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17 de Junho de 2024
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    O discurso de bondade das autoridades por trás da medida socioeducativa

    Publicado por Justificando
    há 8 anos

    Procedimentos de apuração de ato infracional por vezes (re) velam um discurso pautado em percepções subjetivistas de desvio de conduta, inclinação a práticas ilícitas, opção pelo erro, dentre outras expressões corriqueiramente observáveis na fala do órgão de acusação e, por vezes, do julgador.

    Tais premissas assentam a noção de que o infrator se envolve no contexto das práticas ilícitas como que por inspiração de um incontrolável desejo de estar vinculado ao erro, ao perigo e a condutas de propalada desorganização social. Toma corpo a perniciosa intelecção de que Judiciário e Ministério Público, ao ofertarem a medida socioeducativa, abrem ao adolescente o caminho nobre daquilo que é certo justo e valioso; a medida se converte, por automático, num ato de bondade do Estado em busca da preservação da vida do acusado e garantia de seus interesses.

    O caráter de repressão/resposta da medida socioeducativa é manejado discursivamente com inconfessável oportunismo. De uma ponta, se autoriza tudo quanto um ilícito admite para o exercício do poder de violência estatal, ingresso em residência, desapossamento de bens, análise de conversas telefônicas, redes sociais, arquivo de fotografias e imagens e tudo o mais corriqueiro no dito combate ao crime. De outra ponta, se procura neutralizar tudo quanto o ordenamento jurídico prevê como meio de contenção a tais condutas em preservação às garantias individuais, afinal, a medida é vista como um ato de bondade manejado no interesse do próprio representado.

    A contradição discursiva, quando muito, se presta a escamotear raciocínio por tudo dissonante de uma percepção integral da norma jurídica, deslegitimando direitos e garantias caros à própria conformação constitucionalmente adequada da sociedade. Não por menos já se disse:

    Se, por um lado, os atores do sistema socioeducativo mostram convicção ao defender a implementação dos direitos da criança e do adolescente enquanto sujeitos merecedores de proteção integral, por outro, não raro defendem, na prática, justamente a violação destes direitos, em discurso nitidamente esquizofrênico.

    Com efeito, quando o embate jurídico permeia questões de natureza penal juvenil (colocando-se em jogo o direito à liberdade do acusado pela prática de conduta típica), por vezes a proteção jurídica do adolescente é desfocada sob argumentos idealistas vagos e questionáveis, que se esquivam da dogmática arrimada pelo estatuto[1].

    Se a ótica de pretender alinhar a medida socioeducativa à condição de uma alternativa frente a opção do adolescente pelo desvio, seria de importância questionar: onde se estabeleceram as alternativas anteriores ao ilícito?

    Como pretender alinhar a conduta ilícita à condição de uma opção se faltam aos adolescentes marginalizados, moradores de bairros periféricos e afastados das políticas públicas mais básicas, as alternativas que lhe afastem do contexto de absoluta invisibilidade social normatizado por uma sociedade dissociada de suas responsabilidades para com o outro?

    A estrutura intelectiva desenhada é verdadeiramente diabólica. Afinal, como se defender daquilo que é bom? Como contrariar aquilo que supostamente lhe protege? Como afastar o que se afirma fazer para seu próprio benefício? Há um discurso de falta no qual falta um discurso, falecem as garantias, se rebaixam direitos.

    Não se preservam interesses do adolescente na ausência da liberdade, até porque, caso a medida socieoeducativa seja pensada como meio para atingir a finalidade de garantir direitos, a norma estatutária prevê solução diversa, por meio da possiblidade de se impor medidas de proteção.

    Sob o manto da bondade e candura da medida socioeducativa, busca-se reforçar práticas de rebaixamento das garantias individuais, fomentando o agigantamento do estado policial, erigindo a aplicação da norma estatutária a verdadeiro espaço de expiação de uma crise de consciência tardia da sociedade.

    Nada mais desacertado e pouco compromissado com a realidade nacional do que as regras protetivas do Estatuto da Criança e do Adolescente que, quando muito, atendem a confirmação de um simbólico legislativo apto a fornecer um álibi ao descuido dos parâmetros elementares da cidadania.

    Pedro de Souza Fialho é graduado pela Faculdade de Direito da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC). Pós-Graduado em Direito Público pela Faculdade independente do Nordeste (FAINOR). Defensor Público do Estado da Bahia.
    REFERÊNCIAS [1] BARBOSA, Daniele Rinaldi. Desafios da atuação do defensor pública da infância e juventude: divergencia de discursos entre teoria e prática na seara infracional. In: Temas aprofundados de defensoria pública volume 2. Salvador: Jus Podvm, 2014, p. 905.
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