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16 de Junho de 2024
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    Novo presidente da OAB defende combate à corrupção

    há 14 anos

    Depois de 20 anos, mais um paraense de nome Ophir Cavalcante sobe à presidência da Ordem dos Advogados do Brasil. Em discurso emocionado, o novo dirigente da entidade representativa da advocacia por excelência, Ophir Cavalcante Júnior, relembrou os passos do pai, Ophir Filgueiras Cavalcante, que comandou a OAB no biênio 1989/90. “Deus quis, meu pai, que eu trilhasse o mesmo caminho que você trilhou”, disse no ato da posse, nesta segunda-feira (1º/2), em Brasília.

    Cavalcante atribuiu à gestão anterior, conduzida por Cezar Britto, a mudança de postura da entidade, administração que se propôs “a trocar o ‘lamento’ pela ‘ação’. Não tenho dúvida de que conseguiu”, disse ele, que também fez parte da diretoria. Entre as conquistas, a sanção da lei que tornou os escritórios de advocacia invioláveis, em resposta aos episódios de invasão da Polícia Federal, com autorização judicial, para a apuração de crimes de evasão de divisas com o uso de off shores , na chamada operação Monte Éden, em 2005.

    No campo dos Direitos Humanos, o novo presidente lembrou da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental ajuizada no Supremo Tribunal Federal, que pede a revisão da anistia e a abertura dos arquivos militares do período da ditadura, de 1964 a 1985. Cavalcante se comprometeu a continuar brigando pela ação e manter outra medida tomada por Britto, a unificação nacional do Exame de Ordem. Também defendeu a criminalização da violação das prerrogativas dos advogados.

    Com a maior parte do discurso voltado para críticas à corrupção e à impunidade, o presidente enalteceu o papel da OAB na luta pelos direitos democráticos e elogiou a alternância de partidos no poder desde a Constituição de 1988. “Esse rodízio, estabelecido pelo povo nas urnas, é mais que saudável: é vital, indispensável à democracia; é a seiva de que se nutre para tornar-se, mais que um mero regime político, uma cultura política, que a ninguém ocorra contestar.”

    Para ele, uma das missões da OAB é “retirar o Brasil da 75ª posição no ranking das nações mais corruptas do planeta, conforme o levantamento da ONG Transparência Internacional, divulgado em novembro de 2009”. Uma das medidas para alcançar o objetivo, segundo ele, é o financiamento público de campanhas. Cavalcante também propôs a criação de um “observatório da corrupção”, uma espécie de cadastro de fichas sujas a ser mantido pela entidade, “que terá a missão de monitorar todas as denúncias que se encontram sob a análise do Judiciário em todo o país”.

    A seguir a íntegra do discurso proferido pelo presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante Junior, proferido hoje (01) durante a sessão solene de sua posse, no Centro de Convenções Brasil XXI, em Brasília:

    "Senhoras e senhores,

    Assumir a Presidência do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil é ao mesmo tempo uma honra e um desafio. Honra porque se trata do mais alto cargo que um advogado pode almejar dentro de sua instituição.

    E desafio porque o papel da Ordem transcende os muros da entidade e assume, como compromisso moral e estatutário, a defesa da sociedade e da democracia.

    Estou convicto de que, com humildade, determinação e, sobretudo, com o apoio dos colegas do Conselho Federal, conseguirei vencer esse desafio, respeitando as tradições de nossa entidade, que, em seus 80 anos de existência - que celebraremos este ano -, deixou marcas profundas e benéficas no processo evolutivo de nossa República e de nossa sociedade.

    Agradeço o privilégio de ter integrado a diretoria presidida por Cezar Britto, cuja administração se propôs - como disse ele em seu discurso de posse - a trocar o" lamento "pela" ação ". Não tenho dúvida de que conseguiu.

    Após este triênio, caro Presidente Cezar Britto, os advogados e a sociedade brasileira estão melhores. Avançamos na defesa das prerrogativas, essenciais ao cumprimento da norma constitucional, que define o advogado como" indispensável à administração da Justiça ".

    Dentre as vitórias em defesa das prerrogativas, nunca é demais lembrar a que resultou na lei que garantiu a inviolabilidade dos escritórios de advocacia, aprovada, por unanimidade, pelo Congresso Nacional.

    Outro ponto alto foi - e continuará sendo - a luta incessante na defesa dos direitos humanos. Nesse quesito, destaco a Ação por Descumprimento de Preceito Fundamental, junto ao Supremo Tribunal Federal, para abertura dos arquivos da ditadura, com o objetivo de resgatar uma dívida histórica para com o povo brasileiro em favor da verdade.

    Há ainda a unificação do Exame de Ordem e a luta pela qualificação do ensino jurídico - iniciativas que terão, de nossa parte, a máxima atenção e continuidade.

    São estas, dentre várias outras, conquistas da administração de Cezar Britto, que a justificam e marcam para a nossa história.

    Minha eleição resulta da convergência de vontades e de uma trajetória construída nesta entidade a partir de meu estado natal, o Pará, do qual me orgulho e me imponho o dever de honrá-lo nas suas tradições de luta, de superação e, sobretudo, de compromisso com os valores republicanos.

    Foram os advogados paraenses que me elegeram, a partir do final dos anos 90, para exercer os sucessivos cargos que ocupei na OAB: Vice Presidente da Seccional; duas vezes Presidente da OAB-PA e, posteriormente, conselheiro federal, indicado como representante da região Norte para integrar a Diretoria do Conselho Federal, na administração que ora se encerra, na condição de Diretor-Tesoureiro.

