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16 de Junho de 2024
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    O ano em que o toma-lá-dá-cá político virou decreto presidencial

    Publicado por Consultor Jurídico
    há 9 anos

    Tal como em anos anteriores (leia os textos de 2013 e de 2012, a ConJur me convida a escrever uma coluna que faça a retrospectiva do ano que finda, o que muito me alegra, não só pelo convite em si, mas também pela oportunidade de rever o que de mais relevante aconteceu no período.

    Aliás, relendo as colunas acima indicadas, verifico que nas primeiras frases da retrospectiva de 2013, menciono que muitas pessoas já estavam desejando “feliz 2015”, pois 2014 seria imprensado entre um Carnaval tardio, a Copa do Mundo no Brasil e as eleições gerais em outubro, o que atrapalharia toda a atividade econômica. Pois foi exatamente o que ocorreu — e não precisei de bola de cristal.

    2014, no meu ponto de vista, será marcado no calendário do Direito Financeiro especialmente por dois eventos: 1) a desnecessária batalha sobre a alteração da meta de superávit primário; e 2) o inacreditável decreto que transformou o toma-lá-dá-ca político em norma jurídica. Claro que não foi só isso que aconteceu, embora estes itens mereçam destaque. Outros eventos de suma importância tiveram relevância para as análises de Direito Financeiro, como será exposto.

    Comecemos com a questão envolvendo o título desta coluna, a transformação do toma-lá-dá-ca político em norma do Decreto 8.367/14, em especial seu artigo [1]. A tradução do juridiquês financeiro é a seguinte: ficam liberados cerca de R$ 10 bilhões para emendas parlamentares, desde que (“ficam condicionadas”) haja a aprovação do Projeto de Lei 36/14. Caso não aprovado, será feita nova proposta para o uso desse dinheiro. Por outras palavras: ou os parlamentarem aprovam o referido Projeto de Lei (PLN) ou a verba que inseriram no orçamento para fazer frente à suas políticas locais não será liberada.

    Observe-se que o toma-lá-dá-ca político não é nenhuma novidade. Fiquemos apenas no período de redemocratização mais recente do país — e que espero que tenha sido a última[2]. Durante a Constituinte 87/88 surgiu um movimento conhecido como Centrão, que buscava se contrapor às teses dos movimentos de esquerda, sendo um dos seus lideres o deputado federal paulista Roberto Cardoso Alves (que, aliás, foi cassado em 1968) a quem se atribui a “oração de São Francisco política”, na qual diz que “é dando que se recebe”, frase significativa para o toma-lá-dá-cá político sempre presente no país (para ler uma breve biografia do deputado, clique aqui ou aqui). Quem tiver interesse no assunto existem dois livros que podem indicar este espírito incrustado na alma nacional desde priscas eras, como Os Donos do Poder, de Raymundo Faoro, e para uma análise mais contemporânea, o Capitalismo de Laços, de Sérgio Lazzarini. A bem pensar, isso não acontece só no Brasil. Isso faz parte da política, o que se pode ler em A República, de Platão e A Política, de Aristóteles, quando descrevem sobre as mutações das formas de governo das cidades.

    A novidade é que o referido Decreto juridicizou esse jogo. Que o toma-lá-dá-ca sempre fez parte do jogo político era sabido. Porém chegarmos ao ponto de ser necessário colocar este ajuste em um Decreto revela o grau de desconfiança recíproca que está presente nas bases do governo. Nem vou tratar da oposição, mas da falta de confiança que se apresenta dentre o que se chama de “base aliada”. O temor de um “fogo amigo” é de tal monta que se tornou necessário escrever que as “emendas parlamentares” só seriam liberadas se o Projeto de Lei 36/14 viesse a ser aprovado. Ou seja, foi necessário transformar em norma o toma-lá-dá-ca das emendas parlamentares. A que grau de desconfiança política chegamos em nosso país! Pontuado o motivo pelo qual este decreto chamou tanto a atenção, passemos à análise do quê o gerou, ou seja, o Projeto de Lei 36/14, e aí teremos o outro ponto de destaque na análise do Direito Financeiro deste ano que finda.

    O Projeto de Lei 36/14, que se transformou na Lei 13.053/14 trata da metodologia de cálculo do déficit público. Ou, por outras palavras, trata da fórmula pela qual o governo se obriga a apresentar superávit primário nas contas públicas. Aqui existem dois erros, a meu ver.

    O primeiro decorre do próprio conceito de superávit primário. Esta expressão dá a entender ao leitor menos atento que o governo está com as contas em dia, pois tem superávit. Ledo e ivo engano. Superávit primário quer dizer que o governo tem que ter superávit quando tira do cálculo as dívidas financeiras. Não quer dizer que existe um superávit orçamentário, verdadeiro, também denominado de superávit nominal, mas apenas um superávit sem considerar as operações financeiras.

    Caro leitor, olhe para suas próprias contas mensais e veja se esse sistema de apuração contábil tem cabimento no mundo em que vivemos. É como se você fizesse seu orçamento mensal desconsiderando as dívidas com o cheque especial ou com os juros do cartão de crédito ou do crediário. Me diga se essa fórmula de cálculo tem base na realidade? Porém, para a enorme massa da patuleia (pego carona nesta expressão tão cara a outro colunista desta ConJur, Lenio Streck) superávit primário quer dizer que o governo é superavitário nas contas públicas. Erro crasso. Esta fórmula de cálculo não existe nos países desenvolvidos. Só naqueles que estão ou estavam sob a intervenção do FMI, sem a qual não conseguiriam organizar suas contas públicas, como o Brasil do final do século passado. O conceito de ...

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