MPF pede punição a coronel Ustra por crime cometido na ditadura
Procuradoria defende que ocultação do cadáver do estudante de medicina Hirohaki Torigoe em 1972 é crime permanente e de lesa humanidade, e requer a reforma da decisão da Justiça que declarou extinta a punibilidade dos réus
A Procuradoria Regional da República da 3ª Região (PRR3) enviou parecer ao Tribunal Regional Federal (TRF3) requerendo a punição do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra e do delegado Alcides Singillo pelo crime de ocultação de cadáver iniciado em 5 de janeiro de 1972 contra o então estudante de medicina Hirohaki Torigoe.
O parecer do Ministério Público Federal (MPF), de autoria da procuradora regional da República Rose Santa Rosa, destaca que o crime de ocultação de cadáver é crime permanente e contra a humanidade, sendo, portanto, imprescritível. Além disso, assevera que a Lei de Anistia não pode beneficiar agentes do Estado que cometeram crimes que envolvem graves violações aos direitos humanos, uma vez que o Brasil é signatário de tratados internacionais que impõem a apuração e punição a crimes como os cometidos na vigência da ditadura militar.
Punição extinta - Comandante operacional do Doi-Codi-II e delegado lotado no Deops na data dos fatos, Ustra e Singillo eram responsáveis pelas equipes que capturaram, torturaram e assassinaram o estudante e integrante da organização de esquerda Movimento de Libertação Popular.
A denúncia contra os dois foi oferecida pelo MPF em abril de 2013 e recebida pela juíza federal Adriana Freisleben de Zanetti, titular da 5ª Vara Criminal de São Paulo, em maio. No entanto, em janeiro de 2014, o juiz substituto Fernando Américo de Figueiredo Porto declarou extinta a punibilidade de Ustra e Singillo sob a justificativa de que o crime de ocultação de cadáver seria instantâneo e de efeitos permanentes, e não crime permanente, como sustenta o MPF. Na prática a decisão do magistrado implica na impossibilidade de responsabilização dos réus pelo crime cometido contra o estudante de medicina.
Crime permanente - O Ministério Público Federal (MPF) recorreu da decisao em fevereiro de 2014, e a PRR3 encaminhou o parecer no dia 20 de agosto. No parecer, a procuradora Rose Santa Rosa considera manifestamente equivocada a decisão de atribuir ao delito de ocultação de cadáver natureza jurídica de crime instantâneo e efeitos permanente. Ao contrário do que concluiu o juiz sentenciante, o bem jurídico tutelado () não é o morto ou o cadáver, mas, sim, o sentimento de respeito aos mortos, que, na modalidade ocultar, é representado exercício do direito ao luto, assim entendido como um rito social de lembrança, a realçar a ausência de alguém que se perdeu, fornecendo publicidade à saudade do desaparecido, pontuou a procuradora.
Ela defendeu que enquanto o paradeiro do cadáver estiver sendo ocultado por vontade dos agentes, há a violação do bem jurídico de maneira contínua. É dizer, enquanto os réus não revelarem onde o corpo de Hirohaki Torigoe foi sepultado clandestinamente, propiciando à família o direito ao luto, a conduta delitiva não cessará, pelo que se conclui, sem sombra de dúvidas, que que se trata de um crime permanente, não cabendo, portanto, a declaração da extinção da punibilidade pela prescrição.
A procuradora acrescenta em sua manifestação que, mesmo mantido o entendimento do juiz em relação à classificação do crime como sendo instantâneo, o fato do Brasil ser signatário de tratados internacionais de direitos humanos e o crime em questão ter sido cometido por agentes do Estado, num contexto de perseguição política àqueles que se insurgiam contra o regime vigente à época, insere o caso dentre aqueles que a comunidade internacional elevou à categoria de crimes contra a humanidade.
Disso decorre que, sendo a imprescritibilidade uma das fórmulas estabelecidas em âmbito internacional para que os crimes contra a humanidade não restem impunes, justificou.
Não incidência da Lei da Anistia - A procuradora advogou pela não incidência da Lei da Anistia ao caso, uma vez que tal lei tem efeito para o passado e o caso em questão tratar de um crime cuja execução, embora tenha sido iniciada em 1972, perdura até a presente data. O julgamento do caso Gomes Lund (Guerrilha do Araguaia) pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), em 2010, no qual o Brasil foi condenado a não mais invocar os efeitos da Lei da Anistia para impedir a apuração dos crimes cometidos no período da ditadura militar e a responsabilização dos agentes que deram cabo a isso, foi lembrado pela PRR3 para alertar o Judiciário sobre a importância de respeitar o compromisso assumido pelo Brasil de apurar e punir crimes que implicaram em graves violações de direitos humanos.
O parecer foi encaminhado para a 5ª Turma do TRF3, a quem cabe decidir pela reforma ou manutenção da decisão do juiz da 5ª Vara Criminal.
Processo nº 0004823-25.2013.403.6181
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