    Uma diretoria constituída de brilhantes advogados e grandes amigos, como Cezar Britto, Vladimir Rossi Lourenço, Cléa Anna Maria Carpi da Rocha e Alberto Zacharias Toron.

    Desse convívio, colho ensinamentos preciosos, que me amadureceram e permitiram que chegasse a este honroso cargo. A eles, a minha gratidão.

    Ressalto a lealdade e o apoio dos colegas paraenses Ângela Sales e Evaldo Pinto, respectivamente ex- presidente e vice da Seccional do Pará, verdadeiros irmãos. E ainda de Jarbas Vasconcelos, atual Presidente da OAB-PA. Eles souberam compreender o alcance e significado desse projeto à advocacia paraense e brasileira.

    Agradeço o apoio da totalidade das seccionais da Região Norte e da quase unanimidade das seccionais brasileiras.

    Meu especial agradecimento a todos os Presidentes dos Conselhos Seccionais, dos Conselheiros Federais, dos ex-presidentes do Conselho Federal, que apoiaram o projeto que hoje se inicia. Vou precisar da colaboração de todos, como requisito primordial à construção de uma gestão participativa, democrática, atuante e efetiva.

    Nada disso, porém, seria possível sem o apoio estrutural da minha família, que, de forma solidária, me dá a força necessária para superar obstáculos, perdoar constantes ausências - e à qual peço mais um crédito, com prazo certo e improrrogável, de três anos para que possa cumprir mais esta missão, que Deus e os advogados brasileiros me confiam.

    Esse agradecimento é especial para Marici, minha paixão, amiga e companheira, com quem divido diariamente as minhas angústias, vitórias e projetos de vida; aos meus filhos Caio e Breno, meus maiores amores, e também a Bárbara, filha mulher que ainda não tinha tido.

    A eles, peço que continuem no caminho que vêm trilhando. Agradeço também à minha mãe, Célia Forte, exemplo de mulher, e a minhas irmãs Suzy e Carla, que sempre me apoiaram em todas as lutas.

    Deixei o agradecimento final a meu pai, Ophir, e a Célia, sua esposa, uma segunda mãe e avó, para nós, filhos e netos. Meu pai sempre foi - e continua sendo - um paradigma moral e profissional para mim.

    Desde garoto, sempre o tive como meu melhor amigo, espelho de seriedade, luta e honradez.

    Deus quis, meu pai, que eu trilhasse o mesmo caminho que você trilhou: Presidente da OAB-PA e Presidente da OAB Nacional, completando um ciclo de 20 anos após cada uma das suas Presidências.

    Nada acontece por acaso e o seu exemplo de vida, de amor e de dignidade construiu uma família unida, com pessoas forjadas dentro de uma conduta retilínea, que sempre recebeu - e hoje passa às novas gerações - a lição de que o maior legado é o do exemplo e da educação. Obrigado meu pai.

    Senhoras e senhores,

    A Ordem dos Advogados do Brasil é resultado de uma obra coletiva, necessária para construir uma sociedade democrática. Ao longo de nossa história, trilhamos caminhos cheio de retas, de curvas, de subidas e até de despenhadeiros. Mas nunca caímos, graças à coragem de expressar, em todos os momentos, o pensamento libertário e independente, sem cores partidárias e sem vinculações ideológicas que não fosse o comprometimento com a Constituição.

    À OAB, como tribuna da sociedade civil, estatutariamente comprometida com a defesa do Estado democrático de Direito, da Constituição e das liberdades civis, cabe o papel de cobrar dos agentes públicos o cumprimento do dever, mantendo-se distante de governos e em sintonia com a população.

    Nossa Bíblia é a Constituição e o ordenamento jurídico dela decorrente.

    A defesa da justiça - justiça sem adjetivos, pois a verdadeira justiça os dispensa - pressupõe tão-somente a correta aplicação das leis ou, quando for o caso (e é o caso), reformas que a sintonizem com as demandas da sociedade.

    A luta pela redemocratização custou sangue, suor e lágrimas à população brasileira. Não pode ser comprometida pelo retorno, sob qualquer pretexto ou argumento, ao autoritarismo.

    Não há ditadura de direita ou de esquerda. Há ditadura, experiência humana trágica que, sem qualquer exceção, produz apenas violência, atraso e injustiça, em seu sentido mais amplo e corrosivo.

    Nestes milênios de civilização, prevalece a máxima de Winston Churchill, para quem" a democracia é o pior dos regimes, excetuados todos os outros ". E foi para nos livrar de" todos os outros regimes "que a sociedade brasileira foi às ruas, na década de 80, exigir a democracia.

    Nela estamos, e nela queremos permanecer, aprimorando o que é preciso, sabendo que os meios disponíveis são complexos e frequentemente demorados, mas são os únicos eficazes - e legítimos. Não há truques ou atalhos.

    Democracia exige trabalho, determinação, paciência, sabedoria, sinceridade de propósitos.

    Exige, sobretudo, compromisso com a diversidade, com o outro, o que pensa diferente. Compromisso, em suma, consigo mesma.

    Uma coisa é a predominância da vontade da maioria - imperativo democrático; outra, a eliminação da minoria, truculência autoritária.

    A democracia preserva e defende, como coisa sagrada, o direito da minoria de se manifestar, ser ouvida e respeitada.

    A idéia de uma Constituinte não encontra, no presente, os fundamentos que a legitimam.

    Não há ruptura da ordem institucional, nem o desejo social de que haja. Muito ao contrário: estamos prestes a eleger o sexto presidente da República pela via direta e constitucional. Desde que se restabeleceu a democracia, vários partidos se revezaram no poder: PMDB, PRN, PSDB e PT.

