MPF/MS: pela primeira vez, processo em vídeo é protocolado na Justiça Federal
Rochedo, Mato Grosso do Sul. A estrada de terra nos leva a um assentamento pequeno, mas com tamanho suficiente para apresentar diversas irregularidades. No campo, obras inacabadas; galpões vazios; telhas amontoadas, todas remendadas. No curral, marimbondos ocupam o lugar do gado, sem qualquer competição. Ao fundo, trabalhadores descontentes, iludidos por um programa governamental que apenas trouxe dívidas, fraudes e muitas decepções.
Essa é a realidade retratada no primeiro processo-filme produzido em Mato Grosso do Sul. De iniciativa do Ministério Público Federal (MPF), o vídeo é uma ação civil pública, com pedido de liminar, que resume em imagens todo o desenrolar de um drama que já dura mais de dez anos. Segundo o procurador da República Ramiro Rockenbach, com o vídeo conseguimos apresentar ao juiz a dura realidade vivida pelos trabalhadores rurais no local. Mais que documentos e laudos, queríamos que as pessoas tivessem voz e vez.
Piraparque - O processo-filme denuncia o desvio e a má aplicação de dinheiro público no Projeto Piraparque, programa governamental financiado com recursos públicos federais e voltado para o trabalho rural coletivo.
O projeto, implantado em 2001 no município de Rochedo (MS), determinava a criação de associações de trabalhadores para financiar atividades no campo. Ao exigir o trabalho coletivo, o Piraparque favoreceu a atuação de mal intencionados. Alguns presidentes das associações se apropriaram de bens e valores e ocasionaram um prejuízo incalculável à maioria dos beneficiários, que são pessoas simples e de pouca instrução.
Foi o que aconteceu com a Associação dos Micro Agricultores e Piscicultores de Mato Grosso do Sul (Amap). Com tantos desvios e falta de fiscalização, os integrantes da Amap contraíram dívidas que não conseguem pagar e não podem, sequer, usufruir da estrutura que lhes foi parcialmente entregue.
Irregularidades - No Piraparque, mais de R$ 500 mil foram aplicados em obras inacabadas. A Agência de Desenvolvimento Agrário e Extensão Rural (Agraer) chegou a afirmar, em resposta a ofício do MPF, que todos os projetos foram plenamente executados, mas as imagens contradizem as palavras.
São galpões de bicho da seda não construídos; poços artesianos sem funcionamento; fornecimento de energia intermitente; ordenhadeira de ótima qualidade, mas sem animais para a produção de leite; açude inexistente; casas com rachaduras que põe em risco a vida de trabalhadores e de suas famílias.
As irregularidades, além de apresentadas no processo-filme, estão comprovadas em depoimentos, laudos periciais e documentos que integram inquérito policial instaurado pela Polícia Federal.
Pedidos - Com a ação civil pública em vídeo, o MPF solicita liminarmente à Justiça que a Agraer e o Banco do Brasil formem um comissão para definir e determinar os lotes e seus ocupantes, estabelecendo a metragem da área individual e coletiva e fixando marcos. A comissão deve também debater a permanência de propriedade coletiva - que não mostrou resultados efetivos - e recalcular as dívidas para que os trabalhadores não paguem juros enquanto não possam efetivamente produzir.
O MPF pede, ainda, que, concluída a etapa anterior, sejam garantidos aos beneficiários acesso a créditos e financiamentos públicos em igualdade de condições aos demais trabalhadores rurais brasileiros. A inclusão do nome dos trabalhadores nos serviços de proteção ao crédito (Cadin, Serasa etc.) deve ser proibida enquanto não demonstrada, perante a Justiça, a real situação de cada lote ou beneficiário.
As obras de infraestrutura previstas e não concretizadas devem ser finalizadas em prazo a ser fixado pela Justiça. Em especial, o poço artesiano, para garantir acesso à água; a regularização do fornecimento de energia e das atividades de sericicultura e leiteria, devendo ser inventariados todos os bens móveis e imóveis existentes.
Assessoria de Comunicação Social
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