Na ânsia por condenar, MPF usa inversão do ônus da prova no Supremo
Esta coluna conta um caso que atinge a comunidade jurídica (e a mim) em três dimensões: a) nas práticas cotidianas (exercício da advocacia), mostrando como é difícil o papel do advogado diante de uma aporia como a inversão do ônus da prova; b) na academia, porque demonstra como a operacionalidade do direito está distante de uma adequada teorização; c) e, por último, atinge a mim, porque fui 28 anos membro do Ministério Público, e fico chocado quando vejo coisas como essa que vou contar a seguir.
A história é a seguinte: um patuleu foi condenado (ler aqui) pelo crime de porte de munição (artigo 16, caput, da Lei 10.826/03) à pena de 3 anos de reclusão. Era um cartucho calibre 0,40 S&W, na verdade, um pingente (um colar). Sim, um colar. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais concedeu habeas de ofício para absolver o “bobalhão” (já entenderão porque o epíteto). O MP, por incrível que pareça, recorreu por REsp (1.469.322/MG) ao Superior Tribunal de Justiça. O REsp foi provido monocraticamente no STJ para afastar a atipicidade da conduta e cassar a ordem concedida pela Corte Estadual, restabelecendo a condenação imposta na sentença. Contra essa decisão a defesa interpôs agravo regimental, que foi improvido pelo argumento de que se tratava de crime em abstrato e que havia lesão à segurança pública e a paz coletiva (sic).
Houve recurso ao Supremo Tribunal Federal. A defesa queria a absolvição. Afinal, em um país de dimensões continentais, com mais de 600 mil presos, dos quais 350 mil são cautelares, quem iria se preocupar com a condenação de uma pessoa por “portar” um projétil “tipo-pingente”? Quem? Vejamos. Um: o STJ, que reverteu decisão absolutória do TJ-MG; dois: o MPF, que em longo parecer, esforçou-se ao máximo para buscar a condenação do homem do pingente. Por duas vezes. No STJ e no STF.
Lendo esse parecer do MPF e a decisão do STJ, fico pensando as razões pelas quais o Direito brasileiro se transformou nessa dogmática asséptica e anódina. Por vezes, são formalistas os juristas. Em outras, realistas (no sentido de empiristas tipo judge made law). Por vezes, “a lei é tudo”; em outras, “ora, porque se preocupar com filigranas”? A questão é: em que momento os tribunais vão ...
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