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16 de Junho de 2024
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    MP-PR discute em seminário avanços e riscos de retrocesso na área dos Direitos Humanos

    Foi realizado em Curitiba, entre os dias 28 e 30 de novembro, o Seminário Estadual “Direitos Humanos – Avançar sem Retrocessos”. Promovido por meio do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Proteção aos Direitos Humanos, o evento culminou com a realização da V Mesa Redonda: Movimentos Sociais, Direitos Humanos e Desafios, com debates a respeito de temas relevantes ligados à defesa de garantias fundamentais, notadamente das parcelas mais vulneráveis da população, como negros, indígenas, pessoas em situação de rua, trabalhadores rurais e comunidades tradicionais e LGBT. O encontro também foi marcado por Moção de Repúdio à PEC 55 (241), medida aprovada nesta semana (29), em primeira votação, no Senado Federal.

    O seminário foi aberto no dia 28, pelo procurador-geral de Justiça, Ivonei Sfoggia, que destacou a importância das discussões pautadas, sobretudo em virtude do momento político do país, citando ainda em sua fala a preocupação com a votação pelo Senado Federal da PEC 55 (241) e de medidas que afetam diretamente a atuação dos membros do Ministério Público e do Judiciário. “Há sérios riscos de comprometimento às promessas de cidadania contempladas pela Constituição Federal de 1988, bem como aos tratados e convenções internacionais”, destacou Ivonei. “Como resposta a uma atuação firme do Ministério Público brasileiro como um todo, com destaque à Operação Lava Jato, tentam nos encurralar e nos diminuir. É importante que tenhamos claro isso. Daí a relevância de eventos assim, no sentido de fortalecer o debate democrático acerca deste temas”, disse.

    Repúdio – O seminário iniciou com uma mesa sobre a PEC 55/241 mediada pelo coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Proteção aos Direitos Humanos, procurador de Justiça Olympio de Sá Sotto Maior Neto. Participaram das discussões apontando argumentos jurídicos a respeito do efeito nocivo da medida, bem como de sua inconstitucionalidade, o representante da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), promotor de Justiça Nilzir Soares Vieira Júnior, e o consultor legislativo do Senado Federal, Ronaldo Jorge Araújo Vieira Júnior. Aspectos de impacto social e humano da PEC foram trazidos pelo bispo Dom José Antônio Peruzzo, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), e a questão sob a ótica econômica foi apresentada pelo economista Eduardo André Consentino, do Conselho Regional de Economia do Paraná (confira aqui áudios dos debatedores). Ao final, foi assinada de forma conjunta pelo MP-PR, Conamp, CNBB e Corencon-PR uma Moção de Repúdio à PEC 55 (241).

    Palestra Magna – Ainda na segunda-feira (28), foi realizada, às 19 horas, a palestra magna “Direitos Humanos e Ministério Público”, proferida pela presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos, vinculado à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR), e procuradora de Justiça do Ministério Público do Estado de Goiás, Ivana Farina. A palestra foi precedida de apresentação cultural do Grupo de MPB da Universidade Federal do Paraná.

    Em seu fala, a procuradora de Justiça (foto) destacou as atribuições constitucionais do Ministério Público, que possui uma definição muito peculiar no regramento constitucional brasileiro. “Raras são as legislações no mundo que possuem uma concepção como a nossa, ou seja, de um Ministério Público como uma instituição permanente que possui parcela de soberania do estado”, afirmou. Ressaltando a importância estratégica das políticas sociais para o desenvolvimento da nação, Ivana chamou atenção para o princípio que rege a atuação institucional na área de proteção aos direitos humanos. “O princípio que vale para os direitos sociais é o do não retrocesso. E, se eu não posso retroceder, estou garantindo o desenvolvimento nacional, que deve ser baseado nas pessoas. Devemos girar o nosso foco, que não pode ser no avanço teórico, e sim no avanço social, na dignidade do próximo e na legitimidade a partir de nossa atuação institucional”, finalizou.

    A exposição, seguida de debate, foi mediada pela promotora de Justiça e coordenadora do Núcleo de Promoção da Igualdade de Gênero (Nupige), do Núcleo de Promoção da Igualdade Étnico-Racial (Nupier) e do Núcleo LGBT do MP-PR, Mariana Seifert Bazzo.

    População de rua – Na terça-feira (29), o seminário iniciou com um debate sobre o direito à moradia das pessoas em situação de rua, com o coordenador do Movimento Nacional da População de Rua e conselheiro do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), Leonildo Monteiro Filho, e o conselheiro da Organização de Direitos Humanos Terra de Direitos e professor universitário Leandro Franklin Gorsdorf, com mediação da promotora de Justiça Aline Bilek Bahr, da Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo de Curitiba. Em sua fala, Leonildo (foto) destacou a ausência de programas ou políticas públicas no Paraná direcionados à questão, pontuando que hoje há perto de 10 mil pessoas vivendo em situação de rua no estado, sendo a metade disto na capital, sendo que muitos são famílias, que estão na rua em virtude da situação econômica do país. Leandro falou sobre o relatório apresentado no início deste ano no Conselho de Direitos Humanos da ONU a respeito da moradia adequada como um direito humano, em que é dado amplo destaque à situação das pessoas em situação de rua, além de traçar um apanhado do que é feito em política pública na esfera nacional quanto ao problema. Ao final, Leonildo foi homenageado pelos presentes com uma salva de palmas por conta de sua indicação ao Prêmio de Direitos Humanos da Secretaria Especial de Direitos Humanos, a mais alta condecoração do governo federal a pessoas e entidades que atuam na matéria – foi o único representante do Paraná premiado.