    Esse rodízio, estabelecido pelo povo nas urnas, é mais que saudável: é vital, indispensável à democracia; é a seiva de que se nutre para tornar-se, mais que um mero regime político, uma cultura política, que a ninguém ocorra contestar.

    Congresso e assembléias funcionam, a imprensa é livre (e tem que continuar livre!), não há censura, nem cerceamento ao Judiciário. Não há, nem pode haver!

    E esse ambiente não conspirou contra o progresso. Muito ao contrário, foi nele, com todos os ruídos e agitações que produz, alternando partidos no poder, que o país conquistou a estabilidade econômica que hoje exibe e que o levou a obter índices que o credenciam ao respeito e à admiração da comunidade internacional.

    O que precisamos é aprimorar as instituições, dotá-las de mecanismos que as tornem transparentes e decentes. A corrupção é uma de nossas maiores tragédias.

    Dinheiro em meias; em cuecas; em bolsas; oração para agradecer a propina recebida - são anomalias inconcebíveis, que demonstram total subversão de valores por parte dos que deveriam dar o exemplo.

    As imagens falam por si, sim, mas expressam ainda um autismo revoltante, já que falam apenas para si, sem qualquer conseqüência penal para os infratores, que continuam em seus cargos e cinicamente ainda perdoam os que contra eles protestam.

    Precisamos pôr um fim à impunidade. E isso não pode ser apenas uma frase de efeito, que não gera qualquer efeito. A sociedade não quer o perdão dos corruptos. Quer justiça! Ressarcimento do que lhe foi roubado.

    Precisamos dar conteúdo jurídico à indignação cívica do povo brasileiro, promovendo uma faxina moral nas instituições. Elas são a instância civilizatória de uma sociedade. Quando perdem autoridade, põem em risco as conquistas históricas que fazem de um povo uma nação.

    Estamos nesta circunstância: ou nos reencontramos com a decência ou naufragaremos. Nenhum país avança, nenhum país ingressa no Primeiro Mundo com as mãos sujas!

    E o Brasil - o Brasil institucional, indispensável à democracia - carece de decência. Não são os índices do PIB que expressam o avanço de um país, mas a conduta moral de seus dirigentes.

    Como promover reformas sociais, estabelecer condições dignas para quem está na base da pirâmide social, sem inspirar confiança, sem transmitir respeito, sem dar o exemplo?

    A prática tem que estar em consonância com o discurso - e, quanto à nossa política, há entre ambas um perigoso abismo.

    A OAB, no mandato que ora se inicia, reafirmando seu papel histórico, não descansará - repito, não descansará! - um só minuto no combate intransigente à corrupção e à impunidade.

    Para tanto, convoco não só os 700 mil advogados, mas todos os brasileiros honrados, que são a imensa maioria de nossa população.

    Nossa missão é retirar o Brasil da 75ª posição no ranking das nações mais corruptas do planeta, conforme o levantamento da ONG Transparência Internacional, divulgado em novembro de 2009.

    Essa cultura perversa traz consequências danosas para os diferentes setores da vida brasileira. E é nesse cenário, com todas as suas limitações, que teremos que operar milagres.

    Os poderes constituídos precisam assumir suas responsabilidades diante desse quadro. E há várias ações simultâneas a serem implementadas, cujo objetivo único pode ser resumido naquela Constituição que Capistrano de Abreu, há mais de um século, sugeriu para o Brasil:

    " Artigo 1º: Todo brasileiro deve ter vergonha na cara.

    "Artigo 2º - Revogam-se as disposições em contrário.

    Vergonha na cara! Eis a receita básica de nossa emancipação! Somente com ela - e a partir dela - poderemos considerar a República efetivamente proclamada.

    E nós podemos fazer essa revolução moral e ética, pois a imensa maioria da população brasileira - repito, a imensa maioria - é formada por pessoas de bem, que trabalham dia e noite; que recolhem, com grande dificuldade, pelo menos quatro meses de salários por ano em impostos para permitir que o Estado promova o bem comum. Mas ele não promove.

    Essa virada ética depende de nós. Vamos exigir decência; vamos exigir e repudiar pelo voto aqueles que não têm VERGONHA NA CARA.

    E como iniciar essa luta? Garantindo que o voto seja de fato o instrumento de libertação. Para tanto, é necessária, imprescindível, uma profunda reforma do atual sistema político, não limitada à revisão do sistema eleitoral, mas ampliada a outros setores da administração, com o objetivo de sanear uma das piores mazelas do setor público, que é a distribuição política - e perdulária - de cargos.

    Devemos nos insurgir contra o loteamento do Estado, contra a prática de usar os cargos públicos para arrecadar dinheiro e financiar campanhas.

    Uma medida eficaz é estabelecer o financiamento público de campanhas.

    Hoje tenho a convicção de que a corrupção diminuirá se estimularmos mais pessoas de bem a ingressar na política. Mas, para isso, precisamos sanear esse ambiente, hoje irrespirável.

    Precisamos cuidar da ecologia política, mudando o perfil dos agentes públicos, que hoje respondem pela quase totalidade da emissão do gás venenoso da corrupção.

    Não basta, porém, punir - embora seja indispensável fazê-lo. É preciso que, paralela e simultaneamente, haja um grande esforço no contexto educacional para reverter esse quadro.

    É preciso inserir no currículo escolar a disciplina da Ética - mais especificamente, da Ética Pública.

    Mais que uma ciência, ética é um sentimento, a percepção do que é certo e do que não é; do que tem de ser feito e do que deve ser evitado. Só poderá La ética pública ha de ser correlativa de la privadMal podrá defender la integridad y la moralidad en el plano público quien carece ddefender a integridade e a moralidade quem internalizar esses valores. El buen comportamiento del político en su esfera privada se reflejará sin duda en su función pública y desplegará efectos positivos sobre la comunidad que representa y dirige.

