENDO NA MEDIDA CAUTELAR NA ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL: ADPF 779 DF

    Editora Revista dos Tribunais
    Doutrinahá 2 anos

    Primeiras Páginas

    0 Comentários

    Faça um comentário construtivo para esse documento.

    Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)