    Minoria entre as minorias – A palestra seguinte, ainda na manhã do dia 29, tratou da frequente falta de acesso a direitos fundamentais enfrentada pelas pessoas que integram a comunidade LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais). A responsável pela mesa, mediada pela promotora de Justiça Mariana Seifert Bazzo, foi Daniela Andrade (foto), militante pela visibilidade trans e pelo fim da discriminação contra as pessoas trans. Pautada a partir da experiência pessoal (ela é uma mulher trans e conseguiu na Justiça o direito de ser reconhecida pelo gênero feminino), Daniela apresentou várias situações de desrespeito enfrentadas pelas pessoas trans e travestis no seu cotidiano – de situações prosaicas, como a dificuldade para utilizar banheiros públicos, ao preconceito recorrente no mercado de trabalho. Um ponto que recebeu destaque foi o problema das agressões e violência constantes (conforme dados da ONG Transgender Europe, o Brasil é o país que mais mata travestis e pessoas trans no mundo, e a expectativa de vida deste segmento da população é de até 35 anos) e da dificuldade que estas pessoas vivenciam junto ao Estado para serem reconhecidas por suas identidades de gênero – inclusive pelo Ministério Público e pelo Judiciário.

    Comunidades tradicionais – Abrindo o painel sobre “Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais”, com a mediação da promotora de Justiça Ana Paula Pina Gaio, o professor José Antônio Peres Gediel afirmou que a Constituição de 1988 representou, paradoxalmente, uma ruptura e uma continuidade em relação aos direitos dos povos e comunidades tradicionais. Por conta do clamor dos ativistas e movimentos sociais, houve uma mudança efetiva de postura do Estado em relação a esses povos e comunidades, mas o modelo de desenvolvimento do país continuou baseado na tomada à força das riquezas e das terras desses povos. O risco de retrocesso em relação aos direitos deles ocorre faz tempo e continua existindo. Segundo Gediel, existe uma estratégia de desmonte das estruturas administrativas encarregadas pela Constituição Federal de promover a demarcação das terras indígenas e assegurar o domínio das áreas quilombolas e outras formas de uso da terra numa perspectiva não alinhada com o modelo de desenvolvimento do Estado brasileiro. Tal modelo favorece grupos empresariais, sobretudo do Sudeste, e representa a continuidade do modelo colonial. “Parece que há um norte que muda de nome, perfil, técnica e estratégia, mas permanece o mesmo: como obter maior ganho com a pilhagem das riquezas naturais e das terras dessas comunidades, grupos e povos”.

    A professora Edilene Coffaci de Lima disse que a população indígena de hoje, estimada em 1 milhão de pessoas, representa apenas 20% do que foi há cinco séculos. Criticou a política indigenista do país, voltada à supressão da diversidade e à “integração”. Apresentou dados sobre remoções forçadas de populações indígenas ao longo da história recente, como as da década de 1970, durante o regime militar. Grupos indígenas diferentes foram removidos violentamente, e muitos índios foram assassinados. Segundo ela, a violência contra os indígenas é uma constante na história do Brasil. “Estiveram em curso crimes de genocídio”, declarou. Ela criticou o uso do marco temporal estabelecido pelo STF para a demarcação de terras indígenas, que exige presença efetiva do grupo na data de entrada em vigor da nova Constituição, contrariando assim a posse imemorial dos índios sobre a terra.

    Segurança alimentar – O painel sobre “segurança alimentar e política agrária”, também mediado pela promotora de Justiça Ana Paula Pina Gaio, começou com palestra do médico Wanderlei Antonio Pignati, que apresentou dados alarmantes sobre o uso de agrotóxicos no Brasil. O consumo desses produtos no país, em 2014, foi de 1,049 bilhões de litros, uma média de 5 litros por habitante. Isso faz com que o agronegócio tenha enorme impacto sobre o ambiente, a água, os alimentos e a saúde. Os agrotóxicos são responsáveis por intoxicações agudas, câncer e má formação. “Será que o lucro paga essa contaminação da água, da chuva, do ar, do leite materno, do sangue?” – questionou. Dados de 2015 colocam o Paraná como o terceiro estado que mais consome agrotóxicos no país, com uma média de 8,55 litros por habitante. Estudo de 2014 constatou que 43 municípios paranaenses estão consumindo água com resíduos tóxicos acima do valor máximo permitido. Para Pignati, a legislação nacional está atrasada. No Brasil, são permitidos vários produtos hoje proibidos pela União Europeia, por exemplo. E há no Congresso Nacional projeto de lei aguardando votação que pode piorar ainda mais a situação. “Há hoje uma ‘legalização’ da contaminação da água potável, uma vez que a legislação permite índices máximos determinados de resíduos de metais pesados, solventes, agrotóxicos e desinfetantes”, lamentou.