    Por isso mesmo, há mais de 24 séculos, Aristóteles sustentava que: " Não se ensina ética para saber o que é a virtude, senão para ser virtuoso. "

    Todas essas ações, que precisam envolver a sociedade, precisam estar em conjunção com uma premissa básica: o fortalecimento das instituições. O fortalecimento do Poder Judiciário.

    Sem um Judiciário forte, prestigiado, não há advocacia forte e prestigiada. São as duas faces de uma mesma moeda: a Justiça. É dever estatutário da OAB zelar pelas instituições jurídicas. Advocacia e magistratura são papéis que se complementam na tarefa única de produzir justiça.

    E é de justiça que o Brasil mais carece, para corrigir disparidades sociais e anomalias morais.

    Há necessidade de ampliar os controles do Judiciário e do Ministério Público sobre si próprios; melhorar a estrutura e a gestão de ambos para que possam exercer na plenitude seu papel; trabalhar por novas práticas que os aproximem da sociedade.

    Para exercer essa vigilância cívica - e contribuir nesse processo -, proponho a criação de um OBSERVATÓRIO DA CORRUPÇÃO, que terá a missão de monitorar todas as denúncias que se encontram sob a análise do Judiciário em todo o país.

    Para tanto, convoco as Seccionais e Subseções da OAB para que juntos façamos funcionar e possamos municiar com as informações necessárias esse OBSERVATÓRIO.

    Senhoras e senhores,

    Nenhuma ameaça é maior à democracia, às conquistas do Estado democrático de Direito e ao resgate da dívida social que essa perversa e maligna associação de corrupção e impunidade.

    A ela chegamos não por falta de leis, mas talvez por excesso. O incontável número de leis processuais, que permitem que um mesmo processo obtenha inúmeros graus recursais e acabe prescrito pelo tempo, beneficia apenas o topo da pirâmide social.

    Não funciona para o cidadão comum, que, além de não conhecer a lei, tem (quando tem) precário acesso à justiça. É preciso democratizar esse acesso. A reforma do Judiciário avançou quando criou o Conselho Nacional de Justiça, que colocou o Judiciário sob a supervisão da sociedade.

    Mas é preciso avançar mais. É preciso rever a legislação infraconstitucional, as leis processuais.

    Não se trata de suprimir a ampla defesa, sem a qual não há justiça, mas, sim, de impedir que, a seu pretexto, se protele a justiça, eliminando-a.

    Também não se trata de simplesmente inverter o que aí está, levando a falta de justiça que há embaixo para o topo da pirâmide. Trata-se de levar justiça a todos, nos termos do que determina o artigo da Constituição, de que"todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza".

    Sabemos que não funciona assim, que alguns são mais iguais que os outros. Sabemos que, nas delegacias do país - aqui mesmo, na capital federal -, a tortura e a violência são ainda os métodos investigativos por excelência.

    Sabemos que incontáveis prisões são feitas de maneira irregular, sem mandado judicial, sem flagrante, sem conceder à vítima o direito a um advogado, que na maioria das vezes está fora de seu alcance econômico - e as defensorias públicas, que poderiam supri-lo, são ainda incipientes.

    Senhoras e Senhores,

    Estamos em ano eleitoral, momento propício a uma reflexão profunda sobre o que nos tem acontecido nestas duas décadas e meia de redemocratização. Reconquistamos liberdades formais - essenciais, sem dúvida -, mas que não se refletem ainda em melhoria substantiva na qualidade de vida da maioria da população.

    O assistencialismo das bolsas sociais é necessário e deve ser preservado, mas tem que apontar a porta de saída. Como ensinava a antiga canção de Luiz Gonzaga," uma esmola a um homem são ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão ".

    Precisamos de cidadãos integrais, sãos, em condições de participar plenamente da política, não como massa de manobra, mas senhores de seu destino, fiscais efetivos de seus eleitos.

    A OAB preocupa-se com essas questões por não ser uma entidade meramente corporativa.

    Sem deixar de ser a Casa do Advogado, é também, por dever estatutário, a Casa da Cidadania. E é simples entender: nossa profissão, mais que qualquer outra, depende do correto funcionamento das instituições, sobretudo, como já disse, do Judiciário.

    Por isso, a luta em defesa das prerrogativas do advogado não é só do advogado. Confunde-se com a luta em defesa do cidadão.

    É, afinal, a ele que se destina nossa ação. Quando se desrespeitam as prerrogativas da advocacia, é a democracia que é atingida. Por isso, violar as prerrogativas do advogado é crime! Crime contra a Justiça, crime contra a democracia, crime contra a cidadania!

    A OAB não transigirá jamais quanto a isto, não tenham dúvidas!

    Prerrogativas e democracia são indissociáveis, como indissociável é a ligação siamesa entre advogados, juízes e membros do Ministério Público

    Quero, por fim, dizer que não temo o desafio de presidir a OAB - e por um motivo simples: não a administrarei sozinho.

    Tenho o privilégio de contar com uma diretoria de primeira linha, com a presença dos eminentes advogados ALBERTO DE PAULA MACHADO, MARCUS VINICIUS FURTADO COELHO, MARCIA MACHADO MELARÉ e MIGUEL CANÇADO, além dos não menos brilhantes Conselheiros Federais que ora assumem, com quem dividiremos as decisões de nossa entidade.

