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16 de Junho de 2024
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    O Defensor Público aposentado tem que participar da vida institucional

    Publicado por Justificando
    há 9 anos

    O presente texto tem como objetivo examinar o papel do Defensor Público aposentado na vida institucional, mais especificamente quanto à possibilidade de participar nos processos eleitorais internos, que devem ser entendidos nas escolhas do Defensor-Público Geral e dos Conselheiros Classistas.

    Inicialmente, é relevante contextualizar quem é o autor, isto é, um integrante da carreira da Defensoria Pública, até mesmo como forma de repudiar qualquer alegação inicial que queira invocar uma putativa neutralidade. No entanto, deve-se fugir de um discurso de claro viés corporativista e ainda ter consciências de que as experiências de vida não podem aprisionar o horizonte do crítico. Com o intuito de realizar uma discussão séria sobre a possibilidade de o Defensor Público aposentado participar nas eleições internas da Defensoria Pública faz-se então necessário fugir do senso comum teórico, o que reputo possível a partir de uma análise pautada nos princípios republicano e democrático.

    No que se refere ao princípio republicano, desde já, é oportuno frisar que o trato com a coisa pública deve ser compreendido como um bem de todos. Em um país com notória dificuldade para o respeito o bem público, a preocupação com a efetivação da república deve ser encarada como uma questão de todos. Aliás, não basta expressar constitucionalmente que república é um princípio fundamental enquanto a sociedade não pratica-lo diuturnamente, sob pena de tornar vazia a cláusula constitucional. Nesse momento, não se pode perder de vista, ainda, o processo histórico nacional em que privilégios foram instituídos e camuflados sob argumentos desprovidos de qualquer idoneidade.

    Ao examinar a civilização capitalista, Fábio Konder Comparato aponta para a dificuldade de efetivação da república em um cenário capitalista, uma vez que a coisa pública necessita ser apropriada para a obtenção de lucro:

    “A essência do princípio republicano consiste na supremacia incontestável do bem comum do povo, ou seja, aquilo que os romanos denominavam precisamente ‘res pública’, em relação a todo e qualquer interesse privado. Temos, assim, que à oposição entre o público e privado corresponde, logicamente, o contraste entre o que é comum e o que é próprio. O nominativo ‘proprium’, em latim, foi reconstruído a partir da locução ‘pro privo’, que significava ‘a título particular’.

    Ora, um dos traços marcantes da mentalidade e do sistema capitalista, como assinalado no capítulo anterior, é exatamente o contrário: o interesse próprio dos passa sempre à frente do bem comum do povo, vale dizer, da coletividade como um todo.”[i]

    Por outro lado, o princípio democrático implica na participação de todos os integrantes do concerto comunitário, desde que capazes, no processo de formação das deliberações políticas. A partir da experiência da Hélade, modelo de democracia que necessita ter o devido cuidado em sua análise, pois nem todos eram cidadãos, é possível decompor o regime democrático em três vetores: a isonomia, a isocracia e isegoria. A isonomia pressupõe que as normas regentes de uma sociedade é válida para todos. A isocracia, por sua vez, implica na possibilidade de todos participarem da administração pública, sendo certo deverá subsistir igualdade de acesso aos cargos. Por fim, a isegoria é materializada na possibilidade de todos poderem exercer o direito de opinião em iguais condições. A democracia deve ser compreendida pelo prisma do ideal, isto é, um processo incessante em que o seu cumprimento não pode ser tido como obra acabada.

    Fábio Konder Comparato, em mais uma análise crítica frente à civilização capitalista, indica a incompatibilidade entre esse modo de produção e o regime democrática, conforme se verifica nas linhas que se seguem.

    “A partir da segunda metade do século XIX, a consagração da chamada ‘democracia representativa’ nos países que detinham o poder capitalista no plano mundial – os países ricos da Europa Ocidental e os Estados Unidos – veio a servir como uma luva ao grande empresariado e seus vassalos para o estabelecimento de um regime político de dupla face: oficialmente, o governo é exercido pelos ditos representantes do povo; mas na realidade, os órgãos do governo submetem-se ao poder de controle – sempre oculto – dos detentores do grande capital.

    Em suma, o mecanismo de representação popular é mero disfarce para a efetiva alienação da soberania popular.”[ii]

    A partir desses dois pilares fundamentais, isto, é, dos princípios republicano e democrático, é necessário aferir quais são os limites, caso existentes, para a participação do Defensor Público na vida institucional.

