Observatório Constitucional: O problema das citações doutrinárias no STF
Há um aspecto da argumentação jurídica que particularmente me interessa, instiga e intriga deveras: trata-se da citação de fontes doutrinárias. Outro dia, eu relia a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no caso das células-tronco (ADI 3.510/DF, Rel. Min. Carlos Britto, j. 29/05/2008), e chamou-me a atenção a imensa quantidade referida de autores e obras doutrinárias, ao longo de todos os votos que compuseram o acórdão. Claro, dirão alguns, isso mostra que nossos ministros estão herculeamente preparados para enfrentar qualquer julgamento, qualquer matéria, independentemente de sua complexidade inerente. Não discordaria, de todo, de uma tal afirmação, embora saiba que mesmo os juízes têm lá suas limitações.
Contudo, penso que essa prática judicial, esse modus operandi de elaborar votos e decisões tão repleto de referências doutrinárias, possa ter uma outra faceta, pouco ou quase nada explorada até então, que mereça um estudo mais aprofundado, que neste curto espaço apenas terei a possibilidade de expô-la. É que, ao contrário do que à primeira vista aparente, votos impregnados de referências doutrinárias podem acarretar certa fragilidade para o sistema constitucional, quando examinado em um horizonte mais estendido, minando sua integridade (Dworkin).
Falo de integridade no Direito, porque, não obstante as diversas teorias da interpretação e da hermenêutica constitucional, não somos autorizados a apontar uma única sequer em torno da qual haja algum consenso teórico. Toda decisão judicial exige uma prévia interpretação, que, por sua vez, pressupõe uma teoria jurídica de base. Para toda linguagem interpretativa, há uma metalinguagem que põe em xeque a legitimidade de quaisquer critérios de interpretação. Não há método interpretativo último para validar uma única interpretação possível. Logo, não seria uma heresia, de minha parte, falar que para todo argumento existe uma teoria ou interpretação que lhe dê suporte, estando naturalmente excluídos os casos extremos ou exemplos ad terrorem (v.g.: a linguagem da Constituição do Brasil, de 1988, não se permite a nenhuma interpretação razoável que pretenda justificar a pena de morte, salvo em caso de guerra).
A noção de integridade no Direito não responde cabalmente a essa angústia do jurista ou à insuficiência teórica, mas ainda é a que melhor avança sobre o crucial problema da aplicação do Direito e, sobretudo, da Constituição. Seu diferencial, até onde posso vislumbrar, consiste em não procurar fixar regras ou critérios externos que devam ser seguidos pelos juristas ou pelos operadores do direito, como se fossem uma cartilha jurídica a ditar os verdadeiros princípios e regras da interpretação; muito pelo contrário, a partir de uma perspectiva interna (dos participantes), a integridade exige que as decisões e as interpretações tenham coerência com todo o conjunto de decisões até então tomadas sobre a matéria, isto é com a história institucional, e com os standards da moralidade política e da justiça.
Compara-se, assim, o Direito a um romance em cadeia e o jurista a um romancista, a quem cabe dar continuidade ao romance jurídico, ou seja, construir uma história coerente....
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