    Conto também com o apoio e aconselhamento dos ex-Presidentes desta Casa. Cada qual a seu tempo contribuiu, voluntariamente, na construção deste monumento cívico que é a ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL.

    A todos, as sábias palavras de Carlos Drummond de Andrade, nosso poeta maior:" Vamos de mãos dadas ". Juntos, não seremos" poetas de um mundo caduco ". Estaremos ligados à vida real, tendo como missão melhorar esta enorme e complexa realidade.

    Coragem, destemor, independência, autonomia, responsabilidade são as nossas armas para lutar por Justiça; por uma sociedade menos desigual. E o fazemos com espírito de doação, sem receber nenhum centavo do Poder Público.

    Somos 8.500 dirigentes da OAB empenhados, em todo o país, numa luta cujas palavras mágicas são VOLUNTARIADO e SOLIDARIEDADE - e que devem servir de estímulo para que outros se unam e também contribuam, na missão comum de construir pontes e derrubar muros, sem receio de desagradar aos governantes, nem de incorrer em impopularidade.

    Logo, não chego sozinho ao Conselho Federal da OAB. Estão sempre comigo o compromisso com a transformação para engrandecer ainda mais a nossa instituição.

    Trago comigo a visão solidária que deve ser o princípio motivador de um dirigente.

    Trago comigo o sentimento de que é no campo da ação prática, mediante propostas novas e modernas, que melhor poderemos escrever uma história de avanço social.

    Trago comigo o exercício da convergência para que haja mais pontes entre as margens distantes.

    Trago comigo, principalmente, a alegria de trabalhar.

    Por isso, assumo esta nobre missão de coração aberto.

    A todos, o meu mais afetuoso abraço. Que Deus nos ilumine e nos permita cumprir fielmente este mandato.

    Muito obrigado."

    Leia o discurso ex-presidente da OAb Nacional, Cezar Britto:

    A seguir a íntegra do discurso proferido pelo ex-presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto, na sessão solene em que transmitiu o cargo ao seu sucessor, o advogado Ophir Cavalcante:

    "Ao assumir esta tribuna não falo em nome próprio, pois não assumi sozinho o honroso cargo de presidente da Ordem dos Advogados Brasil.

    Sou, nesta tribuna, o porta-voz dos sonhares, quereres e ações dos combativos amigos-irmãos Vladimir Rossi, Cléa Carpi, Alberto Toron e Ophir Cavalcante.

    Cabe-me, nesta solenidade, apenas por força regulamentar, exprimir a diversidade sergipana, pantaneira, gaucha, paulista e paraense que tomou corpo na diretoria que tive a honra de integrar. Sou cinco vozes em apenas uma.

    Sou também os oitenta e um conselheiros federais e os treze presidentes nacionais ativos que me antecederam e que produziram debates inesquecíveis, apontaram caminhos, corrigiram rumos, ousaram e resistiram.

    Falo ainda em nome dos quatrocentos e quatro advogados que integraram, em número recorde, as comissões nacionais, a ENA e a Editora da OAB. Nunca tivemos tantas reuniões e ações. E ainda foram poucas diante da vontade de trabalhar de cada um.

    Represento aqui os vinte e sete presidentes de seccionais, os vinte e sete presidentes de Caixa de Assistência, e os duzentos e dezesseis advogados que participam voluntariamente de suas respectivas diretorias.

    Estou falando em nome de uma instituição que abriga em seus quadros mil e quinhentos e trinta e três Conselheiros Seccionais titulares e suplentes, novecentos e dezessete presidentes de subseções e seus três mil, seiscentos e sessenta e oito dirigentes, mais de um mil, trezentos e cinqüenta incontáveis membros de comissões estaduais e municipais.

    Represento aqui os cento e cinqüenta e dois servidores e estagiários do Conselho Federal que dedicam a esta Casa o melhor dos seus talentos.

    Falo em nome dos setecentos mil advogados que diariamente lutam contra o autoritarismo, a insensibilidade e a intolerância.

    Como se vê, o mandato que se encerra hoje tem muitos pais assumidos. Tudo que a OAB executou nos últimos três anos, absolutamente tudo, erros e acertos, decorreu de uma obra coletiva. E que não começou agora. Nenhum de nós melhor que o outro. Nenhuma etapa mais importante do que a outra. Todos absolutamente iguais. Um todo indivisível e inquebrantável como são as coisas que se unem pelo amor. O amor de uma profissão que faz do próximo o próprio eu.

    Ao falar, a partir de agora, no plural, não estarei usando uma retórica discursiva. É plural consciente, real e que reflete a obra que, juntos, construímos em rápidos, instigantes e emocionantes três anos, quando assumimos a OAB querendo transformar em realidade o que Fernando Pessoa chamou de" todos os sonhos do mundo ".

    Hoje, três anos depois, podemos dizer que não eram sonhos o que falávamos lá atrás. Não eram utopias ultrapassadas. Não eram poesias ou discursos para agradar o ouvido ou coração diante de uma solenidade festiva.

    Sabíamos, naquele distante 01 de fevereiro de 2007, que seria uma tarefa difícil. Especialmente em um país que convive, há mais de quinhentos anos, com o patrimonialismo, a desigualdade, o preconceito e a violência.

    Mas também sabíamos que a força da Constituição-Cidadã e o destemor da OAB nos forneceriam bases sólidas a pautar a nossa ação coletiva.

    E com base nelas, desprezamos o muro da vaidade institucional que nos apartava em pedaços desconexos em que cada um cuidava do seu próprio quinhão, desprezando o todo, escudando-se nas suas competências normativas. Apostamos na construção de uma ponte chamada de gestão absolutamente compartilhada. O Pleno aumentou a quantidade de reuniões e deliberações, não raro acatando as recomendações dos encontros e colégios de presidentes de seccionais, das caixas, dos tesoureiros, dos secretários, das comissões e dos tribunais de ética e produziu uma obra conjunta na concepção e execução.

