MPF quer anulação de processo que terceiriza saúde em Caraguatatuba (SP)
Procedimento possui irregularidades, como falta de justificativa técnica e de aval jurídico; Procuradoria pede adequação à legislação e à jurisprudência do STF e do TCU
O Ministério Público Federal em Caraguatatuba (SP) recomendou à Prefeitura que anule um procedimento para terceirização de serviços de saúde no município. O MPF quer que a escolha de uma organização social para gerir unidades do SUS e atender a população seja retomada somente após a gestão do prefeito Aguilar Junior comprovar a necessidade de contratação e regularizar o processo desde sua fase inicial. A seleção, lançada em março, chegou a ser suspensa pelo Tribunal de Contas do Estado devido a uma série de ilegalidades.
O chamamento público nº 01/2017, da Secretaria de Saúde de Caraguatatuba, pretende destinar à iniciativa privada a gestão de todas as Unidades Básicas de Saúde (UBSs) e de Pronto Atendimento (UPA) da cidade, além de outros centros. A previsão é de que, ao todo, a companhia vencedora disponibilize mais de 540 agentes, como médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem. A contratação, válida por 12 meses, pode chegar a R$ 34,2 milhões.
A Constituição e a legislação permitem que a saúde seja terceirizada apenas em caráter complementar, cabendo ao Poder Público a titularidade na prestação dos serviços. A delegação é um ato excepcional, cabível somente enquanto o Município não tiver condições de assumir sua responsabilidade de promover o atendimento público. “Não pode a exceção se perpetuar, tornando-se regra”, ponderou a procuradora da República Maria Rezende Capucci, autora da recomendação.
Os pedidos do MPF resultam de um inquérito que a Procuradoria da República em Caraguatatuba instaurou ainda em março para investigar o caso. Ao longo da apuração, o Município não foi capaz de comprovar as vantagens da terceirização. Não há dados que demonstrem, por exemplo, eventuais dificuldades financeiras da cidade e a economia que a contratação traria aos cofres municipais.
Segundo dados do Ministério da Saúde, Caraguatatuba foi a cidade do Litoral Norte de São Paulo que recebeu mais repasses federais para a saúde em 2016. Porém, é o município que apresenta o menor índice de efetividade do SUS da região e possui disponibilidade de leitos muito abaixo da média brasileira, que, por sua vez, já é inferior àquela recomendada pela Organização Mundial da Saúde. No ano passado, a cidade contava com apenas 1,49 leito a cada mil habitantes. A média nacional é 2,4, enquanto o ideal mínimo é 3, de acordo com a OMS.
IRREGULARIDADES. A falta de justificativas técnicas para a delegação dos serviços não foi a única falha na tramitação do processo administrativo que precedeu a divulgação do chamamento público. A publicação ocorreu em 9 de março, apenas dois dias após a instauração do procedimento interno. Entre as irregularidades está a forma como foi dado o encaminhamento, sem aval da Assessoria Jurídica do Município e sem a apresentação de um requerimento formal do secretário municipal de Saúde ao prefeito – etapas obrigatórias para o lançamento do edital. O inquérito constatou também que a administração deixou de detalhar todos os custos da contratação e omitiu as fontes de custeio.
A essas pendências se somam vícios constatados no próprio edital, como a previsão de autorização para que a entidade selecionada subcontrate profissionais da saúde. “Esse mecanismo de quarteirização dificulta a fiscalização da frequência e do atendimento dos médicos e a aplicação das verbas públicas. Isso não só potencializa a precarização do contrato de trabalho, mas também cria indevidamente uma exceção à regra do concurso público”, disse Capucci.
“A principal irregularidade é a falta motivação idônea a justificar a terceirização. Caraguatatuba não demonstrou de forma satisfatória, até o momento, que a parceria com entidade do terceiro setor trará benefícios à administração e, em especial, aos usuários do essencial serviço de saúde”, enfatizou a procuradora. Ela alerta ainda que o processo de contratação deve cumprir parâmetros e exigências mínimas já fixados pelo Tribunal de Contas da União e o Supremo Tribunal Federal a respeito de parcerias desse tipo com organizações sociais, o que não foi feito.
Na recomendação, o MPF pede que a Prefeitura tome uma série de medidas para adequar o processo de terceirização da saúde às diretrizes legais e constitucionais. Entre as requisições estão o aperfeiçoamento do processo de qualificação das organizações sociais, a preparação de estudos detalhados que demonstrem as vantagens da contratação e a publicação de editais que respeitem as etapas prévias e tenham informações pormenorizadas, sem cláusulas que restrinjam a competitividade ou direcionem o processo. A Procuradoria requer ainda a adoção de providências relacionadas à elaboração e à fiscalização dos contratos e à transparência da gestão.
Este é o terceiro inquérito instaurado para investigar a existência de irregularidades em contratos de terceirização na área da saúde em Caraguatatuba. Os outros dois, ainda em andamento, apuram problemas na seleção e contratação das organizações sociais Instituto Corpore, em 2014, e João Marchesi, em 2016, para atuarem na gestão e prestação de serviços de saúde no município, incluindo a execução de programas federais, como o Saúde da Família.
Leia a íntegra dos pedidos do MPF (despacho e recomendação)
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04/04/17 - MPF investiga irregularidades na terceirização da saúde em Caraguatatuba (SP)
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