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28 de Maio de 2024
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    Não vou depor na Comissão da Verdade, acho bobagem, diz ex-delegado do DOPS

    Publicado por Última Instância
    há 12 anos

    Aos 80 anos, José Paulo Bonchristiano conserva o porte imponente dos tempos em que era o doutor Paulo, delegado do Departamento de Ordem Política e Social de São Paulo, o melhor departamento de polícia da América Latina, não se cansa de repetir.O DOPS era um órgão de inteligência policial, fazíamos o levantamento de todo e qualquer cidadão que tivesse alguma coisa contra o governo, chegamos a ter fichas de 200 mil pessoas durante a revolução, diz, referindo-se ao golpe militar de 1964, que deu origem aos 20 anos de ditadura no Brasil.

    Embora esteja aposentado há 27 anos, não há nada de senil em sua atitude ou aparência. Os olhos astutos de policial ainda dispensam os óculos para perscrutar o rosto do interlocutor, endurecendo quando o delegado acha que é hora de encerrar o assunto.

    Bonchristiano gosta de dar entrevistas, mas não de responder a perguntas que lancem luz sobre os crimes cometidos pelo aparelho policial-militar da ditadura do qual participou entre 1964 e 1983: prisões ilegais, sequestros, torturas, lesões corporais, estupros e homicídios que, segundo estimativas da Procuradoria da República, vitimaram cerca de 30 mil cidadãos. Destes, 376 foram mortos, incluindo mais de 200 que continuam até hoje desaparecidos.

    Os arquivos do DOPS se tornaram públicos em 1992, mas muitos documentos foram retirados pelos policiais quando estavam sob a guarda do então diretor da Polícia Federal e ex-diretor geral do DOPS, Romeu Tuma. Entre os remanescentes estão os laudos periciais falsos, produzidos no próprio DOPS, que transformavam homicídios cometidos pelos agentes do Estado em suicídios, atropelamentos, fugas. No caso dos desaparecidos, os corpos eram enterrados sob nomes falsos em valas de indigentes em cemitérios de periferia.

    Globo, Folha, Bradesco e Niles Bond

    Bonchristiano é um dos poucos delegados ainda vivos que participaram desse período, mas ele evita falar sobre os crimes. Prefere soltar o vozeirão para contar casos do tempo em que os generais e empresários o tratavam pelo nome. Roberto Marinho, da Globo, diz, passava no DOPS para conversar com a gente quando estava em São Paulo, e ele podia telefonar a Otávio Frias, da Folha de S. Paulo para pedir o que o DOPS precisasse. Quando participou da montagem da Polícia Federal em São Paulo, conta, o fundador do Bradesco mobiliou a sede, em Higienópolis: Nós do DOPS falamos com o Amador Aguiar ele mandou por tudo dentro da rua Piauí, até máquina de escrever.

    O doutor Paulo sorri enlevado ao lembrar dos momentos passados com o marechal Costa e Silva (o presidente que assinou o AI-5 em dezembro de 1968, suspendendo as garantias constitucionais da população). O Costa e Silva, quando vinha a São Paulo, dizia: Eu quero o doutor Paulo Bonchristiano, e imita a voz do marechal ele adora representar os casos que conta.

    Eu fazia a escolta dele e ele me chamava para tomar um suco de laranja ou comer um sanduíche misto na padaria Miami, na rua Tutóia, vizinha ao quartel do II Exército. Todo mundo querendo saber onde estava o presidente da República, e eu ali, delicia-se.

    Gaba-se de ter sido enviado para cursos de treinamento em Langley nos Estados Unidos, pelo cônsul geral em São Paulo, Niles Bond, que admirava a eficiência da polícia política paulista. E o chamava de Mr. Dops.