    O resultado logo se fez notar: aprovou-se o maior número de provimentos da nossa História. Criou-se o revolucionário FIDA, o primeiro órgão de gestão legalmente compartilhada, padronizou-se a linguagem financeira, cadastral e do mundo digital. Aprovou-se um instrumento interno de controle fiscal. O Exame de Ordem tornou-se Unificado. A marca OAB una e padronizada. O sistema OAB-PREV agregado a uma orientação uniforme. As subseções com um cadastro nacional. A Assessoria Jurídica Nacional e a Corregedoria. Nestas atividades conjuntas, aprendemos que não devemos cuidar apenas das competências formais, mas, sobretudo, da unidade institucional. Todos cuidando de todos, o meu também sendo o seu.

    E quando se pensou no todo, ficou mais fácil derrubar as barreiras do isolamento do Conselho Federal com os advogados que se espalham pelo Brasil-continente. Abrir diálogos se tornou palavra de ordem. Criou-se a Ouvidoria como símbolo de um tempo que compreendeu a importância do ouvir. E foi este modo de agir que nos fez compreender a incoerência em nos dividirmos entre advogados públicos ou privados. Nós somos uma única e coerente voz. Afinal, lutar por autonomia, independência e honorários advocatícios não se faz com vaidade e distanciamentos.

    A mesma regra se aplicou no que se refere aos estudantes de direito, o amanhã que somente será possível se realizado no hoje. Depois de um intenso debate com a UNE e a Federação Nacional dos Estudantes de Direito criamos uma comissão composta exclusivamente pelos acadêmicos do agora.

    Outra quebra de muralha que precisava ser acelerada era aquela que ainda separa os advogados da capital daqueles que militam no interior do país, perceptível nas repetidas e proveitosas que fizemos pelo continente brasileiro, quer para inaugurar sedes, reuniões, desagravos ou debates.

    Estes encontros motivaram a Criação do Cadastro Nacional das Subseções e uma nova forma de comunicação institucional, fazendo-nos emitir até seiscentos mil e-mails dias para todos advogados, três revistas eletrônica, um site mais moderno, com mais de oitocentos mil acessos e um milhão e seiscentas mil visitas por páginas todo mês, a doação de mais mil computadores para as salas dos fóruns e a instalação de biometria automatizada para emissão da identidade do advogado.

    E a quebra do isolamento não se poderia fazer apenas no campo corporativo. A nossa missão, aquela que juramos por repetidas vezes, E sobretudo com a felicidade do outro, nos estimulou a derruir a exclusão que ainda separa os homens por categorias, gêneros, cores e grupos. Adotamos a inclusão como método de ação. Criamos várias comissões afirmativas: promoção da Igualdade, pessoas com deficiência, indígena, criança e adolescentes, terceiro setor e ampliamos as demais.

    O resultado não se fez tardar, patrocinamos várias campanhas institucionais, realizemos seminários, investimos na acessibilidade dos nossos prédios, combatemos a criminalização dos movimentos sociais, fomos procurados para intermediar conflitos, realizamos congressos e, sobretudo, agimos para fazer com que, no bom dizer de J. Bourbon," as diferenças não sejam mais capazes de separar ".

    Mas o homem não se resume ao habitat que se desnuda diante do seu olhar físico. Destroçar fronteiras também era preciso. E neste período o Brasil ocupou a presidência da UALP e do COADEM, fez de Foz do Iguaçu a sede da advocacia sul-americana. Participou ativamente dos trabalhos da UIBA e colaborou com a UIA. Organizou e participou de congressos, estendeu os trabalhos da ENA para os países da língua portuguesa, promoveu intercâmbios com a República Dominicana, Honduras, Angola, Moçambique, EUA, Cuba, Guiné Bissau, Cabo Verde, Timor Leste, Macau e São Tomé y Principe, e se preocupou com a proteção da pessoa humana, ai se destacando o convênio celebrado com o Conselho Geral da Advocacia Espanhola que garantiu assistência jurídica aos brasileiros e espanhóis quando vitimas de lesão a direitos humanos, assim como o novo foco internacional de combate ao tráfico de pessoa humana. O Brasil que quer ser grande no campo internacional não poderia pensar pequeno na sua área jurídica.

    E pequeno não pensamos quando decidimos eleger o ensino jurídico como pilar fundamental para garantir que os atuais estudantes, futuros advogados, juízes, procuradores, delegados e bacharéis, tenham nos direitos humanos, nos princípios fundamentais e na ética fontes irrecusáveis de aprendizado. Assim passamos a exigir expressamente a observância dessas mandamentos nas grades curriculares e no Exame de Ordem. Não mais queremos ouvir de alguns magistrados e autoridades que o Brasil tem leis civilizadas demais para combater a barbárie ou que o Supremo peca porque julga com base nos princípios fundamentais. Eles terão que aprender nos bancos escolares a respeitar a Constituição.

    Mas, antes, necessário se fez combater a fome e a ganância de empresários que mercatilizam o sonho de ascensão social pelo saber. Já no primeiro dia do mandato, em reunião com o Ministro Fernando Haddad, implantamos um novo março regulatório para os cursos de direito, em que se destacou a despolitização na criação de cursos, a participação da OAB na fase de renovação de reconhecimento e uma nova força normativa para o nosso opinamento. Com estas medidas, reforçadas pela ampliação da Comissão de Ensino Jurídico e o Exame de Ordem Unificado, começamos a ruir este quadro perverso que tem como maior vítima o pobre que busca no ensino uma forma de conquistar a igualdade.

