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17 de Junho de 2024
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    Norberto Bobbio: 35 anos do "futuro da democracia"

    Publicado por Espaço Vital
    há 5 anos

    Por Tarso Genro, advogado - OAB-RS nº 5.617. (Foi ministro da Justiça).

    Norberto Bobbio (1909-2004) foi um dos principais intelectuais europeus do século passado. Professor de Direito em várias universidades italianas, na Universidade de Turim desenvolveu boa parte da sua obra no campo da Filosofia do Direito, espaço no qual, como declarado discípulo de Kelsen sistematizou e enriqueceu a Teoria Geral do Direito, nas diversas variantes do Positivismo Jurídico.

    Na década de 80 “migrou” suas reflexões para a Filosofia Política, terreno onde deu contribuição lapidar à doutrina política democrática e à teoria do seu ordenamento jurídico.

    Bobbio teve uma curta militância política no imediato pós-guerra, no efêmero Partido da Ação e no seu periódico “Justiça e Liberdade”. A ideia central do partido era combinar os valores do socialismo com os valores da liberdade. Mais especificamente, a busca da unidade dos valores do liberalismo político do século XIX, com as promessas de igualdade do Iluminismo revolucionário.

    Lembro agora os trinta anos da primeira edição de “O Futuro da Democracia”, publicado em 1984, em Roma. As discussões nele propostas - alicerçadas em todo o processo reflexivo de Bobbio - fazem contraponto às teorizações marxistas da Escola “Soviética” sobre as questões do Direito e do Estado. É um debate travado, tanto na academia como nos meios intelectuais mais amplos e reflete, também, as conquistas da inteligência democrática contemporânea e os dramas da democracia política no século XX.

    O percurso deste debate demonstra que tanto republicanismo democrático de Bobbio como a experiência do socialismo italiano permanecem em dívida com a democracia, mormente sobre a questão da “igualdade”. Motivos: se, de um lado, as promessas de liberdade ainda estão presentes na agenda ocidental (embora cada vez mais questionadas pelas imposições da nova ordem global), as promessas de igualdade permanecem estáticas, quando não francamente regressivas.

    O iluminismo deixou um déficit de produção doutrinária no tema da igualdade, que foi “congelado” na teoria política das sociedades ocidentais. Bobbio, ao longo da sua obra, defendeu uma organização estatal associada e regrada, que garantisse as liberdades com formas institucionais fundadas numa constituição legítima. Mais além das teorizações de todas as ordens, todavia, a história real vem mostrando que o capitalismo reflui nas liberdades políticas, à medida que estas

    instabilizam seu regime de produção. E o socialismo realmente existente, não assimilou quaisquer liberdades porque estas liberdades - tanto civis como políticas - seriam hostis à uma “dominação” de classe (ou de partido) arbitrária, em nome do proletariado.

    Estes dilemas reais não foram explorados suficientemente nas reflexões de Bobbio e não ensejaram, em consequência, análises mais complexas sobre critérios de valor, como diria Kant, para comparações entre os sistemas políticos efetivos -os que foram realmente implantados - tanto no capitalismo democrático como no sistema vigente no “socialismo real”.

    Talvez, se assim o fizesse, Bobbio veria um pouco abalada a sua frieza lógico-dedutiva (não utópica), tão cara ao positivismo analítico, que foi o núcleo racional do seu método de reflexão. Não o fez porque interpor juízos de valor, para analisar um sistema, seria deixar de lado - para os positivistas - uma “depuração necessária para ter uma análise científica do objeto em exame”, a saber: “pressupõe justamente a (forma de) apuração mais abominada pelos positivistas”. (in ROUANET, Sergio Paulo, “Por um saber sem fronteiras”. In: “Mutações – ensaios sobre as novas configurações do mundo”. São Paulo, Ed. SESCSP / Agir, 2008, p. 359).

    Bobbio compôs sua obra combatendo, à direita, contra os inimigos sectários dos postulados humanistas do pensamento marxiano; e, à esquerda, contra os postulados limitadores do liberalismo político no que tange à questão da igualdade. Neste combate Bobbio reconheceu a “imperfeição” do projeto democrático, tanto no plano das instituições, como no plano social, mas não alterou a sua convicção quanto a superioridade deste Estado (organizador de procedimentos), sobre o Estado das "democracias populares" (proletárias), aquela como forma mais apropriada (da previsibilidade necessária à liberdade) para garantir as “regras do jogo estáveis” para garantir a democracia política.

    As formulações normativas da teoria de Bobbio continham, de outra parte, uma tolerância originária de uma certa visão fatalista dos limites do normativismo. Esta tolerância lhe fazia aceitar o convívio - no projeto democrático moderno- do Governo legítimo com um certo grau de ilegitimidade, reconhecendo a existência deformadora - impossível de ser superada- do “Governo (ou Estado) invisível”.

    Bobbio, todavia, não se reportava a esta duplicidade como uma totalidade, mas o fazia reconhecendo uma espécie de conúbio necessário, atinente ao Estado de

    Direito realmente existente, que implicava em conceber o Estado, como tendo, tanto um lado “sadio” e legítimo, combinado com “anomalia” permanente.

    Parece que, no particular, Norberto Bobbio também foi profético.

    Nota do articulista - Este texto é uma edição ajustada da introdução de texto mais longo: “Bobbio, Hegel, Marx e a crise do direito democrático”, que pode ser

    lido na integra em REVISTAS ELETRÔNICAS DA PUC-RS. Clique aqui.

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