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16 de Junho de 2024
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    OAB-ES presta homenagem ao advogado Vinícius Bittencourt com a reprodução de dois artigos do criminalista

    há 11 anos

    Nesta quinta-feira (28), completará seis anos da morte de um dos mais renomados advogados do Espírito Santo, Vinícius Bittencourt. Ele atuou em casos como o de Araceli, Esquadrão da Morte, Caso Gabriela e no processo de José Rainha, dentre outros.

    O livro O Criminalista - Romance da Advocacia e dos Crimes Perfeitos, considerado uma obra prima, é de sua autoria e, recentemente, foi relançado, já em sua sétima edição.

    Vinícius Bittencourt também é autor do livro Falando Francamente, que reproduz 30 artigos dele publicados na imprensa. Esses artigos abordam questões permanentes, de índole filosófica. Em seu conjunto, afirma Vinícius Bittencourt no prefácio por ele mesmo assinado, o livro é uma fonte de indagação e um estímulo ao raciocínio. Sobre cada um dos temas abordados, o leitor poderá pesquisar em jazidas mais promissoras, construindo a sua própria doutrina e prevenindo-se contra desvios ideológicos ou erros de julgamento.

    Em homenagem ao renomado advogado a Ordem dos Advogados do Brasil Seção do Espírito Santo (OAB-ES) reproduz, a seguir, dois desses artigos que estão na obra Falando Francamente. São eles: O Dever do Advogado e O Erro Judiciário.

    O DEVER DO ADVOGADO

    Respondendo à consulta de um criminalista que indagada se devia aceitar o patrocínio da defesa de um adversário político, acusado de homicídio, escreveu Ruy Barbosa uma carta magistral, onde sustentou que: Ante a deontologia forense não há acusado, embora o fulmine a mais terrível das acusações, e as provas o acabrunhem, que incorra no anátema de indigno de defesa . Quanto ao defensor, dispõe o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, em seu artigo 88, que: Nenhum receio de desagradar a juiz ou a qualquer autoridade, nem de incorrer em impopularidade , deterá o advogado no cumprimento de suas tarefas e deveres. Ainda hoje, entretanto, há quem não entenda por que os advogados assumem, sem constrangimento, a defesa de acusados que a opinião pública já condenou antecipadamente.

    O criminalista, todavia, não pode preocupar-se com a sociedade, porque só tem deveres para com seus patrocinados. Do contrário, a defesa criminal só seria admissível quando os interesses do réu não colidissem com os da comuna, e isto só ocorre quando ele é inocente. Nada podendo esperar da coletividade, porque com ela se acha, como representante dos réus, em conflito permanente, não deve o criminalista afligir-se com o que dele pensem, nem temer a impopularidade . Se agir de outro modo, estará servindo a dois senhores e sacrificará forçosamente um em favor do outro. Se o criminalista necessitar de motivação filosófica, bastará lembrar-se de que, segundo Hegel, toda a sociedade é a síntese de seus próprios antagonismos. Quem a afronta concorre para aperfeiçoá-la.

    Como arguiu Lachaud em sua célebre defesa de Troppmann, abominável facínora que trucidara uma família inteira (o casal, um adolescente de dezesseis anos, e quatro meninos, o mais velho de treze e uma criancinha de dois), os que não compreendem as obrigações da defesa confundem em sua generosa indignação, a vingança e a cólera com a justiça. Não percebem que abrasados nesta paixão ardente e excitados de comiseração para com tantas vítimas, acabam por querer que se deixe consumar um crime social, de todos o mais perigoso, o sacrifício da lei. O mesmo ocorre na deontologia médica, onde também não há enfermo indigno de tratamento. Ninguém ousaria censurar um médico que socorresse, com sua ciência, o pior dos criminosos. Não é função do médico, nem do advogado, facilitar a eliminação dos inimigos públicos.