    Hoje, com muito orgulho, posso dizer que estamos há exatos dois anos sem a criação de um curso de direito sem a concordância da OAB, podendo-se ainda dizer que cinco cursos foram fechados, assim como centenas de vagas.

    Mas também tínhamos que fazer o nosso dever de casa. O saber não é estático. O advogado não pode abdicar da educação continuada. Era fundamental que dotássemos a ENA de condições técnicas para o exercício de sua missão. E ela o fez de forma inovadora.

    Nesta gestão organizou inúmeros cursos de aperfeiçoamento e, pela primeira vez, cursos de prós-graduação, inclusive para os países africanos.

    É de se destacar, também no campo do saber, a criação da Revista da ENA, a Revista da Editora OAB e a Revista de Direitos Humanos.

    E a tudo isso se acresce a XX Conferência Nacional na cidade de Natal, como a presença de mais de cinco mil participantes. O IX e X Seminário sobre o Ensino Jurídico, O Fórum Brasil Contra a Violência, II Seminário sobre o Quinto Constitucional, o I Seminário Sul-americano de Promoção da Igualdade, I Seminário Nacional das Comissões de Defesa das Pessoas com Deficiência, Conferência Nacional sobre Direito Ambiental e a questão da Amazônia, IV Conferência Internacional de Direitos Humanos, I Seminário Internacional sobre a Exploração do Pré-sal, I Seminário Nacional de Combate à Corrupção Eleitoral, I Seminário sobre a Criminalização dos Movimentos Sociais, Encontros das Comissões dos Advogados em Início de Carreira, Encontro Nacional de Comissões de Prerrogativas, duas oficinas no Fórum Social Mundial (Pará e Porto Alegre), Concurso de poemas e desenhos para o calendário ambiental da OAB, entre os alunos das escolas de ensino fundamental da rede pública, Encontro para discutir a advocacia internacional e os desafios contemporâneos, o Encontro Internacional Diáspora Jurídica, Fórum da Cidadania pela Reforma Política.

    Senhoras e Senhores,

    O avançar do tempo nos fez um país economicamente grande, socialmente mais forte. A cara nova do cenário internacional. Não tenho dúvida de que colhemos hoje o fruto plantado no dia 05 de outubro de 1988, através da semente democrática chamada Constituição cidadã. A Constituição que, corajosamente, nos ensinou que a pessoa humana é a razão de ser da política do Estado, e não o Estado em si mesmo. Exatamente por isso, por desprezar o autoritarismo, nos proporcionou o maior período de estabilidade política da nossa história.

    Eis porque nos dedicamos a fazer valer uma frase que se tornou mantra na XX Conferência Nacional: é preciso constitucionalizar o Brasil.

    E esta é uma tarefa ainda inconclusa, talvez porque tenhamos que compreender que é mais fácil mudar um texto legal, ainda que uma Constituição, do que a cabeça do homem

    Lamentavelmente, tivemos que dedicar grande parte do nosso mandato a implodir adágios autoritários e edificar pensamentos libertários. A fazer compreender que a Constituição-Cidadã é defensora, não é acusadora.

    Disse-nos o presidente israelense Shimon Peres, ao parlamento alemão, no último dia 27, quando se relembrava os sessenta e cinco (65) anos da queda do campo de extermínio de Auschwitz, no sul da Polônia:

    " o dia de hoje não representa apenas a lembrança em memória às vitimas, não somente as dores na consciência da humanidade em face à atrocidade incompreensível ocorrida, mas também a tragédia da procastinação em agir ".

    Também não por revanchismo. Também não apenas em memória às vitimas. Também não por dor de consciência. Mas a defesa do Estado Democrático de Direito também exige de nós, brasileiros, a eterna vigilância.

    Ao desconhecermos que o Poder Judiciário já fora castrado na sua missão de livre decidir, violado na sua independência, desrespeitado em prerrogativas, humilhado com a cassação dos Ministros Evandro Lins e Silva, Victor Nunes Leal e Hermes Lima, repetimos agora estes mesmo gravíssimos erros quando se aprovou a Emenda Constitucional 62/2009 conhecida como PEC do CALOTE, que reduz o Poder Judiciário a um percentual ínfimo do que vale o Poder Executivo e que concede carta branca para que governantes confisquem direitos, humilhem cidadãos, pois seus atos somente serão reparados décadas depois.

    Renovamos estes mesmos erros quando apagamos da nossa memória de que na época em que o cômodo era se calar, fora a advocacia quem reagira à brutal intervenção do Executivo sobre o Judiciário. Esquecimento que faz com que hoje alguns magistrados, corporativa e ingratamente, ataquem o quinto constitucional, preguem a sua extinção ou que se retire da OAB o poder de indicar os representantes da própria advocacia.

    Ao não mais lembrarmos de que o habeas corpus fora extirpado do ordenamento jurídico durante a ditadura militar como forma de ampliar o poder repressivo do Estado, hoje ousaram repetir esta mesma lógica ao reduzirem a força constitucional do mandado de segurança.

    Ao retirarem da nossa memória que a imprensa vivia censurada, com agentes do estado trabalhando diretamente nas redações, interferindo nas linhas editorias, volta à tona a tese de que o Estado pode praticar censura prévia a jornais e ainda estabelecer o monopólio sobre o controle das comunicações, ainda que para combater outros monopólios.

