Novo CPC decreta a morte da lei. Viva o common law!
Bula para casos de ingestão indevida
Como a da semana passada, também esta coluna não é indicada para quem gosta de jurisprudencialização do Direito e do jargão o Direito é aquilo que os tribunais dizem que é e da máxima de que princípios são valores. Em caso de ingestão indevida, a Constituição deverá ser consultada.
Passando batido?
Dito isso, volto a um assunto que não está merecendo a devida atenção da comunidade jurídica. É impressionante como o projeto do novo CPC está passando batido. Cheio de problemas, repleto de equívocos, é o retrato daquilo que se pode chamar de baixo apego dos juristas à Teoria do Direito. Seria isso sinal de acomodação, alienação ou sintomas de que, definitivamente, pouco estamos nos importando com o futuro do direito? Talvez devamos fazer uma campanha, em outdoors: Salvemos o Direito dos predadores exógenos (política, moral e economia) e endógenos (pan-principiologismo, relativização da coisa julgada, embargos declaratórios, commonlização e discricionariedades).
De há muito venho alertando à comunidade jurídica para esse problema do protagonismo judicial, que deita raízes em uma questão paradigmática e não meramente técnica. Veja-se, por exemplo, a seguinte decisão, que se repete nas várias instâncias da justiça brasileira: O sistema normativo pátrio utiliza o princípio do livre convencimento motivado do juiz, o que significa dizer que o magistrado não fica preso ao formalismo da lei nem adstrito ao laudo pericial produzido nos autos, devendo o julgador analisar o caso concreto, levando em conta sua livre convicção pessoal. (5001367-22.2011.404.7119). Decisão desse jaez é emblemática, porque é uma amostra da dificuldade com que a dogmática jurídica lida com a teoria do direito e, especialmente, com o conceito de princípio jurídico (veja-se, no caso, o famoso princípio do livre convencimento). Não faltam vozes para afirmar que princípios são normas gerais que possibilitam a criação de normas mais específicas... Dever-se-ia perguntar: criação de normas particulares por parte de quem? Por parte do juiz, para levar a cabo o seu livre convencimento? Mas, se assim o é, qual a diferença dessa postura para com aquela defendida por Kelsen em sua Teoria Pura do Direito, que previa para o aplicador, no momento de criar a norma concreta de solução para o caso, uma margem geral de atuação, isto é, um campo semântico que daria uma margem de liberdade (discricionariedade) para o aplicador da norma geral superior. Não faltam vozes, também, que consideram a questão dos princípios ligada umbilicalmente à questão da ponderação (argh!)... De todo modo, esse assunto demandará uma Coluna específica, na sequência.
Nem quero falar das macro-lides, como a decisão do STJ que criou um recurso sustentado nessa tese, como pode ser visto no recente REsp. 1.251.331-RS? Tudo em nome de efetividades quantitativas. E nem das demandas repetitivas em discussão no STF.
Nesse sentido, insisto na pergunta: adianta somente mudar a lei? De que importa tudo isso se o projeto não abre mão do livre convencimento, corolário do paradigma epistemológico da filosofia da consciência? [1] Vejamos o artigo 378: O juiz apreciará livremente a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento. Já o artigo 401 diz que A confissão extrajudicial será livremente apreciada pelo juiz. E no artigo 490 lê-se que A segunda perícia não substitui a primeira, cabendo ao juiz apreciar livremente o valor de uma e outra. Vejam: não é invenção minha. E nem cisma!
Sendo mais claro: não avançaremos enquanto não nos dermos conta da necessidade de construirmos uma teoria abrangente do processo, para guiar a nossa interpretação dos dispositivos legais.
Ou seja: não basta falar em apreciação das provas... No caso, o projeto falha em dizer que a apreciação é livre, o que é pior. Mas o que falta mesmo, permito-me repetir, é uma-teoria-abrangente-do-processo-para-guiaranossa-interpretação-da-lei!
Fundamentação? Adianta? E o livre convencimento?
Ao se fazer uma análise mais detida do CPC projetado, fica claro que suas bases fundantes partem do velhíssimo e desgastado modelo social protagonista, que impõe o evidente receio de mantença da matriz autoritária de processo social, capitaneado pelas correntes instrumentalistas, que acreditam, de modo romântico, nas virtudes soberanas do decisor e em sua capacidade de antever o impacto decisório (político, econômico e social). Ah, como isso é velho!
Veja-se o equívoco do projeto. Embora pareça assumir uma postura participativa (leiam seus primeiros 12 artigos), aposta, ao fim e ao cabo, no (velho) protagonismo (solipsista). Aliás, é um equívoco que corrói a raiz do projeto. Nisso há um déjà vu, que nos remete ao século XIX. Ouve-se, ao longe, o discurso de Bülow ao Im...
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