    Assim como pode qualquer criminoso chamar um médico para livrá-lo da doença, sem que este tenha o direito de eximir-se porque a vida do paciente seja nociva à sociedade, pode também o deliquente chamar um criminalista para livrá-lo da pena, sem que a este seja lícito esquivar-se a pretexto de constituir um risco social a liberdade daquele que o chamou. Para o criminalista não há culpado nem inocente. Apenas alguém que caiu ou está prestes a cair nas malhas da justiça. O advogado que julga o réu, usurpa as atribuições do juiz e do tribunal. Evidencia alarmante ignorância de sua missão e estorva a dialética, evertendo o sistema racional de indagação da verdade, onde a acusação é a tese, a defesa a antítese e o juízo a síntese.

    O criminalista não tem direito de sentir aversão alguma pelo acusado, seja qual for o crime por ele cometido. O repúdio à causa em razão exclusive da gravidade do delito é prova de cegueira jurídica, pusilanimidade e hipocrisia. Porque os sãos não precisam de médico e sim os doentes, Jesus não veio cuidar dos justos e sim dos pecadores. Simples cireneu, o criminalista apenas ajuda o acusado a carregar a sua cruz. Se o médico não pode, sequer na véspera da execução, recusar tratamento ao condenado à pena de morte, não pode também o advogado, a pretexto algum, descumprir sua missão. O defensor é a voz do acusado. A ele cumpre fazer o que o próprio réu faria, se estivesse habilitado a defender-se. E quanto mais grave for o crime disse Ruy mais necessita o acusado de assistência e defesa.

    A recusa do patrocínio em razão da natureza do crime ou da confissão recebida em confiança, constitui imperdoável omissão de socorro. Ao criminalista, aliás, não interessa a confissão do acusado, porque seu dever é defendê-lo em qualquer circunstância. Para tanto, basta-lhe indagar quais os fatos, documentos ou testemunhas que podem ser utilizados em sua defesa. Para assegurar justiça ao povo, o Estado não necessita de farisaísmo ou da omissão dos advogados. Muito menos ainda, da traição daqueles a quem os acusados confiaram seu destino. Polvo gigantesco, o Estado possui tentáculos de defesa, cabendo ao advogado, com dedicação e competência, auxiliar a justiça a manter o equilíbrio entre os pratos de sua balança.

    O último dos criminosos, como disse Ruy, tem o mais absoluto direito de que com ele se observe a lei. Portanto, ainda quando a condenação seja inevitável, há sempre o que fazer em defesa do acusado. Além de velar pela observância do devido processo legal, cabe ao advogado denunciar contrafações, impugnar o falso testemunho e as provas ilegalmente obtidas, bem como apurar e expor a eventual contribuição da vítima para o delito, e recorrer, quando a pena exceda os limites razoáveis. Consciente da indispensabilidade de sua função, uma vez que sem o defensor não pode haver processo , o criminalista deve ignorar a opinião pública, mormente porque, hoje em dia, ela já não é pública e nem mesmo opinião. É apenas o que a mídia impinge.

    O ERRO JUDICIÁRIO

    Na história da criminalidade, os erros mais famosos foram os consumados no Caso do Correio de Lyon e no Caso Dreyfus, ocorridos na Franca, em 1796 e 1894, respectivamente. No primeiro, o comerciante Lesurques foi reconhecido por oito testemunhas como o chefe dos ladrões que assaltaram um diligência, matando o cocheiro e o estafeta, responsáveis pelo transporte de vultosa quantia em dinheiro, da qual os bandidos se apossaram. Depois da execução de Lesurques, descobriu-se que foram Dubosq o criminoso e que ele, durante o assalto, usara uma peruca loura, igual à cabeleira natural de Lesurques, com quem fora confundido. Após a retratação das testemunhas, Dubosq também foi executado.

