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3 de Maio de 2024
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    Não é crime, nem rebaixamento, o desembargador receber advogado

    Publicado por Espaço Vital
    há 15 anos

    Por Nelson Oscar de Souza,

    desembargador aposentado do TJRS

    (Artigo enviado de Westlake, Ohio, EUA).

    Li, estarrecido, no Espaço Vital (edição de 22 de outubro) um artigo de um magistrado paulista: “Desembargador não tem de receber advogado”.

    E fiquei pensando com os meus botões: estou acordado? Estou no século XXI ou fiz alguma viagem regressiva no tempo e no espaço? Elitismo ou autoritarismo puros? Como explicar tamanho desserviço ao Poder Judiciário? Pedagogicamente, para a nova geração de magistrados, exemplo nada exemplar…

    O artigo do magistrado paulista procura justificar a posição com uma bela distinção entre bens públicos privados do Estado e bens públicos propriamente ditos. Ora, não se trata puramente de uma questão jurídica, mas de bom senso; uma questão de relacionamento entre duas entidades públicas – o juiz e o advogado -; e uma situação em que se permita ao profissional o exercício mais pleno de sua atividade junto aos órgãos do Poder Judiciário. Depois, ainda se quer que este seja bem visto e bem falado pelo povo e/ou pelos profissionais de outras esferas jurídicas…

    Se o problema reside no fato, argüído pelo magistrado articulista, de que se tornou hábito dos desembargadores paulistas aposentados (e que continuam advogando) penetrarem livremente nos gabinetes dos desembargadores em atividade, a solução é muito simples: coloque-se um ponto final nesse abuso dos ex-colegas, especialmente quando se acrescenta que é “para interceder em favor de partes que estão em litígio” .

    Pois, se é para efetivar a vulgarmente chamada “advocacia de ouvido”, então se está questionando um problema de ética e, por certo, o receber advogado em seu gabinete jamais o seria para permitir que unilateralmente o advogado fizesse tal tipo de sustentação!

    A experiência ensina: questões se colocam – e que não implicam em qualquer forma de intercessão a favor da parte – que não podem ser reduzidas por escrito, de forma alguma, pelo advogado. Em certos casos, somente um encontro com o julgador permite esclarecimentos.

    Ademais, se o caso é o de se entender que haveria favorecimento para uma das partes, que o consenso se transforme em costume forense - o de o advogado se fazer acompanhar de seu ex-adverso. Penso, no entanto, que não se deva ir tão longe e, mesmo assim, não se feriria a ética profissional.

    Sei muito bem: não se devem invocar exemplos de natureza pessoal. A modéstia seria ferida, e o próprio argumento perderia sua validade, por isso. Como tenho tantas e tantas décadas vividas – quatro delas como magistrado –, parece-me que possa ilustrar devidamente a matéria em debate, como outros colegas meus, da época, poderiam fazê-lo igualmente.

    Em nenhum momento – mesmo quando neófito na função, inexperiente nas coisas da profissão e da vida -, deixei de atender a advogado que me solicitasse audiência, nem como pretor, nem depois como juiz de Direito nas três entrâncias interioranas (que as havia então), na capital, ou nos Tribunais de Alçada ou Justiça.

    Durante toda a minha carreira, nenhum profissional “avançou o sinal”. Jamais algum ensaiou qualquer movimento que pudesse vir a ferir a ética, no relacionamento de igual para igual que deve haver entre as duas classes de profissionais.

    Posteriormente, quando corregedor-geral da Justiça, pautei as minhas indicações para a nova geração de magistrados no mesmo sentido. Muito problema poderá vir a ser contornado com um simples contato dessa natureza, e muita burocracia seria superada. É verdade que, nas minhas constantes visitas aos juízes das comarcas do interior, encontrei um e/ou outro caso de o magistrado vir a ocupar a última sala do último corredor do foro para não receber advogados ou pessoas do povo. Era um mau costume, que sempre procurei condenar.

    Relembro o caso até de encontrar o juiz chaveado em seu gabinete, cabendo ao escrivão bater solenemente na porta e explicar porque deveria atender a pessoa que o procurava - o corregedor… - mas foram casos muito excepcionais.

    O magistrado, particularmente o das comarcas do interior, reveste-se, tantas e tantas vezes, como a última esperança do jurisdicionado. Fará o papel de sacerdote, psicólogo, pastor, assistente social.

    Encerro: em Três Passos, uma senhora angustiada me procurou com um filho no colo.

    - Doutor, eu preciso que o senhor me oriente.

    - Pois não, minha senhora, fale.

    E ela falou cerca de 20 minutos, levantou-se e me disse:

    - Muito obrigado, doutor, pelos seus conselhos, era só disso que eu precisava. Deus o abençoe! Eu não dissera nada. A senhora precisava de alguém que a ouvisse…

    Por isso, nunca despachei com as portas fechadas. O juiz é um homem do povo, exercendo uma função paga pelo povo. Este, sofrido, precisa de nós. É a mensagem que deixo às novas gerações e que os senhores magistrados (juízes e desembargadores) deveriam seguir, com a vênia de todos aqueles que pensarem o contrário.

    Não é crime, nem rebaixamento, o desembargador receber advogado. Ambos saberão cumprir o seu papel. Com profissionalismo. Com ética.

    (*) E.mail: oskar@terra.com.br

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