    Coordenador da Organização de Direitos Humanos Terra de Direitos, o advogado Darci Frigo (foto), previu que a crise de desemprego vai aumentar os conflitos agrários. “A tendência é de aumentar a violência no campo, especialmente nas ocupações”, afirmou, exemplificando com o notável aumento recente das mortes no campo em Rondônia. Autoridades daquele estado estiveram reunidas com o presidente da República em novembro, segundo ele, para pedir que as terras públicas irregularmente distribuídas sejam regularizadas para os grileiros, o que pode se estender para outras regiões brasileiras. No governo petista, de acordo com Frigo, houve políticas sociais importantes para a redução das desigualdades e alguns avanços sociais, mas absolutamente insuficientes. “O governo do PT, de coalizão com as forças do capital nacional, teve como centro do projeto a expansão do agronegócio e a venda de commodities, principalmente para exportação”, criticou.

    Estrutura do Suas – No primeiro painel de quarta-feira, mediado pela promotora de Justiça Rosângela Rodrigues de Oliveira, a assistente social Denise Rattman de Arruda Colin apresentou a estrutura do Sistema Único de Assistência Social (Suas). “O sistema de assistência social é fruto do amadurecimento da sociedade brasileira”, declarou, defendendo que a assistência social é um direito essencial que não pode sofrer retrocesso. Explicou que a política de assistência social tem como função a proteção social, a vigilância socioassistencial e a defesa de direitos. Em termos estruturais, o Suas levou a que praticamente todos os municípios brasileiros criassem estruturas de assistência social. Conforme dados de 2015, apenas 17 municípios não têm pelo menos um Centro de Referência de Assistência Social (Cras). O papel do Ministério Público, explicou, é acompanhar a implantação dessas estruturas e averiguar se os serviços estão sendo adequada e continuadamente ofertados. Lembrando que o sistema público de assistência social brasileiro atende cerca de 60 milhões de pessoas, Denise expressou sua preocupação com a possibilidade de retrocesso nas conquistas já obtidas na legislação, citando especificamente a PEC 55 como uma ameaça a essas conquistas.

    Racismo –
    Mediado pela juíza de Direito Fernanda Orsomarzo, o painel sobre “Políticas públicas de promoção da igualdade étnico-racial” contou com palestra da promotora de Justiça do Ministério Público da Bahia Lívia Maria Santana e Sant’Anna Vaz (foto), que é coordenadora do Grupo de Atuação Especial em Defesa da Mulher e do Grupo de Atuação Especial de Proteção dos Direitos Humanos e Combate à Discriminação. Após definir raça e racismo, Lívia falou sobre o racismo institucionalizado no Brasil, país cuja história tem 388 anos de escravidão e apenas 128 anos sem ela. “Durante 388 anos, fomos tratados como coisas e não como humanos. Isso não dá para ser esquecido”, declarou. Explicou que o racismo institucional se repete no Sistema de Justiça, no Estado, no Direito. Ressaltou que a legislação e as instituições da modernidade não são neutras, mas criadas numa lógica que protege os interesses hegemônicos, que são os dos homens brancos heterossexuais. Expôs inúmeros dados que atestam a situação de desigualdade racial no país, explicando que a raça, como construção social, continua sendo barreira para a conquista de direitos sociais. “O racismo institucional é a reprodução de uma lógica de hierarquização racial da sociedade. As pessoas se concedem status conforme a raça, a cor da pele. Quanto mais escura for a pele, menor o acesso a direitos.” Lívia defendeu as políticas afirmativas com o objetivo de aumentar a presença dos negros nos espaços de poder. “É preciso reconhecer que o racismo institucional existe. A partir disso, é preciso tomar atitude. O Estado não pode se omitir na promoção da igualdade”.

    Debates finais e novas moções de repúdio – Na tarde de quarta-feira (30), como parte dos encaminhamentos finais do seminário, foi promovida a V Mesa Redonda: Movimentos Sociais, Direitos Humanos e Desafios, que contou com a participação de diversos representantes de movimentos sociais. Realizada com a finalidade de avaliar a conjuntura atual com a identificação dos desafios para a efetivação dos direitos humanos no estado do Paraná, a mesa de discussões trouxe à pauta temas como o desrespeito a religiões de matriz africana, a discriminação às comunidades cigana e indígena, as violações de direitos aos atingidos por barragens e a questão dos migrantes, refugiados e apátridas.

    O evento também terminou com a aprovação de mais duas moções de repúdio: uma contra a recente extinção da Ouvidoria Agrária Nacional e outra contra a PEC 215, que trata da demarcação de terras indígenas e transfere do Executivo para o Legislativo a responsabilidade final sobre a questão. O conteúdo das palestras e mês de discussão também foi registrado e ficará à disposição para consulta na página do Ceaf da internet.





























    A seguir, alguma imagens do seminário.



































    01/12/16




































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