    Antes mesmo de examinar a possibilidade de o Defensor Público aposentado exercer o direito ao voto, mostra-se, até mesmo como forma de superar qualquer tentativa de imputar um caráter corporativista deste texto, oportuno apresentar uma situação existente em algumas Constituições Estaduais. No estado do Rio de Janeiro, há previsão constitucional de que os Defensores Públicos gozam foro por prerrogativa[iii]. Não se desconhece a dura crítica quanto à existência desse foro, bem como o posicionamento do Supremo Tribunal Federal que os foros especiais instituídos no âmbito do Poder Constituinte Derivado Decorrente não podem prevalecer frente aqueles previstos na Constituição Federal. Assim, nos crimes dolosos contra a vida, caso advenha uma imputação em face de um Defensor Público, mesmo diante da previsão estadual do foro por prerrogativa, deverá a ação penal ser conhecida, processada e julgada no Tribunal do Júri. Quanto ao Defensor Público aposentado, sob pena de configuração de privilégio odioso, não se mostra possível sustentar a manutenção do foro por prerrogativa.

    Todavia, resta ainda o questionamento: o aposentado pode votar para Defensor Público Geral e para os Conselho Superior?

    A resposta para esse questionamento, sem sombra de dúvida, passa pelos princípios apontados e, ainda, pelos marcos legais existentes.

    Não há qualquer violação aos apontados princípios, quando se admite o voto do Defensor Público aposentado. É sabido que não poderá ele exercer cargo de chefia ou mesmo de representação da classe no Conselho Superior, mas nada impede que possa manifestar o seu desejo pelos rumos institucionais.

    Ademais, a partir da lição de Renato Janine Ribeiro, a radicalização da democracia é algo salutar e, mais ainda, imprescindível para a atual quadra histórica. Eis as palavras do professor da USP:

    “Outra tese é que a democracia é um valor, que portanto deve ser ampliado ao maior número de campos da experiência humana.” [iv]

    Por outro lado, o voto do Defensor Público aposentado nas eleições internas não representa qualquer apropriação do bem público; logo, não há vulneração alguma do princípio republicano.

    A possibilidade de o Defensor Pública aposentado, portando, votar não pode ser restringida, ainda mais na lógica de busca incessante pelo ideal democrático.

    As ideias traduzidas pela república e pela democracia se complementam e, se o caso concreto, não demonstrar qualquer violação aos preceitos em tela, não há porque repudiar qualquer comportamento. A adoção de postura diametralmente oposta é que deverá ser rechaçada.

    Mas, não é só!

    Caso seja observado o marco legal, mais especificamente a Lei Complementar nº 80/94, é perfeitamente possível apontar que o voto do aposentado se mostra possível, ou seja, o aposentado, no que se refere aos processos eleitorais internos, pode participar na condição de eleitor.

    O artigo 99, Lei Complementar nº 80/94, ao tratar do processo de escolha do Defensor-Público Geral, indica que o voto é plurinomial dos membros da carreira, sendo certo que não há qualquer ressalva para a figura do aposentado.

    Ora, em se tratando de direito fundamental, não se pode imaginar uma restrição, que no caso seria indevida, no gozo de seu exercício. O princípio da máxima efetividade dos direitos fundamentais não pode ser deixado de lado nesse momento.

    Dessa forma, há de se defender o voto do Defensor Público aposentado nas eleições internas de sua instituição. E para quem adota posição contrária, deixo a provocação: quem tem medo da democracia?

    Eduardo Newton é Defensor Público do estado do Rio de Janeiro. Mestre em direitos fundamentais e novos direitos. Foi Defensor Público do estado de São Paulo (2007-2010). Email: newton.eduardo@gmail.com
    Este texto é dedicado a todos os Defensores Públicos aposentados, sendo certo que rendo minhas devidas, respeitadas e humildes homenagens as minhas queridas colegas Glauce Franco e Iracema Leal.
    [i] COMPARATO, Fábio Konder. A civilização capitalista. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. [ii] COMPARATO, Fábio Konder. A civilização capitalista. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. [iii] Artigo 161, Constituição do estado do Rio de Janeiro. Compete ao Tribunal de Justiça: (...) IV – processar e julgar originariamente: (...) d- nos crimes comuns e de responsabilidade: (...) 2- os juízes estaduais e os membros do Ministério Público, das Procuradorias Gerais do Estado, da Assembleia Legislativa e da Defensoria Pública e os Delegados de Polícia, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral”. [iv] RIBEIRO, Renato Janine. A democracia. 2. ed. São Paulo: Publifolha, 2002. p. 61.
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