    No outro, que provocou acirrados debates em vários países, tendo sido Ruy Barbosa um dos primeiros a censurar o julgado, o Capião Dreyfus, do Exército Francês, foi condenado à degradação militar e à prisão perpétua na Ilha do Diabo, sob a acusação de haver fornecido documentos militares a uma potência estrangeira. No caso, a prova era uma carta que os peritos atestaram haver sido grafada pelo punho do acusado. Posteriormente, comprovou-se que o documento fora escrito pelo Capitão Esterhazy, que acabou ficando impune, porque o tribunal militar jamais reconheceu o erro. Este caso motivou a célebre campanha de Zola, que concorreu para a cassação da sentença por um tribunal civil.

    Embora não mereça perdão a impenitência do tribunal militar, que, no Caso Dreyfus, perseverou na injustiça, o fato é que neste, como no Caso do Correio de Lyon, o erro judiciário foi determinado pela prova e não pela incapacidade dos juízes. No primeiro, a prova testemunhal era esmagadora e no outro a perícia era conclusiva. Só decidindo contra a prova é que se poderia, antes da retratação das testemunhas e da invalidação da perícia, absolver os acusados. O erro judiciário é produto de muitos fatores, a começar pelo inquérito policial que, sendo um expediente clandestino, pode subverter a prova e conduzir o processo em qualquer direção. Por isso, na maioria dos casos, quem condena ou absolve é a polícia.

    Mas, felizmente, o erro judiciário também exibe virtudes. Às vezes, somente errando é possível fazer justiça. Isto ocorre, por exemplo, quando os autos foram forjados, com as provas ajustadas para induzirem o juiz a uma decisão iníqua, única e inevitável, e este, sem se render ao clamor das provas, pois soube resistir à tentação de ler o processo, consegue proferir a sentença justa. Ocorre também, algumas vezes, ficar o criminoso impune em delitos que cometeu, mas não foram descobertos, e ser condenado em outros que não praticou. Ainda nesta hipótese, não se pode negar a função reparadora do erro judiciário. Aliás, errando quanto à distância entre a Espanha e as Índias, foi que Colombo descobriu a América.

    Uma justiça infalível seria uma calamidade. Basta ler o Código e outras leis penais para compreender que não existe homem algum que não haja praticado ao menos um delito. Sonegando impostos, danificando coisa alheia, cortando árvores, matando tatu, jacaré ou escutando conversa telefônica, injuriando alguém, testemunhando falsamente em favor de um amigo, usando atestado falso para afastar obrigação incômoda, poluindo água potável, manifestando racismo, dando ou oferecendo propina a funcionário público, ou praticando até mesmo por imprudência, negligência ou imperícia outras ações lesivas, todos nós deveríamos responder a processo penal.

    Como a lei foi feita para o homem e não o homem para a lei, a falibilidade da justiça é uma válvula de segurança. Sem ela, as pressões da lei romperiam as comportas do pacto social e danificariam o sistema. Para os casos indefensáveis, como é óbvio, o erro judiciário é a única saída. A sabedoria, porém, que produz o erro intencional, costuma prevenir e dificultar o erro involuntário. É indispensável, portanto, a cooperação da ignorância, quando somente o erro autêntico pode impedir ou reparar uma injustiça. Na ciência jurídica, como em tudo o mais, não se deve desprezar colaboração alguma. Nem mesmo a de um imbecil. Como dizia Churchill, uma das grandes lições da vida é que, às vezes, os tolos estão certos.

    Nada ilustra melhor as vantagens de uma justiça relativa do que a anedota creditada à imaginação de Rabelais do juiz que ao sentenciar substituía o processo, o código e a jurisprudência por uma sacola onde guardava feijões pretos e marrons, em igual quantidade. Conforme a cor do feijão que retirava da sacola, absolvia ou condenava. E as sentenças era exatíssimas. Somente no fim da vida suas decisões tornaram-se absurdas e começaram a ser reformadas. Isso porque, com a velhice e o enfraquecimento da vista, ele já não distinguia a cor dos feijões, e passara a expedir sentenças contrárias às provas dos autos. Em verdade, porém, com suas decisões lotéricas, aquele juiz era mais justo do que outros que sempre absolvem ou sempre condenam.

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