    A considerarmos a tortura como simples crime político, revogando a sua tipificação como crime de lesa-humanidade, imprescritível e deplorável, aceitamos que ainda hoje seja praticada como método investigativo, estimulada até, como fez Bush em Guantánamo e se faz diariamente nas delegacias e penitenciárias do Brasil.

    Sem saber dos riscos que corríamos ao permitir que poder das armas se impusesse ao Poder da Constituição, sem memória, muitos aplaudiram (imprensa, magistrados, integrantes do Ministério Público, policiais, milicianos) o retorno da lógica policialesca que queria revogar o direito defesa do cidadão, aniquilar o devido processo, fazer da investigação um espetáculo televisivo e invadir o sagrado templo da defesa que é o escritório da advocacia.

    Não queremos ser os detentores da verdade, mais quando nos faltam com a verdade a História fica comprometida e, o que mais grave, repetida nas sua face clandestina e obscura.

    Conhecer a nossa história, recuperar a nossa memória, é dever de sobrevivência democrática. E foi o que fizemos nestes três anos. Não apenas em discursos, mas, sobretudo, como ações.

    Talvez tenha razão Francis Bacon quando diz que" a verdade é filha do tempo, não da autoridade ". Talvez tenhamos mesmo que pacientemente esperar o nosso tempo chegar.

    Afinal, basta lembrarmos que somente nestes últimos três anos o Supremo Tribunal reconheceu, em julgamentos históricos, que o índio é ser humano, que a imprensa só serve livre, que o Estado é laico, que o uso desordenado e exagerado de algemas fere a dignidade da pessoa humana, que o estudo da células troncos aperfeiçoa a vida, que os cargos públicos pertencem ao público e não àqueles que nasceram em berços econômica e politicamente esplêndidos, e que, não se pode falar em Democracia sem que se respeite o direito de defesa.

    È tempo de esperar que o Supremo ajude o Brasil a contar, sem medo, a sua história.

    Senhoras e Senhores,

    O nosso tempo agora é de agradecer.

    Inicialmente aos mais de oito mil, trezentos e trinta e cinco advogados que se dedicaram, como dirigentes, corajosa e voluntariamente, à construção da história da advocacia e do Brasil.

    Aos servidores do Conselho Federal.

    Aos mais de setecentos mil advogados que se espalham pelo Brasil-continente.

    Aos amigos que me aconselharam e compreenderam a minha ausência.

    Ao Supremo Tribunal Federal, dentre outras razões, pela Súmula Vinculante 14 e pelo HC 91.551 que trancou ação penal que acusava, abusivamente, os advogados pelo Estado de Bisbilhotice que um dia quis voltar ao Brasil.

    Ao CNJ pela coragem de afirmar que os servidores públicos, ainda que vitalícios, devem prestar contas ao público.

    Ao TST por ter começado a reconhecer a desigualdade jurídica do jus postulandi das partes.

    Ao Congresso Nacional, especialmente pela aprovação da Lei 11.767/08 (que torna inviolável os escritórios de advocacia) e a Lei 11.925/08 (que reconhece a fé pública dos advogados na juntada de documentos) e os convites para as dezenas de audiência públicas ali realizadas.

    À Câmara dos Deputados pela aprovação do projeto de lei que criminaliza a violação às prerrogativas dos advogados.

    Ao Executivo por ter sancionado, apesar das pressões, as citadas lei, assim como aberto um canal de diálogo que nos permitiu discutir vários projetos de lei, antes mesmo que apresentados ao Legislativo,

    À todos que sonharam e lutaram conosco por um mundo melhor.

    Meu amigo-irmão Ophir Cavalcanti,

    Pertenço a uma dessas várias famílias nordestinas que aprenderam a importância da união, honestidade e destemor para enfrentar a vida numa região ainda vitima da desigualdade e do preconceito. Na minha pequena cidade de Propriá, na beira do combalido Velho Chico, aprendi com meus pais Aragão e Helena a importância de compartilhar com o outro o pouco-tudo que se tem.

    Meus pais, seus oito filhos, centenas de tios e primos compartilhavam e compartilham daquela regra bem resumida por Marxwell Maltz:" a felicidade é um bem que se multiplica ao ser dividido ". Lição que procurei reproduzir na OAB.

    E usando agora mais uma expressão nordestina, registrada quando um filho ganha um novo irmão caçula, a sua posse" me colocará no canto ".

    Mas como é bom saber que ficarei no canto para você possa encantar e cantar livre, altivo, ativo a voz da advocacia-cidadã. Como fico feliz em saber que o seu cantar será o de um coro de amigos afinadíssimos como Alberto de Paula, Marcos Vinícios, Marcia Melaré e Miguel Cançado.

    Como é um tranqüilo saber que volto à plenitude da advocacia militante, sendo mais um dos orgulhosos advogados (palavra que mais ouvi durante minha caminhada) sabendo que continuarás honrando, melhorando e ampliando a belíssima história da advocacia brasileira.

    Encero citando Herry Thoreau e que bem reflete o meu sentir:

    " cada pôr-do-sol que vejo me inspira o desejo de partir para um oeste tão distante e belo quanto aquele onde o sol sumiu "

    Amanhã, quando sol nascer, me encontrará de volta para minha casa, junto à minha querida, paciente, amada e companheira Marluce, em companhia dos meus filhos Diego, Manuela, Gabriela, Ruan, genros e nora.

    Ele certamente me dirá que a felicidade de estar no meu ninho de amor, não significa que ele é único, pois sabe que lá fora está a OAB, a minha eterna OAB, lutando para que todos também tenham uma lar para chamar de seu e provem da mesma felicidade, igualdade e liberdade que provei e que ainda provo.

    (Com informações da OAB Nacional e do site Consultor Jurídico)

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