    Orgulha-se também de outro apelido Paulão, Cacete e Bala que diz ter saído da boca dos tiras quando caçava bandidos na RUDI (Rotas Unificadas da Delegacia de Investigação), no início da carreira, com um tira valente chamado Sérgio Fleury. Anos depois, os dois se reencontrariam na Rádio Patrulha, de onde saiu a turma do Esquadrão da Morte, levada para o DOPS em 1969, quando Fleury entrou no órgão.

    Polícia é polícia, bandido é bandido, diz Bonchristiano. Para vocês de fora é diferente, mas para nós, acabar com marginal é uma coisa positiva. O meu colega Fleury merecia um busto em praça pública, afirma, sem corar.

    O delegado Sérgio Fleury e sua turma de investigadores se celebrizaram por caçar, torturar e matar presos políticos no DOPS, enquanto continuavam a exterminar suspeitos de crimes comuns no Esquadrão da Morte.

    Conversas gravadas

    No decorrer de nove tardes passadas, entre junho de 2010 e janeiro deste ano, em seu apartamento no Brooklin, no 13º andar de um prédio de classe média alta, aprendi a escutar com paciência os causos que doutor Paulo narra com humor feroz, até extrair informações relevantes. Repetidas vezes eu as confrontava com livros e documentos e voltava a inquiri-lo; a proposta era que ele se responsabilizasse pelo que dizia.

    De certo modo, meu embate com o doutor Paulo antecipava as dificuldades que serão enfrentadas pela Comissão da Verdade, a ser instalada em abril para apurar fatos e responsáveis sem punição penal prevista pelas violações de direitos humanos cometidas pelo Estado entre 1946 e 1988, abrangendo o período da ditadura militar. O objetivo da comissão é devolver aos cidadãos brasileiros um passado que ainda não se encerrou, como provam os desaparecidos, e impedir que funcionários públicos sigam mantendo segredo sobre atos praticados a mando do Estado.

    A fragilidade da lei em pontos cruciais, porém, provoca ceticismo nas organizações de direitos humanos, em especial ao permitir o sigilo de depoimentos ferindo o direito à transparência pública , e ao não prever punições aos responsáveis pelos crimes, nem mesmo medidas coercitivas para os que se recusarem a depor.

    Não vou depor. Acho bobagem, diz Bonchristiano. Nunca pratiquei irregularidades, mas não sou dedo duro e não vejo utilidade nessa comissão, justifica o funcionário público, aposentado aos 53 anos, e que recebe hoje 11 mil reais por mês de pensão.

    Minhas conversas com Mr. DOPS renderam 15 horas de gravação que revelam a mentalidade e as conexões políticas dos policiais que atuaram na repressão do governo militar. E provam que os detentores das informações estão por aí embora continuem ocultando as circunstâncias exatas em que os crimes foram cometidos e os mandantes de cada um deles.

    Torturadores e repressores

    O nome de Bonchristiano que significa bom cristão e veio de Salerno, Itália não consta das principais listas de torturadores compiladas por organizações de direitos humanos.

    O Projeto Brasil Nunca Mais, um extenso levantamento realizado clandestinamente entre 1979 e 1985 com base nos IPMs (inquéritos policiais militares), é até hoje a principal referência, embora muitas vezes liste apenas os nomes de guerra dos torturadores, já que os reais eram desconhecidos das vítimas.

    No tomo II, volume 3, Os funcionários, Paulo Bonchristiano é citado oito vezes em operações de repressão. Mas seu nome também não consta da chamada Lista de Prestes, de 1978, liberada recentemente pela viúva do líder comunista, que traz vários nomes completos e os cargos de 233 torturadores denunciados por presos políticos entre eles 58 policiais do DOPS de São Paulo, 21 deles delegados.

    As lacunas dessa história, porém, não permitem descartar a revelação de novos nomes. Entre 1968 e 1976 o período mais duro da ditadura , as torturas faziam parte do cotidiano de todos os policiais e militares envolvidos na repressão. O DOPS era manejado pelos militares como um órgão federal, como obs...

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