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15 de Junho de 2024
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    Moro, STF e a prisão de Palocci

    Publicado por Justificando
    há 7 anos

    Todos nós sabemos a diferença entre um texto informativo e um texto argumentativo. Para quem não conhece o procedimento do habeas corpus, uma breve explicação: o impetrante aponta as razões pelas quais entende que o paciente esteja sofrendo um constrangimento ilegal (texto argumentativo), o julgador solicita que a autoridade coatora preste informações sobre a situação narrada (texto informativo) e, antes do julgamento definitivo, os autos são encaminhados ao Ministério Público para elaboração de um parecer (texto argumentativo).

    Dito isso, peço atenção à leitura dos seguintes trechos extraídos de uma manifestação em habeas corpus que tramita perante o Supremo Tribunal Federal:

    Eis um texto informativo ou argumentativo? As manifestações parecem ter sido proferidas pelo Ministério Público (que deve dar um parecer sobre o caso) ou pela autoridade coatora (que deve simplesmente prestar informações)? Estaríamos diante de informações sobre um processo ou de argumentos para fundamentar um pedido? Dá para acreditar que um magistrado de primeira instância, a pretexto de simplesmente prestar informações na condição de autoridade coatora, ousaria fazer recomendações sobre a manutenção de uma prisão (citando doutrinas que fazem referências à trágica Operação Mãos Limpas) e proferir lições ao STF sobre a importância da prisão preventiva para combater a “corrupção sistêmica”?

    Vamos ao caso.

    Hoje à tarde, foi divulgado o teor de um ofício enviado pelo juiz Sergio Moro ao Supremo Tribunal Federal. Segundo o Valor, “Em ofício a Fachin, Moro pede que Palocci seja mantido preso”. Conforme o G1, “Moro pede para Fachin manter prisão preventiva de Palocci”. Diante da gravidade dos fatos, é de se conferir os autos do HC 143333, em trâmite perante o Supremo Tribunal Federal, ao qual todos podem ter acesso por se tratar de um processo público.

    Eis o documento (anexei ao email) de onde foram extraídos os trechos acima.

    No caso em questão, percebemos que os impetrantes narraram a ocorrência de constrangimento ilegal praticado contra o paciente Antonio Palocci Filho, apontando como autoridade coatora o Superior Tribunal de Justiça, que manteve prisão preventiva decretada pelo juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba.

    O Relator Min. Edson Fachin negou a liminar e determinou: “Colham-se as informações do Juízo da 13ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Curitiba/PR”. O equívoco nessa decisão foi identificado pelos advogados que impetraram o habeas corpus, dado que a autoridade coatora apontada não era a instância inicial, mas o Superior Tribunal de Justiça. Seja como for, fato é que o Supremo Tribunal Federal ordenou que o juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba prestasse informações sobre o caso.

    Todos que já estiveram diante de um habeas corpus sabem que se trata de um texto informativo, por meio do qual o magistrado narra objetivamente os fatos ocorridos no processo e a situação atual do caso.

    Não parece ter sido o que ocorreu.

    Ao invés de informações, temos argumentos. Ao invés do histórico processual, temos um discurso de combate ao crime. Ao invés da narrativa de fatos processuais, temos a defesa de uma posição ideológica muito clara (ilustrada, inclusive, por doutrina que remete à Operação Mãos Limpas). Ao invés do relato objetivo de um magistrado, temos as impressões subjetivas de alguém que, embora esteja na condição de autoridade coatora que deve prestar informações à instância superior, apresenta argumentos e recomendações ao Supremo Tribunal Federal.

    Para espanto de quem ainda acredita no que está escrito em nossa Constituição Federal, o magistrado vale-se do dever de prestar informações objetivas à instância superior para apresentar argumentos a favor de uma prisão cuja legalidade será julgada pelo próprio Supremo Tribunal Federal, ministrar lições sobre o que poderia ter ocorrido caso esses mesmos Ministros tivessem decretado prisões antecipadas no caso conhecido como Mensalão e oferecer conselhos sobre o que lhe parece ou não ser “prudente” à Corte.

    Na medida em que o magistrado apresenta argumentos a favor da prisão, ressaltando que “caso tivessem sido decretadas na épocas [do Mensalão] as prisões preventivas de alguns dos agentes centrais dos esquemas criminosos, talvez o esquema criminoso que vitimou a Petrobrás não tivesse ocorrido” e que “não parece prudente, dados os indícios da prática serial de crimes graves, que se coloque em liberdade o paciente”, dá ensejo, na prática, à interpretação veiculada pela mídia de que estaria efetivamente pedindo a prisão do paciente ao Supremo Tribunal Federal.

    Se você entende alguma coisa de Direito, não precisa de nenhuma explicação sobre a ilegalidade da conduta, sobre como se está destruindo a estrutura do sistema acusatório, sobre como atitudes como essa ainda causam espanto mesmo no contexto lamentável do processo penal de exceção que vivemos.

    Se você não entende nada, lembre que as partes pedem e o juiz julga. Essa é a lógica do sistema processual acusatório, é isso que assegura um mínimo de imparcialidade. Ou então, pense que o juiz expulsou um jogador do seu time. A partida seguinte seria a final do campeonato, então o clube entra com recurso para reverter a suspensão decorrente desse cartão vermelho. Então esse magistrado, que deveria simplesmente relatar e informar o que ocorreu em campo, vai até o Tribunal de Justiça Desportiva e pede a manutenção da suspensão do atleta que ele mesmo expulsou, com base em suas convicções pessoais. Se existe algum bom senso, no mínimo você acharia que algo estranho está acontecendo na arbitragem do futebol brasileiro…

    Fernando Hideo Lacerda é Advogado criminal e Professor de Direito Penal e Processual Penal na Escola Paulista de Direito (EPD), nos cursos de graduação e pós-graduação. Mestre e doutorando em Direito Processual Penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

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    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/moro-stf-e-a-prisao-de-palocci/457177673

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